A data é de reflexão e não de comemoração

Nesta quinta-feira, 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher, e as histórias sobre esta data contam que ela surgiu em 25 de março de 1911, quando 130 operárias morreram carbonizadas em um incêndio numa fábrica de Nova Iorque. Mas, desde o final do século 19, organizações femininas de operárias protestavam na Europa e nos Estados Unidos pela excessiva jornada de trabalho e salários baixos. Em maio de 1908 foi celebrado o primeiro Dia Nacional da Mulher nos Estados Unidos, quando 1.500 mulheres aderiram a uma manifestação em favor da igualdade econômica e política no país. Em 1910, na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas na Dinamarca, foi aprovada a criação de uma data anual para marcar a luta pelos direitos das mulheres por mais de 100 representantes de 17 países.

Divergências à parte sobre a data exata da instituição do Dia Internacional da Mulher, é triste constatar que, em pleno século 21, apesar dos inegáveis avanços do movimento feminista em todo o mundo, ainda temos pouco a comemorar. Por favor, não me compreendam mal. Desde a primeira mulher que entendeu a necessidade de lutar pela igualdade de direitos, lá no final do século 19, ocorreram muitos avanços. Lutas importantes foram travadas e ganhas. Batalhas decisivas para a redução do preconceito e da discriminação foram vencidas. Importantes tabus foram quebrados e posições retrógradas foram revistas. Não se trata, portanto, de negar tudo o que já foi conquistado, e sim, de atestar que existe ainda um longo e árduo caminho para barreiras a serem transpostas.

Como mulher independente e dona do meu nariz, mãe que educou praticamente uma filha sozinha, que mesmo quando tinha um companheiro não obtinha 70% de êxito na divisão de tarefas domésticas, vejo que ainda precisamos ir atrás de melhores condições. Estamos longe do que entendemos enquanto igualdade de direitos. Como militante dos movimentos sociais e feministas, atualmente na diretoria-executiva do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim/POA), participando do coletivo de mulheres da CUT, e integrante de movimentos sindicais, na diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), e no Núcleo de Gênero e Diversidade da entidade, percebo que ainda necessitamos empreender uma luta intensa para o fim do preconceito, do machismo e da misoginia.

Não podemos comemorar quando mulheres ainda são violentamente agredidas e mortas pelos seus parceiros que, em muitos casos, colocam a culpa pelo crime na companheira que não teria se comportado, que teria sido infiel, que teria pedido o fim do relacionamento. E a vítima troca de papel e torna-se a culpada. Não podemos comemorar quando mulheres ainda temem denunciar o seu agressor e afirmam que os machucados e roxos pelo corpo são em decorrência de uma porta fora do lugar, de uma panela que escorregou ou de um degrau na escada que estava solto. E o medo inibe a denúncia. Não podemos comemorar quando mulheres ainda são estupradas e algumas pessoas ficam comentando a roupa que usava, a hora em que ocorreu o fato, o local onde ela andava. E o crime fica desvirtuado.

Não podemos comemorar quando os filhos continuam, em sua maioria, sendo responsabilidade das mães, para o bem e para o mal. Não podemos comemorar quando a taxa de desemprego feminina é historicamente superior à masculina. Não podemos comemorar quando entre a população com idade de trabalhar, as mulheres, embora maioria, com 52,5% do total, continuem a receber salários inferiores ao ocuparem cargos iguais. Não podemos comemorar quando as mulheres gastam 20,9 horas, em média, por semana em afazeres domésticos, e os homens não mais do que 11,1 horas. E nem vejo o que comemorar quando estudos indicam que o valor da aposentadoria recebido pelas mulheres é, em média, 32% inferior aos proventos dos homens.

Não vejo motivo para comemorar quando sei que o Brasil é o País com a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Quando leio que entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram em solo brasileiro por sua condição de ser mulher. Não vejo motivo para comemorar ao saber que a cada 11 minutos um estupro é registrado no Brasil e que somente 15,7% dos acusados por estes crimes foram presos. E que cada dia, pelo menos 18 meninas são estupradas no Brasil. Quando sei que os casos de assédio sexual aumentam gradativamente no transporte coletivo das grandes cidades. Não vejo motivo para comemorar quando sou informada que a cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência física e que o assassinato de mulheres negras aumentou 54% enquanto o de brancas diminuiu 9,8%, conforme o Mapa da Violência da ONU.

Sei não. Um dia, talvez, existam motivos para comemorar. Hoje, em março de 2018, é preciso renovar a força, a coragem e a determinação porque ainda temos muitas batalhas e lutas a serem enfrentadas e vencidas.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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