Cuidado com a mão boba no Carnaval e em qualquer situação

O Carnaval, a festa mais popular no Brasil, está quase chegando. No dia 10 de fevereiro, começam, oficialmente, as festas de Momo. Dizem por aí, que nos quatro dias de folia está tudo liberado na avenida, no Carnaval de rua, nos blocos, nos salões e onde mais o povo se reunir para cair na gandaia, abrir as asas e soltar as feras. E eu, sempre muito preocupada com os excessos e os assédios, dos tipos moral e sexual, reforço: tudo é liberado e permitido quando tiver o aval e aprovação de todos e todas as envolvidas. Se um não quer, não está liberado. Se uma não permitir, não deve ser feito. Ao simples sinal de descontentamento e ante a pronúncia da palavra 'não', nada está permitido e qualquer carícia deve ser interrompida.

Em Porto Alegre, no Rio de Janeiro ou na Bahia: 'não' vai ser sempre 'não'. A palavra 'não' quer dizer exatamente 'não'. Sem nenhuma outra interpretação. Sem nenhuma outra conotação. Em qualquer ocasião, seja Carnaval, outra festa qualquer e todo o lugar, ninguém deve aceitar beijo forçado, mão boba e agressões. Porque os casos de violência contra a mulher tradicionalmente aumentam nos quatro dias de folia. Afinal, vivemos em um País que tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo e onde uma mulher é vítima de estupro a cada 11 minutos.

Logo, de sábado a terça-feira, quem gosta de pular, sambar, sacolejar o esqueleto, fantasiar-se e esbanjar brilho e purpurina, não deve deixar de aproveitar. Mas muito cuidado: apesar de ser Carnaval, nenhuma mulher é obrigada a aceitar cantada, assobio, palavras de baixo nível, um corpo suado roçando disfarçadamente no seu com a desculpa de que o lugar está cheio e mão boba, então, nem pensar. Aliás, uma marchinha de Carnaval, lá pelos idos de 1956, já entoava que até o Napoleão Bonaparte (sim, o famoso líder político e militar durante os últimos estágios da Revolução Farroupilha), tinha mão boba.

Posso estar um tanto atrasada nos debates sobre assédio e abuso sexual, que dominaram a festa do Globo de Ouro 2018, em 7 de janeiro, em Los Angeles (Estados Unidos), provocaram a publicação de um artigo despropositado da atriz francesa Catherine Deneuve no jornal Le Monde e um depoimento sem noção da escritora brasileira Danusa Leão para o jornal O Globo. Mas jamais é tarde para lembrar que nós, mulheres, não somos obrigadas a nada. Nunca é demais reforçar que quando uma mulher diz não, ela está dizendo que não quer, que não deseja, que qualquer movimento deve ser interrompido. Seja dia útil, dia ímpar, dia santo, feriado ou Carnaval.

Se em pleno início de 2018, as mulheres no Globo de Ouro protestam e vestem preto para marcar a indignação contra o assédio sexual sofrido pelas atrizes em Hollywood e denunciam estupros cometidos pelo produtor Harvey Weinsten, por que eu não devo me preocupar com os abusos praticados contra o sexo feminino no Carnaval? Se uma atriz do porte de Catherine Deneuve diz que os homens deveriam ser livres para flertar com as mulheres e defende a liberdade dos mesmos importunar por ser isto indispensável à liberdade sexual, por que eu não posso alertar para as mulheres se cuidarem no Carnaval? E se a Danusa Leão considera ótimo passar em frente a uma obra e receber um elogio, eu necessito, em todos os espaços que me forem permitidos, lembrar que mulher nenhuma deve aceitar a cantada nojenta, gracejos e a tal mão boba.

Devo ressaltar que, na minha opinião, Catherine Deneuve perdeu uma excelente oportunidade de encerrar sua carreira cinematográfica com o brilho que sempre teve nas suas atuações. Era o momento de calar-se. Jamais dizer que os homens têm sido punidos sumariamente, forçados a sair de seus empregos, quando tudo o que eles fizeram foi tocar o joelho de alguém ou tentar roubar um beijo. E nós, Catherine? Mulheres que sofrem discriminações, abusos, preconceito, salários menores ao exercer as mesmas funções, acumulam tripla jornada de trabalho, somos obrigadas a aceitar essas atitudes machistas? Evidente que não. É mais do que urgente, é imperioso que as mulheres sejam ouvidas, respeitadas e com os seus direitos atendidos.

Quanto à outra, a brasileira Danusa, eu, sinceramente, prefiro nem comentar. Até porque ela diz que toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz. Com certeza, Danusa não sofreu nenhum tipo de assédio. Do contrário, saberia a dor e a cicatriz que brotam desta atitude que ocorre sem o consentimento de uma das partes.

Portanto, coleguinhas: levem a mal sim, ninguém deve beijá-las porque é Carnaval. Sejam como a filha da Chiquita Bacana e não caiam em armadilhas. Pode nos faltar tudo na vida, mas nunca a danada da decência. E mulher casada que fica sozinha, não é andorinha.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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