História da humanidade em três passos

Por Elstor Hanzen

No princípio era a imaginação. A capacidade cognitiva levou à revolução agrícola e, por fim, levou à revolução científica. A habilidade de pensar e de cooperar levou a Humanidade a ser o que é, e o homem a se diferenciar de todos os demais seres do planeta.

Assim, com base na perspectiva darwinista, o professor israelense Yural Harari procura resumir a história da evolução humana, no badalado Sapiens - Uma História da Humanidade. O livro se tornou um best-seller mundial. A narrativa se concentra em três aspectos principais: a revolução cognitiva, a revolução agrícola e a revolução científica, além de discorrer em uma parte sobre a unificação da humanidade.

Confesso que tenho restrições a livros com muitos apelos comerciais e com expressões na capa de best-seller. O pré-julgamento com Sapiens se deu por esse motivo. Cruzei por ele em várias feiras e o vi praticamente em todas as livrarias. No final de 2017, finalmente o li e constatei que estava errado, pelo menos, quanto a essa obra. Contudo, não significa que deixei de lado os critérios e as restrições quanto às receitas de livros ruins, os quais trazem sempre as previsíveis palavras de impacto e clichês na sua identificação, tais como: faça vocês mesmo, 10 dicas para o sucesso, como fazer amigos..., ou que tentam simplificar temas complexos para adequá-los à paciência do público alvo.

Sapiens, não obstante, tem o mérito de resumir 70 mil anos de história em menos de 500 páginas, numa narrativa fluida e inteligente. Dividido em três grandes revoluções, a partir daí o livro tematiza a História da humanidade desde a evolução da espécie humana na idade da pedra até os dias de hoje. O argumento central é que o homo sapiens domina o mundo porque é o único animal capaz de pensar e de cooperar de forma flexível entre seus pares. Além do mais, somos capazes de acreditar em coisas que não existem na natureza e são produtos só da imaginação, tais como deuses, nações, dinheiro e direitos humanos.

Antes da revolução cognitiva, conforme lembra Harari, a pedra foi a ferramenta usada pelo sapiens para abrir ossos de tutano, pois era o que sobrava após a cadeia dos mais forte se alimentar, como as hienas e os chacais. Para evoluir na cadeia alimentar e sobreviver, a técnica da cozinha foi fundamental para o homem - os chipanzés demoravam cinco horas para comer; hoje, podemos fazer tudo em menos de uma hora.

Outro ponto para o homem foi a capacidade de usar o aprendizado, a memória e a comunicação a seu favor, logo pôde cooperar para se organizar socialmente, sendo característica essencial para sua sobrevivência em sociedade. O ingrediente central para realizar essas atividades foi a informação. Graças à informação, tonou-se possível transmitir as coisas que não existem na natureza - ficção, lendas, crenças. Essa é a singularidade mais particular da linguagem dos sapiens, portanto.

A informação é uma espécie de cola para fazer alianças, criar marcas e estabelecer confiança. Os políticos e os governantes que o digam, pois dependem de informações para conseguir cooperação, assim como as igrejas espalharam a história de cristo, as instituições e as marcas usam a mesma lógica para sustentar sua existência.

Os bancos, por exemplo, apoiam a sua existência num eixo central - a informação -, usando dados e valores simbólicos para se constituírem como instituição. Fora isso, não existem. A igreja católica, do mesmo jeito, não sobreviveu pelo 'gene do celibato', mas por transmitir a história do Novo Testamento e convencer milhões de pessoas com esse escrito. Claro, para que tudo isso funcione, não basta contar uma boa história, é preciso convencer e seduzir para que o relato se faça digno de crédito, o que na linguagem corporativa se chama contar uma história eficaz.

Na contemporaneidade, entretanto, só há um elemento mais forte e capaz de unir mais a humanidade que a história, a religião e as marcas: o dinheiro. Ele é o "único sistema de crenças criado por humanos que pode transpor praticamente qualquer abismo cultural e que não discrimina com base em religião, gênero, raça, idade ou orientação sexual". Portanto, o animal homem cria suas histórias e as cultua, pulando dos deuses ao dinheiro.

