A cobertura que faremos do julgamento de Lula em Porto Alegre será avaliada por repórteres de vários países

Por Carlos Wagner

Os olhos dos colegas repórteres do mundo, em particular dos outros estados do Brasil, estarão voltados para o nosso trabalho na cobertura do julgamento no próximo dia 24, em Porto Alegre, da apelação do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT - SP) na sede do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4). No ano passado, em primeira instância, Lula foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, em Curitiba (PR), a 9 anos e seis meses por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do apartamento triplex em Guarujá (SP). Se a condenação for confirmada, ele fica inelegível para as eleições presidenciais, que acontecem neste ano, e Lula é o candidato que lidera as pesquisas. Também poderá ser preso. Independentemente da decisão do TRF4, estamos falando de Lula, um dos raros operários que chegaram ao poder ao redor do mundo. A história política dele o tornou uma figura global. Portanto, tudo o que acontece com Lula é do interesse dos noticiários ao redor do mundo.  O que significa que, referente ao julgamento do dia 24, tudo que nós, repórteres gaúchos, iremos escrever (jornal papel e sites), falar (rádios  e TVs) e documentar em vídeos (redes  sociais) será do interesse dos nossos colegas e leitores.

Vamos começar a conversar sobre o assunto pelas coisas mais simples. Na semana passada, fui consultado por um colega americano, que conheci quando ele trabalhava no Brasil para a Time. Ele disse que havia vasculhado as publicações gaúchas e não tinha encontrado a informação se o julgamento vai ser transmitido pelas TVs, como aconteceu com os do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de falarmos umas bobagens sobre a época em que nos conhecemos, nos anos 80, na cobertura dos conflitos agrários, eu informei que esse tipo de caso o TRF4 não transmite pela TV, sob a alegação da proteção do réu. E, no caso do Lula, a minha crença era de que a imprensa local deveria esclarecer o assunto agora, nas primeiras semanas de janeiro. Aqui quero refletir com os meus colegas repórteres calejados e com os novatos. O Rio Grande do Sul é um berçário de bons repórteres. Temos gente boa trabalhando em redações, agências de conteúdo, assessorias de imprensa e redes sociais. Nas minhas palestras, eu tenho dito que sempre que "a casa cai" - que significa, no jargão dos repórteres, um grande acontecimento - nós nos superamos. Mas há uma coisa que preocupa. A exemplo do que aconteceu em outros estados brasileiros, as redações gaúchas foram esvaziadas pelas demissões. Isso significa que esta cobertura será do tipo "apagar incêndio" -  repórter com cinco ou seis pautas na mão, fazendo matérias para várias plataformas (jornal, site, rádio e vídeo). Essa é a nossa realidade. Os repórteres calejados conseguem dar um diferencial na cobertura por terem fontes.

Já os repórteres novatos têm uma grande dificuldade para conseguir um diferencial na sua cobertura. Mas, mesmo não tendo fontes, é possível conseguir o diferencial, eu já vi acontecer. E, para conseguir isso, tem de seguir algumas regras. A primeira é ficar atento ao que existe de diferente no lugar do acontecimento. Em 2002, eu fui fazer a cobertura do sequestro de uma lotação (pequeno ônibus) com passageiros por um jovem. Tinha mais de 30 jornalistas na cobertura. Acabei dando um furo porque fiquei na periferia do local e acabei descobrindo uma senhora que tinha uma filha na lotação. Ela me deu o número do celular da filha. Liguei e consegui entrevistar o sequestrador. O sequestro durou longas 24 horas e, no final, os sequestrados foram libertados, e o sequestrador, preso. Outra estratégia é virar a pauta - no jargão dos repórteres, é conseguir substituir o que pediram para cobrir um fato maior e mais atraente ao leitor. Uma das maneiras de fazer isso é se afastar do local onde está acontecendo o fato e sair pela rua perguntando para as pessoas o que aquilo afeta a vida da sua família, especialmente o futuro dos seus filhos. É o que antigamente se chamava o "Fala Povo". Esses depoimentos são importantes porque mostram ao leitor a opinião de pessoas que não estão diretamente envolvidas com o fato. Mas que terão suas vidas influenciadas por esse acontecimento. Os historiadores valorizam muito esse tipo de depoimento sempre que vasculham os noticiários em busca de informações para seus livros. Lembro que, quando escrevi o livro "A Saga do João Sem Terra" - sobre um líder dos sem-terra dos anos 60 que foi perseguido pela Ditadura Militar (1964 a 1985) -, vasculhei jornais e revistas dos anos 60 em busca de informações. Sempre que encontrava um depoimento na imprensa de alguém sobre o assunto era como achar uma pepita de ouro. Aprendi pelas estradas, em busca de histórias para contar, que a credibilidade do repórter é construída a cada a cada linha que escreve, a cada palavra que fala e a cada imagem que registra. Bom trabalho, colegas.

Carlos Wagner é jornalista e administra o blog Histórias Mal Contadas (http://carloswagner.jor.br/blog/).

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