País da burocracia

Por Flávio Dutra

O jornalista e publicitário Alfredo Fedrizzi publicou no seu espaço quinzenal em Zero Hora um artigo em que detona a burocracia estatal. Sob instigante título 'A Burocracia Mata', o artigo constata que os procedimentos burocráticos na máquina pública pioram a cada ano e revela exemplos inadmissíveis, como o de um mecenas que quer doar R$ 40 milhões a uma universidade e não consegue devido às dificuldades criadas.

Sou testemunha de outros casos, o mais recente envolvendo uma homenagem que a Associação Riograndense de Imprensa (ARI) pretende prestar aos moradores da Rua Hipólito da Costa, plantando uma espécie nativa junto ao condomínio residencial que também recebeu o nome do patrono da imprensa brasileira. O gesto simbólico só vai se efetivar porque o perseverante companheiro Ayres Cerutti decidiu enfrentar os verdadeiros 12 trabalhos de Hércules impostos pela Smam para autorizar a colocação da pequena muda. Excesso de papelada e de níveis decisórios para um ato que se vincularia também à Semana do Meio Ambiente. 

Entretanto, é importante que se diga que a burocracia não é privilégio dos entes públicos no Brasil. Não me faltam exemplos de serviços privados que se esmeram em atazanar a vida de quem necessita deles. Já precisaram providenciar documentação para o aluguel de um imóvel? É irritante para o interessado pelo volume de documentos e constrangedor para o potencial fiador, que precisa expor toda a sua situação econômico-financeira, muitas vezes junto com os dados da esposa, dependendo do regime de casamento. Passei recentemente por essa situação numa das mais tradicionais imobiliárias da cidade. 

Igualmente fui massacrado por mil exigências para receber parte do pagamento da venda de um imóvel, valores que seriam repassados por um consórcio com sede em Caxias. Era o credor, mas fui tratado como se fosse um devedor inadimplente. Por um erro do financeiro do tal consórcio, o pagamento acabou antecipado, o que motivou um telefonema da responsável pelo setor, explicando, vê se pode, que, na real, só deveria receber 30 dias depois, mas que agora seriam gentis e não estornariam os valores. Ou seja, burocráticos e atrapalhados.

O setor financeiro do País, aliás, é rico em exemplos da máxima "pra que facilitar se podemos complicar (?)" para o cliente, embora opere e lucre - muito! - justamente com a grana desses clientes. Novamente relato um caso pessoal de tratativas com o gerente de um banco com sede no exterior que, depois de longa peregrinação para abrir uma conta empresarial, demorou mais seis meses para conseguir o segundo o cartão para o outro sócio do empreendimento.

É por essa e por outras que um serviço bancário que está se lançando no mercado cunhou o termo "bancocracia" para fustigar a concorrência e vender a agilidade de seus serviços. Aí, lembro que em 1994 abri uma conta no Bank of Texas, em Dallas, em 20 minutos mediante apenas a apresentação do passaporte. Na mesma cidade, por conta das operações da Rádio Gaúcha na Copa do Mundo dos Estados Unidos, contratei junto a uma operadora local oito linhas telefônicas, precisando somente de uma ligação e o envio de um fax com o endereço para a cobrança dos serviços. Na época, pré-privatizações, só com pistolão para se conseguir uma linha de telefone automático no Brasil.

Os cartórios, estas caixas registradoras da burocracia tupiniquim, são um capítulo a parte. Para encurtar uma resenha que se alongaria, conto apenas que, ao precisar de uma procuração (exigência do banco já referido), o cartório demorou 30 dias para elaborar o documento, uma folha frente e verso, adornada com uma capa de papel, ao custo de R$ 120, incluindo uma infinidade de taxas. Já nem falo da proposital burocracia das centrais de atendimento ao cliente quando acionadas para resolver algum problema ou cancelar serviços. O objetivo não declarado, mas evidente, é vencer o cliente no cansaço e nisso são competentes.

Timidamente, o governo federal já decreta algumas medidas, entre várias outras decisões equivocadas, para enfrentar o monstro da burocracia estatal. Só que vai precisar de muita energia e de decisões políticas firmes para vencer a guerra, iniciada com Hélio Beltrão e seu ministério da Desburocratização nos idos dos anos 80 do século passado, mas com poucos resultados práticos até agora para os cidadãos. Nós, vítimas diárias da burocracia estatal, esperamos que as iniciativas atuais cheguem também aos serviços privados e para além dos apps, esta ferramenta que se imagina possa facilitar todos os problemas enfrentados pelos consumidores brasileiros e nem é tudo isso.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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