A síndrome de Nabucodonosor

Por Domício Torres, para Coletiva.net

Há o relato bíblico de um grande rei, chamado de Nabucodonosor, que conquistou o mundo daquela época formando o império da Babilônia. Estrategicamente, ele selecionava os jovens sábios e inteligentes, dos povos conquistados, e os levava para a capital onde recebiam um tratamento diferenciado e serviam ao rei nas questões demandadas.

Numa noite, Nabucodonosor teve um sonho que o deixou extremamente perturbado e convocou os sábios dessa seleção de várias nações, para que dessem a ele a interpretação. Os sábios estavam confortáveis; pediram que o rei relatasse o sonho, que eles dariam a interpretação. Aí ocorreu o impasse: o rei não lembrava o que sonhou, queria que eles dissessem qual foi o sonho e qual a interpretação.

Danação total. Quando os sábios disseram que isso era impossível, o rei deu um prazo para que eles resolvessem a questão ou todos seriam executados. A história teve final feliz pela ação de um jovem chamado Daniel e não é o foco desse artigo.

Lembrei-me do episódio para acrescentar às síndromes existentes como Cinderela, Peter Pan, etc. A Síndrome de Nabucodonosor, que grassa em muitos empreendimentos, em vários segmentos. Vivemos momentos mágicos em passados não tão remotos, quando empreender era apenas uma questão de dispor de capital e algum talento.

Quando um produto ou modismo era lançado, a 'boiada' toda seguia com frenesi e a capitalização era garantida. Exemplos: Na década de 1970, para não ficar tão distante, tivemos alguns cases de produtos de consumo obrigatório: a camisa Volta ao Mundo, a geração Lee e o Ban-Lon.

Produtos de consumo obrigatório pelo poder do império da moda. Quem não possuísse tais produtos eram frustrados, para não dizer discriminados. O tempo passou e a moda também. Hoje, o que temos é uma 'desobrigação de estar na moda'. Passamos a conviver com modismos, não mais imperiosos, e, se prestarmos atenção em qualquer ambiente ou nas ruas, nos deparamos com um impressionante mix de vestimentas às vezes beirando o surreal. Tudo numa boa, sem recalques ou frustrações.

Para o consumidor isso é uma maravilha! Para o empreendedor, uma catástrofe. Hoje, mais do que no passado, para que o alvo seja atingido, o potencial consumidor tem de ser ouvido. Peter Drucker já dizia: "A razão principal por que tantos empresários têm-se saído mal em seus negócios, porque tantas empresas têm ido à concordata e mesmo à falência, é que os empresários sequer sabem, com clareza, qual é o seu negócio".

Nesse contexto, a Síndrome de Nabucodonosor se instala: as coisas não vão bem nos negócios e os porquês não aparecem. Muitos fatores contribuem para essa síndrome, além da desobrigação de estar na moda:

Redes sociais multiplicando velozmente as notícias; agilidade no desenvolvimento de produtos; interatividade; conectividade; ferramental à disposição de 'qualquer um', com qualidade; muitas opções para um mesmo produto; aumento da economia informal; e-commerce cada vez mais utilizado; custo do dinheiro sempre alto e vida útil de produtos cada vez mais curta, tornando-se obsoletos da noite para o dia, a tal ponto que o mago Bill Gates pondera: "Trabalhamos com o propósito de tornar nossos produtos obsoletos, antes que nossos concorrentes o façam", ou seja, uma obsessão pelas atualizações, e fatos novos vão surgindo a cada momento, tornando o problema cada vez maior.

Além disso, todos os consumidores possuem hábitos, modismos, sexo, idade, classe social, escolaridade, renda familiar, preferência por cores, sabores, consistências, qualidade, preço, religião, partido político, candidato, lojas, posto de combustível, farmácia, banco, emissora de rádio, televisão, jornais, revistas, lazer, usam tamanhos diversos, plataformas, inovações, etc.

Sábios nessa hora são consultados para que apresentem a solução para o problema e hoje, felizmente, o tratamento existe e é técnico: consultar sua excelência, o consumidor, através de pesquisas específicas que quantifiquem qual o potencial do produto que está sendo estudado.

Arhur Conan Doyle é objetivo nessa questão: "É um erro terrível teorizar antes de termos informação". Em todas as esferas nas quais a participação ou presença do consumidor for preponderante, não há mais lugar para 'achismo', 'feeling' ou ações semelhantes. Diante de tanta diversidade, é imperiosa a necessidade de consultar o consumidor, ouvinte, leitor, telespectador, eleitor, aluno, internauta, sócio de alguma organização, membro de alguma sociedade ou instituição religiosa, ou seja, qualquer pessoa de quem dependa-se, sob pena de condenar um investimento ao fracasso.

Muito a propósito, Carlos Drummond de Andrade relembra: "Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar".

Domício Torres é fundador da IRP - Instituto Reality de Pesquisas.

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