As evoluções

Desde a revolução cognitiva, há cerca de 70 mil anos, o homem declarou independente a história da biologia. Segundo Harari, então os sapiens começaram a viver em uma realidade dual. Por um lado, o mundo objetivo dos rios, das árvores e dos leões; por outro lado, a realidade imaginada de deuses, nações e corporações. Com o passar do tempo, a realidade imaginada se tornou ainda mais poderosa, de modo que hoje a própria sobrevivência dos rios, das árvores e dos leões depende de entidades imaginadas, como deuses, nações e corporações.

Uma das primeiras mudanças começou no cérebro. "O homo sapiens tem 2% do peso corporal e consome 25% de energia, enquanto do primata gasta apenas 8% de energia com esta parte do organismo", relata Harari. A partir daí, as novas habilidades foram várias, ao passo que os benefícios foram consequência. Graças à capacidade cognitiva, conseguimos agora realizar ações complexas, como formar grupos maiores, mais coesos e cooperar entre estranhos, além da capacidade de inovação e rapidez na adaptação a comportamentos sociais.

A revolução agrícola veio posterior, aproximadamente 12 mil anos atrás. Nas palavras de Harari, essa foi "a maior fraude da história", porque se passou a trabalhar mais que os antecedentes - os caçadores-coletores - e se obtinha uma dieta pior. Ademais, a partir daí começou a exploração dos trabalhadores pelas elites, para que estes focassem com o excedente da produção. Resumindo: mais pessoas vivas e em piores condições, cirando ambiente para a escravidão.

Para o bem ou para o mal, "as evoluções não têm volta, elas só geram mais e mais demandas". Ainda conforme Harari, apesar das inovações com as quais ganhamos tempo: o telefone, a máquina de lavar roupa, os computadores e o email não foram capazes de nos proporcionar uma vida mais tranquila - apenas ficamos mais submissos, domesticados e gordos. Por último, essa série de decisões travadas levou o homem dependente de sua produção para sempre.

Para manter todo esse sistema, o autor da obra argumenta que só a ideologia e a religião foram capazes de sustentar tantos esforços expedidos em troca da vivência. Porque a cooperação em geral foi para opressão e exploração, com base em mitos que sustentam impérios e nações inteiras. "Estranhos foram capazes de cooperar graças a seus mitos partilhados", conclui Harari.

Os próprios princípios universais só existem na nossa imaginação. A democracia, o cristianismo e o capitalismo são ordens imaginadas e existem por que as pessoas acreditam nelas. Para que funcione, evidente, é preciso certa estratégia discursiva: não admitir que seja ordem imaginada; sempre defender como sendo algo objetivo; ou aceitar como sobre-humano. Ou ainda, nos termos do autor, jamais entender "a história como aquilo que alguns poucos fazem enquanto todos os outros estavam arando campos e carregado baldes de água".

Aliás, as escolhas da história não são feitas em prol dos humanos. "Não há prova alguma que a evolução é para o bem-estar humano. Geralmente, as culturas são como parasitas mentais que surgem para tirar vantagens dos infectados em prol de uma classe ou categoria".

Por fim, chegou a vez da revolução científica, em torno de 500 anos atrás. O marco foi o acontecimento que levou o homem à Lua. A partir desse ponto, a técnica e a tecnologia foram os carros chefes para os rumos da sociedade. A guerra, a religião e o consumo também foram essenciais para a ciência, pois criaram os interesses e o contexto para que os estudos fossem financiados.

A consequência de tudo isso levou à sociedade dos excessos e do consumismo. Como exemplo, temos a obesidade que pode ser considerada uma espécie de dupla vitória do consumismo - primeiro se compra demais e se come muito; depois, gasta-se com dieta e por último com o problema de saúde, contribuindo maciçamente para o crescimento econômico.

Com isso, chegamos à nova ética - o consumismo, portanto. "Ela promete o paraíso sob condição de que os ricos continuam gananciosos e dediquem seu tempo a ganhar mais dinheiro, e as massas deem rédea solta aos desejos e paixões - consumindo cada vez mais". Mas, como temos certeza que em troca teremos o paraíso? A mídia faz o meio de campo.

Elstor Hanzen é jornalista, especialista em convergência de mídias e assessor de comunicação social. Contato: [email protected]

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