De repente do riso fez-se o pranto

Por Marcelo Pires, para Coletiva.net

São 14 versos, divididos em dois quartetos (quatro versos) e dois tercetos (três versos). 

Os versos devem ter a mesma métrica. A criação pode decidir: entre versos de 10 ou 12 sílabas, decassílabos ou alexandrinos.

A ordem em que os versos rimam também fica a critério da criação. Nos quartetos, podem ser rimas entrelaçadas (o primeiro verso rima com o quarto, o segundo rima com o terceiro); rimas alternadas (o primeiro verso rima com o terceiro, o segundo rima com o quarto) ou rimas emparelhadas (o primeiro verso rima com o segundo, o terceiro rima com o quarto). Desculpe estar me estendendo, mas é importante lembrar estes detalhes, assim todo o grupo acompanha todos os passos.

Os tercetos, ah, são mais flexíveis, vocês podem decidir o posicionamento das rimas. Na boa. Liberdade para a criação.

Importante: a sonoridade.

A sonoridade de um soneto é tudo, né, pessoal? Somos 15 pessoas aqui nesta reunião e acho que todo mundo concorda. Por isso, o nosso novo estagiário, Flavinho, já reuniu referências ótimas. Camões. Shakespeare. Olavo Bilac. Tem até Vinicius. Assim, a gente vê o que anda fazendo a 'concorrência'.

Criativos, vocês acham que vão preferir decassílabos heroicos ou sáficos?

Todos sabem o que são heroicos e sáficos, confere? Imagino que sim. Inclusive, está no PDF.

No caso dos versos serem alexandrinos, o cliente prefere as sílabas tônicas na quarta, na oitava e na 12ª sílabas. Certo? Anotem aí pra não esquecer. Criação tem esta mania de não anotar as coisas.

Que mais? Ah, o prazo.

O soneto é pra amanhã, 17 horas. Muito em cima? Ok: faz pra depois de amanhã. Até meio-dia. Pronto, melhorou, né? É isso, vamos nessa. Temos uma boa estratégia: a gente vai arrebentar neste projeto.

Trabalhar em empresa de comunicação anda um pouco assim.

Explico: os 15 da sala são geniais no 'antes', na teoria.

Todo mundo tem teses claras - e sempre há uma tese da moda, do momento.

Todos já leram livros e acompanharam TEDs sobre como quebrar regras e, assim, na verdade, todos sabem como adotar fervorosamente regras novas.

Tudo faz parte de um processo claro, tem metodologia comprovada, as ações devem estar dentro de projetos bem objetivos.

As boas empresas de comunicação (de qualquer época, de qualquer lugar) são aquelas que nunca esquecem que o resultado depende dos talentosos, dos habilidosos - dos prendados da empresa.

Ouso dizer: das individualidades.

Hoje em dia, há uma ode ao grupo. Ao trabalho coletivo. Não há dúvida: sem um bom conjunto ninguém faz nada, comunicação sempre foi uma atividade multifacetada.

Mas lembre-se do papo do Mario Quintana (poeta que fez lindos sonetos) com um jovem que o foi entrevistar:

- Seu Mario, vamos trocar uma ideia?

- Acho que não. Eu posso sair perdendo.

Isso é um jeito divertido de dizer: grupo sim, mas grupo enxuto, bom. Que não pensa igual. Que tem cultura interna, tem filosofia de trabalho, mas tem diversidade.

Assim, voltamos às individualidades. Os prendados.

Os que até meio-dia de depois de amanhã têm que puxar inspiração, preencher os tais 14 versos, decassílabos ou alexandrinos, e, com sorte, fechar tudo com chave de ouro.

Se não for assim, se o mercado acreditar mais no processo e menos no talento, mais no rótulo do que no produto, mais no PDF do que no resultado, as reuniões vão continuar brilhantes - e a emenda pior do que o soneto.

Marcelo Pires é publicitário e é fundador da Ideia da Silva.

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