Dona Lucrécia e o sexo

Por Marino Boeira

Dona Lucrécia, 51 anos, conhecida por todos como Lu, de profissão professora, era casada com o Dr. Fernandes, 55 anos, advogado, chamado por ela, carinhosamente, de Fê. O casal tinha dois filhos, o Epaminondas, 17 anos, chamado por alguns de Epa e de Nondas, por outros, e Esperança, 15 anos, também conhecida como Bonequinha.

Era para todos os efeitos uma senhora careta, que votava com o marido nos candidatos do partido, antes a UDN e agora o PSDB e já considerava, quando conhecia a possibilidade de votar no Bolsonaro.

Devo dizer que sou padre, meu nome é Ildefonso e, antes de me tornar religioso, era conhecido como Gavião. Na minha paróquia na Zona Sul, sou visto como uma pessoa aberta aos novos hábitos, enfim, um padre moderno.

Dona Lu me contou sua história fora do confessionário, o que permite recontá-la aqui no Facebook, até como uma maneira de ajudar outras pessoas que tenham o mesmo problema que Dona Lu.

Devia ter dito no início, mas faço agora, que todos os nomes citados nessa narrativa, não são os verdadeiros nomes dos personagens, começando por Dona Lucrécia, conhecida como Lu.

Ela me procurou para saber se o que estava fazendo atualmente com grande frequência poderia ser caracterizado como uma traição ao seu marido, o Fê.

Mas vamos à história da maneira como ela me contou.

Ela foi criada numa família cristã, frequentou o Emaus quando adolescente e casou com o Dr. Fernandes (que não era ainda Doutor e nem era chamado de Fê) aos 18 anos, de véu e grinalda na igreja Santa Terezinha, porque era ainda virgem.

Durante seus 30 anos de casamento, só manteve relações sexuais com seu marido. Contou que, inicialmente, essas relações eram frequentes, mas que com o passar dos anos foram se tornando cada vez mais espaçadas, a tal ponto que quando me procurou para contar sua história, elas tinham intervalo de meses.

Dona Lu disse que isso não a preocupava porque realmente nunca teve grande interesse no sexo e essa abstinência atual era até bem-vinda.

No início deste ano, como acontecia todas as quintas-feiras, ela compareceu ao chá de suas colegas professoras da escola, na casa da professora Gertrudes, conhecida como Gê, e conheceu uma nova professora, a Claudete, que todas chamavam de Clau.

Ela me disse que não simpatizou de cara com a Clau, talvez até porque fosse bem mais nova que as demais colegas, mas, principalmente, pela sua postura bem diferente do comum. Ela ria muito, fumava e usava palavrões em suas conversas.

No dia 15 de maio passado, a reunião semanal seria na casa da Clau e a Dona Lu pensou em alegar algum mal estar e não ir. Foi o Fê quem a convenceu a comparecer.

Como ela me disse, essa reunião marcaria o início da sua perdição, porque o diabo estava presente na festa e ele tinha nome de mulher, Clau.

Para o espanto de Dona Lu, mas não de suas demais colegas, que pareciam já acostumadas com o jeito da Clau, o chá servido essa vez não foi o chá da Índia, nem de camomila, mas de coca, que a Clau alegou ter trazido da Bolívia e o bolo, em vez do chocolate tradicional, foi apresentado pela anfitriã, como um bolo afrodisíaco.

O pior - ou o melhor, como disse Dona Lu - veio depois quando a Clau mostrou para suas convidadas sua coleção de filmes pornográficos.

Dona Lu disse que nunca tinha visto esse tipo de filme e ficou profundamente afetada com as cenas de felação. Embora não se considerasse uma pessoa desinformada sobre o comportamento sexual dos seres humanos, ver aquelas mulheres tão ávidas pelos falos dos homens, a deixou, primeiro, encabulada, e, mais tarde, (custou a se convencer disso) excitada.

Pensou em falar sobre isso para com o Fê, mas ficou com receio de que fosse mal compreendida e tentou esquecer o assunto.

Mas, na semana seguinte, na reunião na casa da professora Inalda, chamada de Iná, tão careta aparentemente como ela, depois do chá, houve outra sessão de filmes pornográficos, com novas cenas de felação.

Quando ficou sozinha com a professora Iná, que era sua amiga desde a juventude, perguntou sobre aquela estranha relação sexual.

Ouviu então de sua amiga que era algo muito comum e que praticamente todas as suas colegas professoras praticavam o ato com seus maridos e mesmo com amantes.

Foi então que ela tentou conversar sobre o assunto com o Fê, mas quando falou que esse comportamento sexual estava se tornando comum ficou surpreendida com a reação dele.

Nunca imaginou que ele fosse um homem tão conservador nesse tema e tão crítico de quem saísse do padrão tradicional.

- São uns nojentos. Isso é coisa de prostituta e de homens que não respeitam as mulheres.

Dona Lu ficou quieta, mas não esqueceu o assunto.

Vencendo sua vergonha, tomou coragem e falou sobre o assunto com Clau.

Esta lhe contou sobre as delícias do ato e disse que seu nome comum, pelo qual todas elas se referiam a ele, era boquete.

Encurtando a história, Dona Lu experimentou esse novo hábito sexual com um amigo que a Clau lhe apresentou, o Dr. Roberto, chamado de Pintão, mas não parou mais por aí.

Hoje, ela diz que tem uma relação muito grande de homens a quem já ofereceu sua prática em boquetes, incluindo médicos, advogados e até jogadores de futebol, mas, ultimamente, tem sido assaltada por uma dúvida: isso poderia ser considerado uma traição ao Fê?

Nesse ponto, preciso confessar que, em vez de aconselhar Dona Lu a parar com essa prática, sugeri que ela continuasse diversificando seus parceiros.

- Quem sabe um padre, Dona Lu?

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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