A melancolia de um lar sem a alegria e o carinho de um cachorro

Ainda é tudo muito recente. A dor é todo dia mais forte e pungente. Existe uma cicatriz que não se fechou, apesar de ser medicada nas horas certas, e sangra a todo momento. O coração parece que dispara e pulsa descompassadamente, como se, às vezes, fosse possível abandonar o peito e caminhar e governar-se sozinho. Nesta quarta-feira, 15 de novembro, completa-se uma semana da morte do Dalai, meu neto canino que era meu companheiro, meu amigo, meu fiel confidente, meu travesseiro fofo de pelúcia para ver filmes na Netflix. Nesta quarta-feira, completa-se uma semana que o shih tzu mais carinhoso, mais afetuoso, mais descansado e o mais amado de todos os cachorros que já tive, nos deixou (eu e minha filha Gabriela).

Dalai, há uma semana, está latindo quando alguém faz barulho inusitado em outro plano, fazendo as suas travessuras tímidas no andar de cima, correndo atrás dos ossos de brinquedos, procurando suas tigelas de comida e água de cor azul em outras dimensões. Dalai, há uma semana, deixou uma ausência tão presente no nosso pequeno apartamento que ficou quase impossível não senti-lo em todos os cantos onde ele gostava de acomodar-se. Dalai, há uma semana, é uma saudade insuportável e por mais que se tente tirá-lo da lembrança por alguns minutos, a fim de atenuar o tamanho da nossa dor, ele está em todas as nossas memórias.

Tem sua essência no encosto do sofá da sala, onde ele adorava esticar suas patas, as de trás de um jeito especial só dele. Tem seu cheiro no puff azul situado no canto da sala, onde ele costumava passar horas e horas deitado aguardando a chegada de suas donas. Tem pelos da sua linda pelagem cinzenta e branca nas roupas que ainda não foram lavadas. Tem seus brinquedos (ossos, hamburgueres, galinhas) guardados numa sacola. Tem seus frascos de perfumes, pentes e escovas no balde no armário do quarto de empregada transformado em despensa. Ainda tem duas peças de roupas para o inverno, que ele jamais deixava colocar porque odiava se sentir preso. Tem suas toalhinhas, seus potes de comida e água vazios.

E, porque ainda não tivemos a coragem de doar, também tem na mesma despensa uma cama azul com desenhos pequenos de cachorros que comprei no final de setembro, quando ele já um pouco debilitado pela enfermidade diagnosticada no dia 9 daquele mês, não conseguia mais, com tanta facilidade subir e descer no puff azul, que sempre foi o seu habitat preferido. Pois foi nesta caminha, paga em duas suaves prestações, que Dalai, o cão shih tzu mais abençoado, mais querido, mais mimado, mais paparicado e que eu mais amei em toda a minha vida, passou os últimos dias e noites de sua vida, antes de ser internado às pressas para tentar reverter os males que lhe abatiam e lhe deixavam cada dia mais fraco. Talvez, por isso, seja mais dolorido e postergado o desapego da cama azul com os desenhos de cachorrinhos.

Nesta terça-feira, a dor foi mais profunda porque foi o dia da ajudante/auxiliar de limpeza, que vem ao apartamento de 15 em 15 dias e era recebida pelo Dalai com as honras de majestade. E, durante a faxina na sala, onde localizava-se o tal puff do qual o Dalai adonou-se, a ajudante arrastava o mesmo para o corredor, posicionando-o bem na frente da porta do meu quarto, onde o cão permanecia o tempo necessário para a limpeza da sala. Eu costumava brincar com ele e dizer que estava no castigo, no cantinho do pensamento e tirava fotos para postar no facebook (porque Dalai era das redes sociais). Mas ele nunca demonstrou contrariedade porque neste tempo eu colocava a agenda em dia, arrumava roupas ou manuseava o computador sentada na cama, enquanto ele, com a sua meiguice, ficava me olhando com aquele olhar mais terno e seu fuço mais encantador. Por isso, hoje, a saudade foi cruel.

Por tanta saudade que ainda me assola, por tantas lágrimas que ainda insistem em cair, por tantos momentos vividos ao lado do Dalai que ainda me invadem as lembranças, peço perdão queridos leitores e queridas leitoras. Prometo que tentarei nas próximas colunas, falar de temas menos pesados, menos doloridos, menos tristes, menos melancólicos, mais amenos. Juro que irei me esforçar.

E, quem sabe, no futuro, escreverei um livro sobre as travessuras do Dalai, sobre a minha paixão descontrolada pelo canino, pelo amor infinito que cultivei pelo shih tzu que esteve na minha vida nos últimos 10 anos.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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