Uma torre longe demais

“Faça verdadeiros os sonhos da juventude.” (Friedrich Schiller) O Viajante estudou mais uma vez o mapa. Seria uma longa viagem de quase 300 quilômetros, …

sem título"Faça verdadeiros os

sonhos da juventude."

(Friedrich Schiller)
O Viajante estudou mais uma vez o mapa. Seria uma longa viagem de quase 300 quilômetros, por entre lagos, charcos e planícies, passando por cidades de estranhas denominações - Maynooth, Kilbeggan, Dunguaire. E, lá ao final do caminho, do outro lado do país, Galway. O tal lugar encantado que ele sempre sonhara visitar, desde quando lera os poemas de T.S Eliot. No entanto, agora já adulto, diante da estação de trens, ele hesitava - teria mesmo sentido viajar um dia inteiro para visitar uma torre vazia?

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Aqueles haviam sido seus primeiros livros, o presente de 15 anos do padrinho de batismo. Ele era um professor de história antiga, conhecido pelas estórias de cavaleiros medievais, que gostava de contar. Entregou o presente e disse - "os livros são portas para outros mundos". E o menino aprendeu a ler e conheceu o mundo da fantasia. O primeiro livro o enfeitiçou desde as primeiras páginas. Era O Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, que ele leu e releu muitas vezes, se transportando para terras distantes, onde encontrava heróis que seriam seus amigos para a vida inteira.
Depois, foi a vez de um dos favoritos do padrinho, A Canção de Rolando. Ele nunca havia lido uma estória em forma de poema, mas a descrição da Batalha de Roncesvalles e a morte de Rolando  o deixou quase sem respiração. Finalmente, abriu o pequeno livro de poesias, The Waste Land. Começou lendo a biografia do autor, T.S. Eliot, que era apaixonado por lendas medievais. O poeta, quando jovem, havia comprado uma antiga torre na Irlanda, onde sonhava ser enterrado. E, poucos dias antes de morrer, compôs um poema famoso, A Torre Negra.

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O livrinho contava que T.S.Eliot morrera na França, justamente às vésperas da II Guerra Mundial. O conflito impediu a realização de seu último desejo e ele acabou enterrado em um cemitério de uma pequena cidade francesa. Ele pedira um funeral discreto, recomendando aos amigos:

" Me enterrem aqui e quando os jornais esquecerem de

meu nome, me levem de volta para casa".
Não demorou muito para que isto acontecesse - em 1948, êle foi levado para a Irlanda e enterrado no condado de Sligo. Mas seu sonho de repousar, como os seus antigos heróis medievais, em uma torre junto ao mar, nunca foi cumprido.  Até hoje a torre de Galway está à espera do poeta.

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O Viajante entrou no café da estação e se acomodou à uma mesa, de onde podia avistar as plataformas dos trens. Um deles apitou alto, avisando a partida. Devia ser o trem que o teria levado até a torre do poeta. Abriu o pequeno livro na página marcada e leu:

" Digam aos homens da velha torre negra

Que se alimentem como pastores de cabras,

Pois seu dinheiro acabou, seu vinho azedou,

Não falta nada que um soldado precise,

Eles são homens de fé e juramento,

E seus estandartes nunca se abaixarão" .

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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