Podendo discordar, por que concordar?

Semana passada, foi lembrado, mais uma vez, com muitos discursos e não menos queixas, o Dia Internacional da Mulher.

Mais uma oportunidade para os negociantes aumentarem seus faturamentos e as mulheres (aquelas que têm acesso à mídia) falarem pela milésima vez do machismo masculino e como elas são preteridas no mercado do trabalho.

Ou seja, a mesma chorumela de sempre.

Haja saco.

Nessas horas, lembro sempre de uma frase do Millôr Fernandes, dizendo que o mais importante movimento feminista é o dos quadris.

Pura provocação.

É lembrar esse nome, Millôr, e correr para se abrigar da chuva de pedradas que começa a cair sobre a sua cabeça.

Além de machista, Millôr tinha posições de direita, dizem as mulheres de esquerda.

Não tinha, não.

Ele e, muito mais, o Nelson Rodrigues, eram anarquistas e sempre duvidavam das verdades estabelecidas.

Toda a unanimidade é burra, foi um dos ditos mais repetidos do Nelson.

Infelizmente, todos esses movimentos que dizem representar as minorias (as mulheres, os negros, os LGBT, os indígenas) são profundamente maniqueístas e vivem de verdades estabelecidas, quase dogmas religiosos que não podem ser contestados e nem ao menos discutidos.

Não que eles não tenham razão.

Têm.

Não que não devam dramatizar seus eventos fundadores

Devem.

O problema é que eles não aceitam contestações as suas verdades e nada melhor do que uma contestação ao que pensamos, para que possamos aprofundar nossas certezas.

Nós, que nos pretendemos comunistas, sabemos bem como isso funciona.

Admirávamos de uma forma quase religiosa a Stalin, como o "genial condutor dos povos", até que Kruchiov, no seu famoso relatório secreto, apontou todos os seus crimes.

Fizemos o mesmo com Prestes, no Brasil.

Desiludidos, acreditamos na Perestroika e na Glasnost de Gorbachov, até nos darmos conta que seu papel foi fundamental para o esfacelamento da União Soviética e que, de certa forma, serviu mais aos interesses norte-americanos, do que aos russos.

Agora, surge o escritor italiano Domenico Losurdo, com o seu livro A História e a Crítica de uma Besta Negra, falando sobre a demonização de Stalin e, de certa forma, tentando recuperar a sua imagem.

E então, como fica o camarada Stalin?

Duvidar sempre, prontos a mudar o que pensamos até ontem, pode ser o melhor caminho para as pessoas inteligentes, pois, como dizia o Barão de Itararé, mudar uma ideia não é ruim.

Ruim é não ter uma ideia para mudar.

É preciso enxergar nos homens e nos fatos toda a sua complexidade.

Nelson Rodrigues defendeu a ditadura, mais para provocar a esquerda que ele achava pouco inteligente do que por acreditar nela, mas ela, a ditadura, prendeu e torturou seu filho.

Millôr ironizava os militares no Pif-Paf, mas foi o único que não foi preso, quando toda a redação do Pasquim foi para a cadeia, possivelmente para incompatibilizá-lo com seus companheiros.

Lula foi preso pelo delegado do Dops, Romeu Tuma, mas cultivou uma estranha amizade com ele, a tal ponto que o filho de Tuma escreveu um livro dizendo que Lula passava informações do movimento sindical para seu pai.

Nem por isso, Lula deixou de representar uma esperança de retorno do Brasil à democracia perdida no golpe contra Dilma.

Os nazistas ocuparam boa parte da França durante quatro anos e os franceses ainda hoje gostam de exaltar os feitos da sua resistência.

Esquecem que um dos seus maiores romancistas, Cèline, defendeu abertamente os nazistas em seus livros.

Que Sartre nunca foi incomodado pelos ocupantes alemães.

Que Maurice Chevalier e Edith Piaf cantaram em campos de concentração de prisioneiros franceses pagos pelos nazistas.

Que Coco Chanel vivia no Hotel Ritz com o amante, um oficial alemão.

Que o famoso diretor de cinema Sacha Guitry era amicíssimo do embaixador alemão em Paris, Otto Abetz

Que Picasso viveu em Paris sem ser incomodado durante a ocupação e que se recusou a assinar uma petição pedindo a libertação do poeta Max Jacob.

Esquecem, finalmente, que o famoso arquiteto Le Corbusier, para agradar às autoridades nazistas das quais precisava para financiar seus projetos, chegou a afirmar que "a sede dos judeus por dinheiro corrompeu a França".

É preciso sempre questionar certas "verdades" e desfazer algumas "mentiras".

Israel é uma democracia, pelo menos para os judeus.

Mas impediu que um judeu norte-americano, Norman Finkelstein, filho de pais assassinados em Auschvitz, desembarcasse em Tel Aviv.

Motivo: ele escrevera um livro chamado A Indústria do Holocausto, denunciando interesses escusos de alguns na divulgação do episódio.

Dizem que Cuba é uma ditadura que não dá liberdade de expressão aos cubanos.

Apesar disso, Cuba permite que a blogueira Yoani Sanchez, paga pelo jornal espanhol El País, continue falando mal do governo e o escritor Leonardo Padura fique rico, escrevendo seus livros sem sair da Ilha, em nenhum deles falando bem da Revolução Cubana e realize periodicamente eleições para renovar seu parlamento.

Nos discursos e nas homenagens em que esse dia foi pródigo, não ouvi ninguém lembrando que a plena igualdade entre homens e mulheres só será possível numa sociedade socialista.

Mas isso são outros quinhentos, motivo de mais discordâncias do que concordâncias, o que sempre é um bom sinal.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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