Os Outros

Dizem que tudo começou com o artigo "Opiniões Controversas" que, em 48 horas, rodou o mundo pelas redes sociais. Depois, um gênio digital o …

Dizem que tudo começou com o artigo "Opiniões Controversas" que, em 48 horas, rodou o mundo pelas redes sociais. Depois, um gênio digital o transformou em um game de sucesso instantâneo. E continua frequentando círculos acadêmicos e debates acalorados entre opositores e defensores do "politicamente certo". Para tentar entender esta nova confusão, é bom voltar ao conceito original, que apregoava: "O Outro Lado não é Idiota".

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Aparentemente, o que as tribos cibernéticas procuram compreender é um simples axioma - nem todos pensam como você. Os rótulos da moda para isso são "contraditório" e "diversidade". Para rever estes conceitos, discutem temas da comunicação de massa, para entender (ou combater?) quem seriam "os outros", aqueles seres desconhecidos que pensam diferentemente de você.
As provocações podem ser tão elementares como:
"Acho os filmes de James Bond um tédio."
Ou:
"Penso que Donald Trump será um excelente presidente."
Com respostas não menos reveladoras:
"Meu Deus! Não sabia que você era uma daquelas pessoas!"
Fredrik deBoer é um escritor que analisa comportamentos nas redes sociais, embora admita que não é fácil decifrá-los, afirmando que o internauta compulsivo não vê diferenças entre as atividades profissional, social e política alheias. O raciocínio é linear:
"O artista X fez um tweet sobre um show de TV, mostrando que ele concorda comigo sobre o péssimo nível dos programas daquele canal."
E ainda, se você postar um clip da Rihanna, que inclua uma mensagem política, na percepção difusa da Internet, aquele que não aplaude o clip revela que não está de seu lado, portanto, ele é um dos "outros".
Os psicólogos chamam a este comportamento de "viés do falso-consenso", comum nos grupos de discussão de audiência de mídia:
"Todo mundo que conheço assiste novelas."
Ou então:
"Quem são estas pessoas viciadas no BBB?".
A opinião subconsciente que emerge é que pessoas "do outro lado" são cegas ou "não são inteligentes como nós". A revista "The Economist" pesquisou as preferências sociais e políticas de seus leitores. Verificou uma clara tendência à radicalização - quando um grupo social é identificado como do "outro lado", a reação é rotulá-los de "sem noção" ou "idiotas" (em inglês "out of touch" e "dumb"). Mas se eles crescem ou ficam agressivos, ganham rótulos de racistas, reacionários, neo-nazistas, homofóbicos e, mais recentemente, islamofóbicos.

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É algo que vai além da rotina da simplificação, aquela que divide o universo entre esquerda e direita, entre deuses e demônios. É a total rejeição da possibilidade de que "o outro lado" possa estar certo. Em alguns casos, a desinformação sobre o mundo real se torna tão incômoda para "o nosso lado", que o influente jornal Washington Post suspendeu a publicação de temas polêmicos no Twitter e Facebook, porque muitos leitores não aceitavam as opiniões radicalmente contraditórias.
Para o autor deBoer, a solução depende de como vamos responder à pergunta:
"Você está disposto a sacrificar algumas de suas convicções mais arraigadas e conviver com aqueles que não são iguais a você?".
Em outros termos, será preciso reconhecer que "o outro lado" é povoado por pessoas iguais a você. O conceito "O Outro lado não é Idiota" propõe aceitar que, apesar de nossas certezas, nem sempre a lógica está conosco. E que pessoas que moram em cidades distantes, assistem shows de TV que você não gosta, leem outros livros e guardam armas de fogo em casa, podem ter razões iguais às suas. A radicalização de opiniões, segundo os estudiosos, pode estar transformando nossa sociedade em um jogo de "nós" contra "os outros". Até pode-se ouvir o vago som de tambores medievais.
E não é um jogo inofensivo. Neste game ideológico, nós somos uma nobre raça que habita uma terra abençoada, onde reina um líder superior, protegido por paladinos heroicos. E, enquanto isso, do outro lado do rio, uma horda de bárbaros, liderados por um déspota malvado, ameaça enviar seus brutais invasores contra nossa grande nação.

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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