Em Brasília, 19 horas

por Flávio Dutra

Preciso confessar, só um pouquinho constrangido, que sou ouvinte assíduo da Voz do Brasil e telespectador atento dos programas políticos do horário eleitoral. A Voz do Brasil e sua solene abertura, num arranjo da ópera 'O Guarani', de Carlos Gomes, tem minha audiência quando estou circulando de carro no primeiro horário do programa, às 19h.

Até poderia mudar de estação porque o horário da Voz foi flexibilizado, ou ouvir os CDs que guardo no porta-luvas, mas é que desenvolvi a compulsão para checar e avaliar como se expressa a comunicação oficial. Especialmente no caso do Executivo federal, com seu viés de baixíssima aceitação popular no caso do Temer, aprecio o esforço dos profissionais da EBC, a empresa de comunicação do governo federal, em cavar notícias positivas e, assim, tentar mostrar que o poder público está atuante e trabalha em favor do povo. Os apresentadores e os repórteres do programa merecem também meu reconhecimento. A forma como participam, firmes e convincentes, quase me levam a acreditar que o programa é, na verdade, a voz de um novo Brasil que preciso conhecer mais de perto para desfrutar suas benesses.

De fato, o uso da Voz para propagandear o governo não é exclusividade do atual presidente, que apenas deu sequência ao que seus antecessores adotaram como norma. O programa foi criado em 1935 no governo de Getúlio Vargas exatamente para dar a versão oficial dos fatos e, justiça seja feita, vem cumprindo de forma exemplar sua missão.

Preciso registrar também minha consideração ao profissionais que editam os espaços da Câmara e do Senado na Voz do Brasil e conseguem lidar com aquela diversidade de representações partidárias e interesses, os mais difusos por assim dizer e, pelo que constato à distância, saem incólumes desse tensionamento diário.

Não estou fazendo juízo de valor sobre o programa, que deve ter lá seus méritos, se não pela qualidade e pelos critérios editorais, quem sabe pela tradição de tantos anos no ar, conectando especialmente com os rincões mais remotos do País. O professor e pesquisador Luiz Artur Ferraretto certamente tem condições de discorrer melhor sobre a questão. Chama a atenção, entretanto, que nossas principais emissoras jornalísticas mantiveram o programa na faixa das 19h, quando poderiam aproveitar o espaço para informações de serviço no horário de grande movimentação de veículos.

De volta ao tema da comunicação dos órgãos públicos, tentei, tempos atrás - sem a qualificação acadêmica do mestre Ferraretto - contribuir com a tribo dos assessores das instituições oficiais, produzindo um TCC no final do MBA em Jornalismo Empresarial, que intitulei pretensiosamente de 'Vida real em assessoria de imprensa de gestão pública:  pragmatismo em dez mandamentos'. 

Para resumir, diria que me agradam especialmente dois mandamentos. Um deles é o sexto, mas deveria ser o primeiro: "Tenhas consciência de que se o governo é bem avaliado, o mérito é do governante; caso contrário, a culpa é da comunicação".  Esse mandamento foi inspirado numa sentença que ouvi de Ibsen Pinheiro, a quem tive a honra de substituir na Comunicação do Palácio Piratini, no governo Rigotto. O outro é o quarto mandamento: "Estejas sempre alerta porque alguém, em algum lugar, está provocando problemas sobre os quais você terá que responder", dando conta de que serviço público tem costas largas e responde por suas mazelas e, muitas vezes, por outras que lhe dizem respeito apenas secundariamente ou nem isso. A cobrança, entretanto, vem igual e é preciso estar atento e forte.

Para que este textão não vire um novo TCC, encerro como concluí o trabalho acadêmico: caberia incluir o 11º mandamento, talvez o mais importante - "Na assessoria de serviço público, de tédio não  se morre".

Sobre a meu olhar atento aos programas eleitorais trato em outra segunda-feira. Voltaremos.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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