Festival da mesmice

Por Flávio Dutra

Recordo que admiti em coluna anterior que sou um telespectador assíduo do horário eleitoral, de preferência o noturno. Maledicentes dirão que, na verdade, só acompanho porque estou esperando o capítulo da novela. Nada disso. Meu interesse é focado em avaliar como os candidatos estão respondendo aos temas que marcam a atual campanha.

Já transitei por todos os lados dos balcões em campanhas eleitorais e me interesso, particularmente, pelas formas e conteúdos desses períodos. A conclusão a que cheguei, em relação ao processo deste ano, nas aparições dos candidatos proporcionais, não me surpreendeu: trata-se de um festival de mesmices. Para não ferir a severidade da legislação, não vou nominá-los.  Começo, porém, com a observação sobre um candidato a cargo majoritário. O sujeito, digno representante de um partido nanico de extrema, propõe no seu espaço a extinção do Senado, para o qual se candidata. É bem verdade que, pelos dados das pesquisas eleitorais, ele não tem a mínima chance de chegar lá.

Por mais estranha e contraditória que pareça a proposta, nem isso é novidade.  Um dos nossos atuais senadores defendia com veemência no passado o fim do sistema bicameral, até se eleger e reeleger para a Câmara Alta, uma comprovação de que a coerência não é, e não tem sido, a marca dos candidatos em campanha.

Mas é nos espaços dos postulantes à Assembleia e à Câmara que ocorrem as mais criativas manifestações. Só que não. Em duas ou três rodadas da propaganda política obrigatória, de todos os partidos, contei quase uma dezena do impositivo "Vem comigo", outro tanto do suplicante "Preciso de teu voto" e, igualmente, dos pretensiosos "Serei teu representante na..." ou "Juntos faremos a diferença" e do duvidoso "Sou ficha limpa", que vem superando o tradicionalíssimo "É hora da mudança" e suas versões.

Pela "saúde, educação e segurança", não necessariamente nesta ordem, é top 10 entre as propostas defendidas, só que os que dizem que vão lutar contra a criminalidade, a maioria com formação policial ou militar, inflacionaram as nominatas de candidatos. Estão dando de goleada nos defensores dos direitos animais, que vinham ganhando espaço e elegendo representantes.

Observo, por outro lado, o surgimento de uma nova categoria de candidatos: o candidato com naming rights - e não estou falando daquela bobagem de agregar Lula ao nome, mas de uma espécie de patrocínio ou vinculação empresarial/funcional. Juro que ouvi uma fulana se anunciar como "a da Severo Roth", outra a "do Trem", dois outros como o "da locadora" e o "da borracharia", sem contar com aquele que se apresenta como o do "(primeiro nome do candidato) do (sobrenome do prefeito...)". O "dono" do candidato é um prefeito da Região Metropolitana.

E têm ainda os que abusam das pobres rimas ricas, coisas do tipo "sim" com Jardim, "caminho" com Toninho, "depois" com 22, "engane" com Rejane, e por aí vai. Essas possibilidades de rimas é que me tiram qualquer pretensão, se um dia tive, de me candidatar a cargos públicos. A rima com Dutra poderia resultar em... deixa  pra lá.

Sei que não dá para fazer milagres em cinco segundos, mas ficar repetindo os mesmos bordões de sempre não vai ajudar às candidaturas, que precisam de diferenciais diante da enorme quantidade de concorrentes. A questão é: com mais tempo quantas bobagens mais diriam nossos candidatos? Pensando bem, a lei eleitoral foi sábia neste sentido.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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