Elogios à reportagem

Eu não faltei à essa aula porque ela nunca houve. Infelizmente, nosso sistema de ensino é (ou era) deficiente e, como relatei em colunas …

Eu não faltei à essa aula porque ela nunca houve. Infelizmente, nosso sistema de ensino é (ou era) deficiente e, como relatei em colunas anteriores, muito se aprende na prática mesmo. Refiro-me a isso para dizer que quase sempre idolatrei os colunistas, em várias áreas, aqueles "seres" jornalísticos que sabiam escrever bem, tinham  domínio do idioma pátrio e do tema em evidência. Mas também "cresci" profissionalmente, com a falsa impressão que uma coluna tem que conter o teor crítico, denuncista ou será uma crônica. Engano. Uma boa coluna precisa ter um tema interessante e tanto pode ser crítica ou elogiosa.
Quando comecei a escrever para o Coletiva sobre jornalismo, tinha a impressão que deveria encontrar a cada semana um tema, um foco, uma questão que pudesse contribuir, mesmo que minimamente, para o crescimento, o aprimoramento do jornalismo pelas experiências que vivi. E então a maioria das colunas tratou de criticar, de alguma forma, as falhas do ensino, condições de trabalho, a deficiências na realização de atividades etc. Raramente um elogio, como fiz recentemente com uma reportagem sobre os gastos nas eleições.
Pois hoje estou novamente subvertendo o protocolo e elogiando reportagens. Nos últimos dois meses, li com interesse redobrado reportagens dos nossos principais jornais. Muitas prenderam minha atenção. E cito duas, daquelas que a gente fica pensando: "Eu gostaria de ter feito essa reportagem!". Uma é do brilhante Jones Lopes da Silva, de ZH, que parece como o vinho, vai branqueando o cabelo e ele melhora cada vez mais. Ele abordou um tema crucial para uma área de atividade que é tão glamourosa como o futebol. Tratou esportiva e socialmente o drama de quem fica longo tempo sem clube e se desespera. É reportagem para concorrer a prêmio.
Outra, coincidentemente, também de ZH, é de uma área estranhamente pouco valorizada em um estado que, economicamente, depende do agronegócio: agricultura. Marcelo Monteiro e Joana Colussi abordam um tema polêmico que é a dependência da cultura do fumo para determinada região do Estado, principalmente o Vale do Rio Pardo. Ouviram todas as partes envolvidas, relatando os prós, os contras, os riscos à saúde, a ação protetiva e as estratégias das multinacionais do setor - que chegam a antecipar pagamento de safra, mantendo o produtor refém do sistema. Mas também contam sobre famílias que buscam alternativas. Claro, não são rentáveis quanto o fumo, mas são bem mais saudáveis.
Realmente, são belas reportagens e que podem sim, ser usadas como exemplo em sala de aula. Como se vê assuntos existem, o que falta mesmo é pensar mais, pesquisar, trocar ideias e por mãos à obra.

Autor
Júlio Sortica é jornalista formado pela Ufrgs. Foi repórter do Diário de Notícias, Zero Hora, Folha da Tarde, Jornal do Comércio, Correio do Povo, Revista Consumidor, editor da Plástico Sul, diretor de O Sul e coordenador de Comunicação da Secretaria de Planejamento do Estado do RS. Fez várias coberturas internacionais, editou publicações segmentadas.

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