Parabenza

Minha terra aniversariou: 246 outonos. E a estação, pelo menos ela, vestiu-se pra ocasião, com suas outonalidades.

Já a Cidade, em vez de se enganalar, se enganou: a data tanto podia ser 2 de novembro quanto 4ª feira de Cinzas - nenhum vestígio festivo à vista. Ô, crise dupla - de money e imaginação.

Pensei em cortejar a Capital, guardar selfie nossa: eu em primeiro plano, ela atrás, clichê visual, porém sincero. Onde seria a pose? Peraí, Fraga: antes, convém decidir onde não deve ser o clic.

Em primeiro lugar, nunca, jamais, never, junto ao Monumento do Expedicionário. Quem disse que esse arco militaresco representa Porto Alegre? Por que tantos postais, capas de jornais e imagens turísticas sempre centradas nele? Não é caso de anular a pétrea homenagem aos heróis, apenas de pôr a cena no devido lugar: fora da foto.

No entorno da Usina do Gasômetro, acesso negado por obras, que mantêm a orla tão longe, de mim distante. No Cais Mauá, uma fragata da Marinha atravancava horizonte e ilhas. Tudo com apoio rude e duro do Muro da Mauá, esse eterno bunker na retina.

Me neguei incluir num porta retrato a Ponte do Guaíba, animal cinzento com quatro patas viradas pra cima. Ali no aeroporto, o Paixão Côrtes de bronze oferecia sua autenticidade à câmera do celular. E a Ponte de Pedra também acenava. Nessa vez, queria eu lembrança atualizada, nada passadista.

Parei pra refletir: quanta carência de arte pública cabe em Poa? Por que sua geografia e topografia, singulares, não podem ser ornadas com monumentos surpreendentes e arquitetura inovadora? Nada de cair o queixo aqui se ergue. Nenhuma ousadia na paisagem ou outra cota de criatividade concreta como a Fundação Iberê.

E ao redor, argueiros visuais como o Anfiteatro do Pôr-do-Sol, aquele conjunto de tetas pra chimarrão, e trocentos brutais viadutos, um dos quais 'homenageia' um homem campeiro, o poeta Jayme Caetano Braun. Nada acrescentam ao imaginário da cidade nem rendem selfies espetaculares.

Resta valorizar e fotografar o verde que ainda nos cerca, as colinas com ângulos sensacionais, a natureza que até agora resistiu à mesmice urbana.

Minha terra tem palmeiras - na Oswaldo, Getúlio e João Pessoa - onde cansa o sabiá: ele prefere outras copas. Minha terra tem paineiras, por todo lado o chão rosado, logo o ar algodoado. Minha terra tinha roseiras, que se renderam na Redenção. Minha terra tem doideiras que nos Açores não há.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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