Os velhos bobos

Ao contrário dos zelotes, que se recusaram a pagar impostos ao opressor, o Império Romano e partiram para a luta uma armada contra o inimigo que ocupara suas terras, a elite intelectual judaica optou por uma linha conciliadora, escolhendo um daqueles "loucos", que pregava pela Palestina, afirmando ser "filho de Deus" e dizia "daí a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus" e o transformaram no símbolo de uma luta que incluía uma cisão com a ortodoxia judaica. Mateus, Marcos, Lucas e João, os mais conhecidos deles, escreveram a "história" fantástica de um deles - Jesus - e escolheram o número cabalístico - 33 - como o limite de sua vida.

Morrer jovem parece assegurar, nos livros de história, uma áurea de heroísmo, que os mais velhos acabam perdendo em suas vidas.

Assim, Alexandre Magno, o criador do grande império grego morreu aos 30 anos. Outros grandes generais conquistadores, como Cesar e Napoleão, morreram numa idade que, hoje, seria considerada precoce. Cesar, aos 56 anos, e Napoleão, aos 52.

Raymond Radiguet, o autor do admirável Le Diable au Corps (quem não leu o livro, pode lembrar do filme Adultera, de 1974) viveu só até os 20 anos.

Castro Alves, o poeta da Negritude, morreu aos 24.

Wolfang Mozart, aos 35.

Jimi Hendrix, aos 28.

Graças aos avanços da ciência e da melhoria das condições sanitárias, estamos vivendo muito mais anos, contrariando de alguma maneira, as regras da natureza.

Ainda que tenham prolongado nosso tempo de vida, os avanços científicos, não evitaram a decadência física.

Ao contrário dos animais (olhe para o seu gato de estimação) que conservam o viço e a beleza até o fim do seu ciclo de vida, nós ficamos feios e decadentes, a partir de certa idade.

Os homens perdem a força da sua testosterona e a mulheres entram na menopausa, sinais da natureza que o objetivo para o qual existimos, a preservação da espécie, foi cumprido.

A pele, antes lisa, fica enrugada. O que era para ficar ereto cai. As articulações se enrijecem. Os cabelos desaparecem. Os músculos, antes rijos, se tornam flácidos. Como disse Gabriel Marcel, "a cada dia que passa nos tornamos mais parecidos com o cadáver que seremos um dia".

Mas ninguém quer morrer.

O que estamos fazendo, porém, desse bônus que recebemos da ciência?

Já que o corpo se corrompe mais a cada dia, apesar da alimentação sadia, do esforço na academia e da cirurgia plástica, por que não investir no "espírito" e não no corpo apenas?

Condição da matéria viva, o espírito, a consciência, a razão, seja lá qual for o nome que quisermos dar a ele, resiste muito mais do que o restante do ser humano.

Ao contrário do herói que morre aos 20 anos, podemos ser "heróis" aos 70 e até os 80 anos, investindo nele.

Mas, para isso, precisamos ler, nunca parar de ler, porque nos livros está o caminho para desafiar as nossas ignorâncias.

Na tecnologia, nas ciências humanas, como a política, a história e o direito e nas artes, todas elas, estão os caminhos que nos ajudam a nos tornar seres humanos cada vez mais longe da origem animal em que tudo começou.

Nos dedicarmos a elas, é a melhor opção.

Apesar disso, encontramos por aí um mundo cheio de "velhos bobos", homens e mulheres, preocupados apenas em continuar vivos, iguais ao que foram seus pais e seus avôs.

São os alienados politicamente, os incultos, os ignorantes, os racistas, os que vivem para ficar ricos, desperdiçando a oportunidade de investir na parte do seu ser que mais resiste ao tempo.

No final, estaremos todos mortos, os conscientes e os alienados.

Ficará viva apenas a lembrança do que tivermos feito.

Talvez seja pouco, muito pouco, mas é o que nos resta.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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