Conselhos de boa convivência na fase do inferno astral

Cena 1. Na semana passada, fui preterida em uma vaga de emprego, talhada para alguém com o meu perfil, com currículo invejável e acúmulo …

Cena 1. Na semana passada, fui preterida em uma vaga de emprego, talhada para alguém com o meu perfil, com currículo invejável e acúmulo importante no partido em que milito desde 1999. Mas, como ainda utilizo técnicas antigas de encaminhamento de currículo e as atitudes de persuasão, que considero corretas e profissionais, não fui a escolhida. Cena 2. Ao tomar um banho comum, sem grandes infusões de ervas aromáticas, fiquei tonta, e levei um tombo que abriu toda a parte frontal do lábio e deixou a boca inchada. Cena 3. Uma senhora, bem vestida e com aparência de que deveria ser educada, me enche de desaforos porque eu estava guardando lugar na fila do supermercado para a minha filha e quando Gabriela chegou com o carrinho lotado, ela literalmente surtou.
De molho no final de semana, chorando a sacanagem da escolha de outra menos qualificada que eu, em todos os sentidos, fazendo compressas no lábio para diminuir o inchaço e lembrando a raiva da senhora no supermercado, pensei o que poderia estar me acontecendo. Ou o que eu fiz para merecer tanta maldade. Será que salguei a Santa Ceia? Ou joguei pedra, papel e tesoura na cruz? Ou brinquei de amarelinha no Santo Sepulcro? Piquei salsinha na tábua dos dez mandamentos? Ou fiz pátina na mesa da Santa Ceia? Não, eu sou uma pessoa do bem, incapaz de roubar até doce de criança, levar edição nova de revista do consultório escondida na bolsa, que aviso quando o troco está errado e respeito os mais velhos.
Foi quando recorri à agenda para olhar os compromissos da semana para conferir as tarefas marcadas, como consulta médica, reuniões do partido e do sindicato, e lá estava a resposta para tudo. Acreditem ou não. Já havia entrado no meu período de inferno astral. Dizem que o inferno astral é uma fase na qual nossas energias são derrubadas e ocorre 30 dias antes do aniversário. Pois o sol, durante o nosso ano astral (ano marcado do dia do nosso aniversário até um dia antes do mesmo no ano seguinte) começa a caminhar através da última casa do nosso mapa astral, que é um lugar difícil de definir por si só. Segundo o portal Terra, este lugar representa nosso inconsciente, as energias que não conseguimos definir e por ser uma energia confusa, acabamos atraindo situações, pessoas e acontecimentos que esbarram nesta mesma energia.
Pois então, é uma fase em que podemos ficar doentes (mais???), sofrer algumas perdas (já chega!) e situações confusões e indefinidas (ai, ai, ai?.) acabam por ficarem mais próximas. Informo a todos, inclusive a esta que vos escreve (para não estranhar mais tanta coisa ruim acontecendo ao mesmo tempo) que estou no meu período temido e terrível do inferno astral. Como sou uma autêntica geminiana (ascendente, sol e lua em gêmeos, querem mais?), do segundo decanato, faço aniversário no dia 9 de junho. Portanto, desde o dia 9 de maio, sofro todas as agruras desta fase ruim que só deve terminar, conforme a astrologia, no dia 8 de junho. No dia 9 de junho, além dos presentes que espero receber, é óbvio, para comemorar mais um ano de experiência, terei concluído este etapa de encrencas, decepções, quedas e tristezas.
O que posso aconselhar a quem convive comigo? Mantenha distância regulamentar. Não chegue muito perto (a menos que você tenha certeza de que levantei com o pé direito). Se você tiver algo para dizer, mas que possa não ser exatamente um elogio, espere até o dia 10 de junho para contá-lo (sim, porque no dia do aniversário, ninguém seria tão cruel a ponto de avacalhar a aniversariante). Descobriu uma ruga saliente perto dos olhos que não tinha reparado antes? Cale-se. E não me venha com sutilezas de dar de presente um creme daqueles poderosos para atenuar as marcas da idade. Não gosta do que costumo postar no facebook? Não faz mal. Assim como eu tenho o direito de escrever na minha timeline, você tem a obrigação de não invadi-la para ser contra e polemizar (use o seu face, ora).
Enfim, deixe para ser extremamente sincero quando o inferno astral terminar (um dia ele vai embora). Aproveite o período para ressaltar as minhas qualidades (e posso até dizer que elas são inúmeras). Faça convites bonitos e irrecusáveis, como um happy, um cinema, até mesmo um chá das cinco. E se você estiver na lista privilegiada das minhas relações mais íntimas, pode me dar de presente o livro do Julio Maria, ?Elis Regina - Nada será como antes", nas melhores casas do ramo por R$ 49,90, ou a edição especial de Coração a Batucar (CD + DVD), da diva Maria Rita, por apenas R$ 39,90. Também gosto de incensos, de porta-retratos, de enfeites de budas, de sabonetes cheirosos. Têm opções para todos os bolsos.
O bom é que descobri que existe um tal de paraíso astral, que deveria funcionar de maneira contrária. É o momento do ano em que nossas energias estão mais altas e os acontecimentos positivos estão mais próximos de nós. Acontece, explica a astrologia, no início do sexto mês após o nosso aniversário. Só que não pretendo esperar até 9 de novembro para esta onda de má sorte ir embora.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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