Saudade da minha mãe que completaria 80 anos

A minha mãe Mirthô Peçanha Martins completaria 80 anos no dia 17 de abril, na última sexta-feira. Dia em que aniversariam também duas grandes …

A minha mãe Mirthô Peçanha Martins completaria 80 anos no dia 17 de abril, na última sexta-feira. Dia em que aniversariam também duas grandes amigas: uma de longa data que trago sempre no coração que é a Dica, e a outra mais recente e que foi companheira de almoço nos quatro anos em que trabalhei no Governo do Estado, a Anamaria. Apesar de gostar muito da Dica e da Anamaria, não consigo mais comemorar e festejar os aniversários delas, porque a saudade da minha mãe, que nos deixou em julho de 2011, sempre me invade, me corrói e me deixa totalmente desanimada e sem vontade de socializar.
Não foi diferente neste 17 de abril de 2015. Passei o dia alternando as lembranças da minha mãe, recordando festas de aniversários passados e com a certeza de que, a qualquer momento, mamis iria me telefonar e perguntar por que eu estava atrasada para o chá ou o jantar que ela programara pela sua mudança de idade. A memória foi povoada pelas suas risadas sempre que eu contava alguma piada sem graça, pela cobrança quando eu brigava com a filha e sua neta Gabriela ou pela sua conversa ao relatar algum fato vivido lá na sociedade espírita que ela frequentava ou um encontro no corredor com a vizinha.
Ao tirar um cochilo à tarde no quarto (coisas que uma desempregada pode se dar ao luxo), a saudade doeu mais. É que tenho um painel de madeira que fica pendurado na parede ao lado da cama com mais de 100 fotos de situações com familiares: nascimento da Gabriela, batizado da sobrinha Camila, sobrinho Rafael comendo a primeira refeição, natal na casa da mamis, filha na praia, no carnaval, no teatro e outras mil atividades. Quase em todas, a minha mãe aparece na foto. Ou povoa o meu imaginário ao lembrar sua ação na preparação dos eventos, como uma vez em que ela bordou, às pressas, uma camisola simples da Gabriela para que minha filha participasse de uma apresentação de teatro no colégio.
Impressionante como a saudade não diminui e nem desaparece jamais. Ela apenas se atenua ao alternar momentos mais doídos e menos dolorosos. Porém, nunca seu ausenta. A danadinha está sempre ali, corroendo e ocupando espaço no coração e na mente. É uma receita culinária na televisão, é uma citação de uma mãe num filme qualquer, é uma senhora da mesma idade que ela passeando na rua com sua bengala, é aquele chá para curar indigestão que ela preparava, é a música que toca na rádio. Enfim, a saudade é dor pungente e permanente.
Depois de um período de saudade intensa que resultou em lágrimas e lágrimas, resolvi fazer diferente. E passei a imaginar minha mãe, nos seus 80 anos, vivendo situações atuais. Vi a minha mãe brincando muito com o neto mais novo, o Lucas, meu afilhado de quatro anos, com quem ela não conviveu mais do que cinco meses. E paparicando muito ele porque o Lucas é amoroso demais. Em seguida, mamis amassou de tanto apertar o seu bisneto, o João Pedro, com sua carinha de sapeca e com quem ela partilhou pouco também. E não se esqueceu de agradar a bisneta Lohana, irmã do João Pedro, filha da sobrinha Camila, que ela amava de paixão. Aliás, mamis amava todos os netos já crescidos: o Rafael. Camila e Gabriela.
Imaginei mamãe sentada no quintal da casa do mano em Butiá, no sábado de páscoa, esperando, com imensa felicidade, os filhos (minha irmã Sílvia, meu mano Nando e eu) voltarem com compras do supermercado. E no domingo vibrar ao ver o neto e os bisnetos encontrando as cestas de páscoa escondidas pelo coelhinho. Mais tarde, saborear aquela estupendo churrasco e ficar jogando conversa fora depois do almoço. Depois, quando a imaginação cessou e voltei à realidade, tive a certeza de que mãe Mirthô, Tonta ou Mirtinha, como alguns a chamavam, onde estiver, vive feliz ao ver a harmonia da família. Ah, a saudade, ela continua!

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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