O melhor amigo do homem, da mulher e da criança

Por conta de umas questões paralelas, abandonei provisoriamente o jornalismo, e passei a investir num ramo onde nunca havia atuado. Depois de 32 anos …

Por conta de umas questões paralelas, abandonei provisoriamente o jornalismo, e passei a investir num ramo onde nunca havia atuado. Depois de 32 anos de vida útil no mercado da comunicação social, com interrupção não superior a três meses, optei por trilhar novos caminhos que me parecem, no momento, mais rentáveis. Ganhará, e isto só o tempo comprovará, o segmento onde estou me aventurando, que não irei ainda revelar por uma questão de estratégia. Perde, na minha modesta e suspeita opinião, o jornalismo de qualidade, alguns projetos políticos e muitas assessorias de comunicação. Mas é da vida. Arriscar-se. Aventurar-se. Mergulhar de cabeça em novos desafios, mesmo quando as contas já apontam para a trilha da aposentadoria.
Mas, nesta semana que já acumulo de mudança de rumo, descobri quem mais saiu perdendo neste destino diverso da minha vida. O meu neto canino, o shih tzu Dalai, o cachorro mais amado e mimado deste Rio Grande do Sul, está visivelmente desolado e arrasta-se cabisbaixo e resmungão pela casa. Aqui segue a principal e única explicação para este sentimento de solidão manifestado pelo Dalai. Desde o mês de janeiro, quando fiquei desempregada, todo o tempo de sobra do meu dia e das minhas noites, era dedicado ao canino, que se refestelava no chão e no sofá, servindo de meu encosto, agradecendo tanta devoção. Situação que se inverteu e deixa o cachorro na mais completa solidão durante o dia e brigando com meu sono no início da noite para ganhar atenção.
Agora, pela imposição de horários bem menos flexíveis, saio de casa antes das 8h30min e retorno só depois das 19h30min. Com uma carga horária puxada, a minha resistência também diminuiu. Logo, adeus às longas noitadas colocando a leitura em ordem, escrevendo poemas ou escutando música. Mais tardar lá pelas 23 h eu já estou caída de sonolência no sofá da sala. Fim das cochiladas depois do almoço, quando o cão, muito abusado, empurrava a minha cabeça para privar também do encosto do sofá. Nem mais pensar brincadeiras de atirar seus ossos e demais pertences pela casa para que ele se exercitasse correndo atrás de seus mimos. Fora de cogitação amassos e afagos no cão antes de sair de casa ou antes de dormir.
Quem diz que cachorro não tem sentimentos, está redondamente enganado. Dalai alterou seu humor em uma semana. Anda triste. Com o olhar baixo. Sem disposição. Apático. Acomoda-se sempre perto de mim em qualquer canto onde eu possa estar. Neste exato momento, em que escrevo a coluna (19h35min de terça-feira), o shih tzu repousou seu fuço nos meus pés, debaixo da mesa do computador, e volta e meia, dá uns suspiros. Mas não muda de posição. Aliás, nos últimos dias, ele está muito mais resmungão do que o seu habitual. Nunca ele gemeu, rosnou, latiu e reclamou tanto como tem feito. Nem mesmo o namorado de minha filha Gabriela, por quem o Dalai é apaixonado, consegue fazer com que o cão saia perto de mim por muito tempo.
O resultado de tanta carência me obrigou, no primeiro final de semana após o novo emprego, a dedicar horas e horas do meu tempo vago ao neto querido. Mas o sábado e o domingo também terão que ser usados para organizar a casa, lavar a roupa, ir ao supermercado e ao cinema, ver a família, conversar com a filha, colocar em dia os compromissos reprimidos. E Dalai, no meio de tantas tarefas, exige o seu espaço de volta na minha vida. Com seu fuço frio, seu olhar na porta que me faz quase chorar, Dalai, parece um barco sem porto, sem rumo, sem vela, cavalo sem sela, um bicho solto, um cão sem dono.
Em outras colunas, já utilizei a citação de John Grogan do livro "Marley & Eu", que depois virou filme. Mas terei que me apropriar dela novamente em consideração ao melhor amigo do homem, da mulher e da criança. "Um cão não precisa de carros modernos, palacetes ou roupas de grife. Símbolos de status não significam nada para ele. Um pedaço de madeira encontrado na praia serve. Um cão não julga os outros por sua cor, credo ou classe, mas por quem são por dentro. Um cão não se importa se você é rico ou pobre, educado ou analfabeto, inteligente ou burro. Se você lhe der seu coração, ele lhe dará o dele. É realmente muito simples, mas mesmo assim, nós humanos, tão mais sábios e sofisticados, sempre tivemos problemas para descobrir o que realmente importa ou não".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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