Que tal escrever um artigo sobre o teu mercado?

Por Katia Marques, para Coletiva.net

Pareceu-me um convite bem interessante, afinal de contas o mercado é tão rico e surpreendente. E foi assim que comecei a escrever esse artigo. O mercado ao que a pergunta se refere é o de áudio publicitário. Confesso que nos primeiros instantes, tentando organizar minhas ideias, bateu uma pontinha de nostalgia. Não que eu seja jurássica na propaganda, mas uns bons 20 e poucos - ou muitos - anos de mercado carrego nas costas e no coração.

Tempo em que a "dat" era a mídia enviada para os clientes. Dat? Ouvi alguém perguntar? Pois é, era uma mini fita cassete (explicando de forma bem objetiva). Tempo em que tínhamos tempo de "pirar", sim, pirar na criação de um jingle ou de um spot, ou de uma trilha, tempo de uma semana, 10 dias. Tempo em que os spots não eram somente um texto corrido com um locutor standard e uma trilha "caminha", e, para quem não sabe, trilha caminha quer dizer que existe uma trilha ali, mas ela não deve aparecer, sacou?

Pois é, os criativos daquele tempo trabalhavam com personagens em seus roteiros, criavam situações onde com uma ótima direção da produtora de áudio, uma seleção perfeita do casting de atores e um desenho de foley e sound effects te levavam a uma viagem sensorial. Nela, fechar os olhos e ver que o cenário estava criado e as sensações à flor da pele, aquele bater de porta, o som do caminhar em pedras, um sussurro e tantos outros sons. Sim, isso era viajar na imaginação. Bons tempos aqueles... 

Meu amor pelo áudio começou na Som Guia, empresa do Grupo Jinga Música, e foi lá, com o mestre Pedro Guisso, que aprendi  o que é viver o áudio, horas e horas de estúdio para encontrar a melhor interpretação ou o melhor acorde, achar aquela "batida perfeita". Obrigada, D2. Tempo para fazer uma seleção minuciosa das vozes que iriam participar do job, locutores, cantores todos no estúdio, takes e mais takes, gargalhadas, uma ótima mixagem e, voilá, peça pronta!

Claro que essa proximidade entre estúdio, locutores, atores e cantores reduziu muito graças a era digital e a um ótimo Neumann. Hoje, mais do que nunca, o profissional da voz tem de ser especialista e ter ótimo equipamentos. A era digital chegou, e chegou com tudo!

Chega de passado, chega de dats, chega de prazos. Prazos? O que é isso? Hoje, a velocidade das produções sonoras tomou uma dimensão intergaláctica - quem menos corre, voa -, produções fast food, o tempo de "pirar" já era, a criação pira e a produtora executa. Não quero, aqui, levantar uma bandeira, mas prazo é a única coisa que não poderia ser subtraída. Retire vozes, adeque roteiro. mas prazo NUNCA, pois é ele a cereja do bolo. É com prazo que uma mixagem pode ser aperfeiçoada, uma locução melhor trabalhada e onde também a produtora de áudio pode fazer seu papel, não só de executora, mas de consultora. Poder ter certeza, isso faz toda a diferença.

Peças produzidas às pressas (olha a rima aí!) é o que mais escuto por aí e, infelizmente, nivela o áudio por baixo. Tudo bem porque, com certeza, tudo tem dois lados e o lado muito legal disso tudo é a evolução tecnológica, equipamentos cada vez melhores, recursos que nos auxiliam a produzir um áudio de qualidade, além de podermos trabalhar com profissionais do mundo todo, contanto que tenham um bom home estúdio.

O legal de trabalhar com áudio é que trabalhamos com sentimentos, temos o poder de fazer o ouvinte viajar, ser transportado para lugares e sensações, através de um timbre de voz ou uma interpretação de uma música marcante. Acredito que a era digital, com tantas possibilidades, veio coroar nossos criativos, porque hoje, mais do que nunca, a criatividade faz toda a diferença. Não são necessárias verbas gigantes, são necessárias ideias gigantes e profissionais competentes para executá-las.

E por falar nisso, nesse exato momento está acontecendo o maior encontro de criativos e empresas criativas do mundo - Cannes 2018 -, onde os Leões de Radio & Audio Lions celebram conteúdo de áudio criativo, que mostram ideias ligadas ao som. Trabalho que comunica uma mensagem de marca através de excelência de áudio, inovação sonora ou narrativa auditiva superior.

O áudio - rádio - está longe de ser uma mídia ultrapassada, velha. Hoje, ele tem o poder de transcender uma plataforma, é uma categoria plural, onde permite o maior uso da criatividade. Se você ainda não viu os ganhadores dessa categoria, não perde, vale muito a pena!

O Gran Prix ficou para a campanha 'Soccer Song for Change', da Ambev, África do Sul, arrepiante, na qual em um dia de jogo, mulheres cantam o hino tradicional do clube, porém a letra muda na metade e elas começam a pedir aos torcedores que a violência doméstica acabe. Oportuno, não?!

E claro, o Brasil, celeiro de criatividade, ganhou o bronze com a campanha 'Every Breath You Take', para a Master de Curitiba, também outra peça na qual o áudio trata de abuso, mas de uma forma inteligente, casting perfeito e interpretação sensacional. Nota 10!

Vale citar também o filme criado pela Coca-Cola. Não, ele não faz parte de Cannes 2018, mas de um outro grande espetáculo, a Copa do Mundo 2018. O filme tem a direção do goleiro da Islândia, Hannes Thór Halldórsson, no qual o "hino de guerra" da torcida é o grande personagem, os sons, os foleys são perfeitos. Emocionante!

É, o mundo atual não tem limites, a tecnologia acompanha a criatividade, plataformas como Soundcloud, Spotify, Vimeo, Youtube, Instagran, Facebook  e tantas outras facilitam a divulgação de um produto ou de uma ideia e nós, profissionais do áudio, estamos aí para colocar o bloco na rua, seja para vender um produto ou rever dogmas. Sim, o áudio tem esse poder. Vambóra?

Katia Marques é diretora de Atendimento na Balacobaco Produtora de Áudio.

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