Elogio a Tristeza

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Quero raspar as tintas com que me pintaram,

desencaixotar emoções, recuperar sentidos."

(Rubem Alves)

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Em uma das últimas entrevistas, o poeta Rubem Alves declarou que lia a Bíblia como um garimpeiro em busca de tesouros escondidos. E alertava que, para encontrar ouro, é preciso jogar fora o cascalho, com paciência e muita diligência:

"Penso que foi arte de Deus.

Que misturou cascalho e pepitas de ouro,

para separar maus leitores dos bons leitores.

Os maus leitores não sabem ler, não conseguem

separar o ouro do cascalho."

O poeta continua e diz que só o bom garimpeiro encontrará pepitas de ouro na poesia, no romance ou em textos antigos e obscuros, como as Sagradas Escrituras. E cita o Eclesiastes, que encerra pensamentos que sensibilizaram filósofos e inspiraram escritores. Como uma frase que comoveu Umberto Eco (e que talvez o tenha inspirado em O Nome da Rosa):

"Melhor é a tristeza do que o riso,

porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração."

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Não por acidente, uma figura chave da novela, o monge Jorge de Burgos, é uma homenagem de Eco ao argentino Jorge Luís Borges, que era um íntimo da tristeza:

"Cometi o pior dos pecados que um homem pode cometer.

Não fui feliz.

A sombra da tristeza está sempre ao meu lado."

Jorge de Burgos venera a tristeza e suas sombras. Como guardião da biblioteca da abadia, esconde textos que considera profanos, incluindo a Poética de Aristóteles, onde o riso e a comédia são exaltados como virtudes. Rubem Alves lembra que nos tempos medievais, teólogos, santos e pensadores viam na tristeza um caminho para a purificação. Para ele, os que não sabem separar o ouro do cascalho também não conseguem enxergar as belezas que os cercam:

"O ato de ver é uma oração.

O místico não se encontra no invisível.

O místico se encontra no visível. O visível é o

espelho onde Deus aparece refletido sob a forma de beleza.

Deus é um esteta.

Quem experimenta a beleza está em comunhão com o sagrado."

O texto de Rubem Alves encontra ressonância nas Confissões de Santo Agostinho, que dizia que dentro de nós existe a nostalgia pela beleza:

"Perguntei à terra, perguntei ao mar e às profundezas

entre os animais viventes, às coisas que rastejam,

Perguntei aos ventos que sopram,

aos céus, ao sol à lua, às estrelas,

e a todas as coisas que se encontram às portas de minha carne.

Minha pergunta era o olhar com que as olhava.

Sua resposta era a sua beleza."

Por fim, o poeta reflete que a alegria despertada pela beleza pode ser o reverso da tristeza, mas que é preciso desaprender para reaprender:

"As almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo.

As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram

e têm de aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria!"

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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