Síndrome de Lulu

Por Roberto Schmdit, para Coletiva.net

Quando era criança, eu tinha um cachorro, o Lulu. Toda manhã botava a coleira e a guia no Lulu e saía pra passear com minha mãe. Invariavelmente íamos para uma praça perto de casa, sentávamos em um banco e o Lulu ficava ali na volta, com a guia esticada, farejando e procurando um lugar para fazer as necessidades. A praça era grande, tinha algumas áreas com grama, outras com areia, árvores, vários bancos. Também passava muita gente por ali. Era um vaivém de gente indo trabalhar, estudantes indo pra escola, mendigos, etc. Em volta da praça havia banco, padaria, açougue e comércio de bairro.

Sempre segurava a guia, morria de medo do Lulu sair correndo atrás de alguma bicicleta, ou que fosse para o açougue atrás de alguma carne e acabasse atropelado. Segurava a guia com muita força. O Lulu poderia fugir e ir atrás de uma vida livre, de cão vira-latas.

Um dia, minha mãe, vendo o meu medo, resolveu provar que não precisava me preocupar. Ela, com jeitinho, convenceu-me a fazer um teste: soltar a coleira do Lulu. Depois de muito receio e da promessa de que nada poderia acontecer, topei. Minha mãe se posicionou para conter qualquer fuga e soltei a coleira. Para minha surpresa, nada aconteceu. Lulu continuou andando na mesma área de sempre, exatamente na distância que ficava a guia. Ele estava tão acostumado a ficar na guia que nem cogitava sair correndo para experimentar o mundo lá fora.

Pensando nos criativos de agência de propaganda, já vi acontecer algo parecido. As agências como conhecemos estão em transformação. Isso é um fato, depois da juniorização estamos acompanhando uma troca de foco da criação para uma comunicação mais ampla. SEO, adwords, retarget, tudo isso entrou no mix que uma agência de propaganda/comunicação entrega hoje. Além de disciplinas de design, endomarketing, entre outras, que já tínhamos incorporado há tempos. Aumentaram a guia, mas a porção de ração tem que ser dividida com mais profissionais contratados, para dar conta de todas as promessas feitas para o cliente.

O que mais surpreende é quando acontece o inevitável: o profissional fica caro para a estrutura de negócio da agência e, da noite pro dia, cortam a guia. O lamentável é que a maioria dos profissionais continua como se estivesse amarrado na guia. Será que os criativos que trabalham em agências de propaganda não poderiam atender a outros nichos de mercado, ou mesmo, clientes diretos? Será que os clientes precisam contratar tudo de uma empresa só? Ou, dito de outra forma, não poderiam os clientes contratar talentos de acordo com suas necessidades específicas?

Até quando ficaremos presos nas velhas guias?

Roberto Schmdit é publicitário.

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