Faça por merecer um ano novo

Final dos 365 dias de mais um ano que se encerrou em 31 de dezembro com desejos de paz, prosperidade, amor, harmonia e compreensão. Mudam os números de 2017 para 2018. Troca-se a folha no calendário de mesa. Risca-se com a caneta marca texto os dias que já se passaram do novo ano. Renova-se a agenda eletrônica e de papel. Compromissos inadiáveis e urgentes são marcados e grifados com cores marcantes. Post-its de diferentes cores são colados nas datas mais importantes. E apesar de toda esta preparação, na primeira semana do janeiro que se apresenta tímido, as boas intenções da virada do ano são sabotadas, os dias circulados no calendário/agenda não são observados e os votos lindos e humanos proferidos na passagem do 31 de dezembro para o 1ª de janeiro começam a ser esquecidos dentro das casas de quem os desejou.

De nada adianta priorizar as tarefas mais importantes na agenda, marcar, assinalar com cor de caneta diferente ou com post-it, e não incluir tais demandas prioritárias na rotina da nossa vida. Senão, é apenas mais uma perda de tempo ou o preenchimento de uma agenda decorativa que jamais será consultada ao longo do ano. Assim, fatalmente, 2018 será exatamente igual a tantos outros cheios de folhas rabiscadas e nunca consultadas. E a vida permanecerá idêntica com seus acertos previsíveis e seus erros repetidos. De nada serve felicitar as pessoas e dizer que deseja um ano novo melhor e na primeira adversidade que a vida apronta, praguejar e ter inveja de todos que lhe rodeiam. Senão, é mais um exercício e falsidade e mesquinharia, disfarçado de sentimentos bons que não sobrevivem aos dias pós confraternização.

E os votos de paz, prosperidade, amor, harmonia e compreensão que são espalhados na ceia de Ano Novo como se fossem os sentimentos mais fáceis e imediatos de serem alcançados e atingidos? Adiantam? Se no primeiro desentendimento bobo e sem motivo com algum familiar, a voz se altera, o tom se eleva a as ofensas que jamais deveriam ser ditas, soam fortes como um punhal? Se no decorrer de uma encrenca despretensiosa com uma amiga, a paciência se esvai, some e num decorrer de segundos, todos os momentos importantes da tal amizade são esquecidos sem harmonia e compreensão? Se ao chegar o documento da conta a ser paga até o dia 10 do primeiro mês de 2018, tem-se a impressão de que a prosperidade foi embora com os centavos necessários para quitar tal dívida?

Não. Definitivamente, o novo ano não começa no dia 1º de janeiro de cada ano que se inicia. Ele começa no exato instante em que a pessoa se dá conta de que é merecedora de um ano novo com as cores do arco-íris ou da cor da paz, sem nada igual com tudo o que viveu até agora. E que o ano novo só será diferente se a mudança ocorrer internamente. Senão, será só um ano borrado de novo, rascunhado de novo, remendado e que pode ruir e desmoronar ao primeiro sinal de contrariedade.

Como ensinou Carlos Drummond de Andrade, em "Receita de Ano Novo", não precisa lista de boas intenções, nem choro arrependido pelas besteiras consumadas, nem acreditar que tudo irá mudar a partir de janeiro por um decreto de esperança. O poeta escreveu que para ganhar um ano novo, que mereça este nome, todos têm de merecê-lo, fazê-lo novo. Porque é dentro de cada um que o ano novo cochila e espera desde sempre.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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