Para que chegar tão perto da notícia?

Por Filipe Peixoto

Escrevo este texto no meu celular enquanto retorno da cobertura da queda de um helicóptero em Joinville, em Santa Catarina, resultado de uma ação ousada de criminosos, com direito a um registro de tirar o fôlego de uma câmera de segurança da casa atingida pela aeronave. Viajei 615 quilômetros até o local, para fazer reportagens e entradas ao vivo no Jornal da Band e no Brasil Urgente. Técnicos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), baseados em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, também fizeram essa cruzada para capitanear a investigação do acidente. No entanto, não é a respeito dessas viagens de ofício que quero falar, e sim, sobre trajetos mais curtos que as pessoas que nada têm a ver com o caso fazem para pisar no território do acontecimento.

A rua de chão batido onde houve a queda, Servidão Adenilda Roeder, sempre foi quieta e silenciosa. Nos dias seguintes ao acidente, a poeira não baixava: carros, motos e pedestres por ali cruzavam a todo momento para ver um muro destruído e a mancha escura que o fogo deixou no chão. Alguns só queriam espiar, outros se detinham por mais tempo, queriam contar o que sabiam e conversar com alguém que soubesse dos bastidores.

Tal chamariz não é exclusividade desse caso. Lembro os carros que não paravam de cruzar na frente da casa do menino Bernardo, em Três Passos, morto e enterrado em um matagal. Recordo da multidão paralisada que perambulava por volta do ginásio onde ocorria o velório coletivo das vítimas da Boate Kiss, em Santa Maria. Mesmo com o passar do tempo, quando eu voltava à cidade para novas reportagens sobre o caso, o prédio da casa noturna era visitado por pessoas que vinham de longe, apenas para "ver de perto" e "sentir a sensação" de estar lá, onde tudo aconteceu. Quando caiu o avião da Chapecoense, na Colômbia, me desloquei imediatamente para Chapecó para fazer a cobertura, e, no estádio Arena Condá, vivenciei uma cena que mexe comigo até hoje. No primeiro dia, nada havia sido marcado: não havia corpos e não havia homenagens programadas. Todos os dirigentes do clube e as autoridades da cidade estavam ainda digerindo a tragédia. Mas, ao entardecer, o estádio começou, espontaneamente, a lotar. Uma multidão em luto, sem se combinar, decidiu caminhar até o palco dos jogos e entoar os hinos da torcida.

Em um mundo, hoje, tão conectado, em que recebemos dados de imagem e voz em tempo real vindos de qualquer parte, como explicar esse ímpeto de estar lá, em carne e osso, onde tudo acontece? Talvez aí esteja um dos grandes trunfos do telejornalismo. O trabalho de um repórter de TV só estará completo quando ele pisar no território do acontecimento. Por melhor que seja a apuração dos fatos por telefone e a recepção de vídeos amadores, é quando o jornalista está presente no local que ele pode falar com seu público e dizer "agora eu posso contar essa história, porque estou aqui vivenciando ela".

Além de testemunha ocular do fato, o repórter tem outro poder, que advém de um meticuloso trabalho de apuração in loco: separar o joio do trigo. As coberturas de grandes tragédias são os momentos em que mais presencio versões absurdas dos fatos, detalhes cinematográficos que se alastram como chamas pelo imaginário popular, sem qualquer comprovação de veracidade. Pois esse é outro diferencial que o público busca ao decidir se informar por meio do jornalismo. Se ele já recebeu o vídeo no celular e já ouviu os comentários dos amigos e conhecidos sobre o caso, por que, então, ligar a TV? Um dos motivos é que, nesse momento, ele pode relaxar e confiar na informação.

Em estudo que realizei durante meu mestrado na Ufrgs, analisei 145 reportagens de TV da década de 60 até os dias de hoje, com foco na passagem, termo que no jargão jornalístico se refere ao momento em que o repórter aparece no vídeo. Houve mudanças nos movimentos e enquadramentos de câmera, na duração da passagem, na performance e no figurino do repórter, etc. No entanto, o repórter de TV permanece como um narrador insubstituível que articula a informação por meio do seu corpo e da sua voz, conferindo credibilidade ao relato e estabelecendo um elo com a audiência.

Assim como aqueles que levantaram a poeira da rua Servidão Adenilda Roeder, que afundaram a calçada de tanto passar pelo antigo prédio da Boate Kiss e que ocuparam a Arena Condá no dia mais triste de uma torcida, também milhões de telespectadores, todos os dias, ligam a TV para que possam, ainda que indiretamente, estar lá onde tudo acontece, ouvindo a história de jornalistas que, em carne e osso, estão no território da notícia. Para nós, repórteres, cresce a responsabilidade deste compromisso com o público: estar perto do fato, afugentar ilações, conter exageros, contar o que sabemos e compartilhar sensações.

Filipe Peixoto é repórter de rede da Band TV, mestre em Comunicação pela Ufrgs e integrante do Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência (GPTV).

Comentários