Mário Rocha: Entre aspas

Aposentado e professor da Fabico, o jornalista bom de conversa transmite em sala de aula os encantos que aprendeu nas redações

Mário Rocha - Divulgação

Foi entre aspas que ele escreveu os títulos mais memoráveis de seus 46 anos de profissão. Contrariando a temporalidade do jornal impresso, as matérias "Eu estive no Andraus e vi a morte de perto" e "O corpo é propriedade do Estado, não da família" seguem vivas nas páginas guardadas e, hoje, amareladas da extinta Folha da Tarde e do jornal interno do Grupo Hospitalar Conceição, respectivamente. A primeira, referente a um incêndio em São Paulo, foi publicada em 1972. A segunda, por sua vez, foi veiculada em 1984.

Em uma pasta, o professor da Fabico, da Ufrgs, guarda outras lembranças, como a lista de aprovados no vestibular da universidade federal, impressa no Correio do Povo, em 10 de janeiro de 1971, que trouxe seu nome e de profissionais como Ayres Cerutti, Eugênio Bortolon, Maristela Bairros, e reportagens nas quais, em vez de redigi-las, era personagem. Tais matérias referem-se à época em que ele era uma promessa do xadrez gaúcho nos tempos áureos da escola.

Amante da profissão, busca transmitir a mesma paixão aos alunos nas disciplinas de Ética, legislação e atuação profissional, Assessoria e consultoria em Comunicação, e na eletiva Atividades orientadas em jornalismo impresso. Adepto do movimento slow data, criado por ele mesmo e que significa, em tradução livre, pouca informação, ele explica que, embora entenda o mundo da tecnologia, defende que as pessoas não precisam estar conectadas 24 horas por dia. "Acho que precisamos de momento de reflexão, Temos que olhar para o entorno. Por isso meu lema é: primeiro viver, depois filosofar."

Acumulador de informações

Certamente, mais de 500 livros decoram a sala de trabalho, na Ufrgs, na qual Mário Rocha me recebeu para a entrevista. "Sou um acumulador de informações e isso me deixa neurótico", ressalta, ao mencionar que, em casa, tem muitas obras e documentos dos quais não consegue se desfazer. "Quando vou fazer uma limpa, penso: 'isso não posso jogar fora, nem isso'. Aí, não limpo nada", conta, aos risos. "Tenho muita coisa que nem sei onde está", completa ele, que também é conselheiro titular, assessor da direção da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e coordenador do setor de Politicas Ambientais da entidade.

No trabalho, o destaque em livros vai para clássicos do Jornalismo, como Coojornal, A arte da entrevista, 45 reportagens que fizeram história, entre outras dezenas relacionadas ao tema. Fora da área de atuação, relembra nomes como Jorge Luís Borges, o cronista carioca Antônio Maria, Júlio Cortázar e o persa Omar Khayyam, cujo Rubayat é seu livro de cabeceira.

O acúmulo de papel vem desde a juventude, a exemplo dos recortes de jornais já mencionados. Também pudera, o jornalista assumido adianta que não é nostálgico quanto à profissão, no entanto, ao final da conversa mostrou um quadro que chamou de "antigo jornalismo". Na imagem, uma máquina de escrever, um cinzeiro com cigarro, uma xícara de café e um telefone antigo, a disco..

Doutor em Jornalismo     

Quase psiquiatra de profissão, Mário enxerga no caçula Diego, de 43 anos, que atua como psicólogo, o caminho que por pouco não o desviou do Jornalismo. A explicação é simples: na época da escola assistiu a uma palestra fantástica, como ele mesmo a classifica, de um médico psiquiatra que o fez desejar seguir na profissão. "Esta era minha opção até junho de 1970", relembra e conta que, na mesma época, avaliou suas notas nas matérias de Física, Química e Biologia, e a conclusão a que chegou: "Não ia dar. Não seria aprovado no vestibular".    

Uma passada no Serviço de Orientação Educacional (SOE) e um teste vocacional lhe deram a resposta: Comunicação ou Direito. "Optei por Jornalismo, pois, naquela época, podíamos trabalhar sem ter diploma", assume. A Ufrgs foi a única escolha, já que a família de classe média baixa não teria condições de sustentar uma universidade particular.  

E a casa do estudante virou a casa do profissional quando, em 1984, Mário passou a integrar o corpo docente da mesma instituição de ensino que lhe concedeu o diploma. Antes de lecionar, passou 13 anos na extinta Caldas Júnior. Convidado para integrar a equipe do Departamento de Promoções da empresa, conta que apenas duas pessoas se candidataram à vaga. "Acho que trabalhar não era muito bom, pois fomos Carlos Mossmann e eu", relata, ao mencionar que foi o escolhido por querer trabalhar aos finais de semana.

Começou na cobertura da Taça Ouro e Prata, um campeonato de futebol amador. Depois, foi convidado a fazer a promoção seguinte, Rainha das Piscinas. "Futebol e concurso de beleza. Se isso é Jornalismo, eu quero!", diz, aos risos. Quando as promoções acabaram, migrou para a editoria de Geral da Folha da Tarde. Ao deixar o veículo para assumir na Ufrgs, trabalhou, também, em assessoria de imprensa de órgãos públicos e de hospitais, a exemplo do Grupo Hospitalar Conceição e do Mãe de Deus. Foi, ainda, por pouco mais de quatro anos, professor do curso de Jornalismo da Ulbra.

Além das reportagens cujos títulos levaram aspas, Mário Rocha tem um carinho especial pela primeira vez em que publicou uma notícia assinada: a entrevista com o compositor gaúcho Tulio Piva, que hoje dá nome a um teatro em Porto Alegre. A certeza de que estava no caminho certo veio quando, no ônibus a caminho de casa, percebeu que o vizinho de banco lia a matéria. "Quando ele terminou o texto, me olhou e disse: 'Grande cara o Túlio Piva, né?'. Até hoje me lembro daquela cena." Dois dias depois, para um certo desgosto seu, viu a mesma página sendo usada para enrolar ovos na feira livre.

Jogador estrategista

Ao aceitar que não avançaria como profissional, embora fosse uma promessa do Xadrez na época escolar, trocou os tabuleiros pela mesa de carteado. Há mais de cinco anos o pôquer com os amigos tornou-se um hábito e a prática é chamada pela turma de culto. A escolha pelas duas modalidades de jogo é explicada pela estratégia de cada uma: "A qualidade do teu desempenho depende de ti mesmo, pois tu jogas calculando probabilidades".

O hobby é compartilhado com a relações-públicas Marta Busnello, sua companheira há 25 anos. Mesmo com mais de duas décadas de relacionamento, o casal planeja oficializar a união em fevereiro próximo no cartório civil. Em uma breve interrupção durante a entrevista, quando atendeu a um telefonema dela, Mário falou carinhosamente e chamou-a de paixão, divertindo-se com o motivo da chamada: a máquina de lavar roupa inundara a residência. 

É pai de Eva que, há 25 anos, desde que completou maioridade, vive nos Estados Unidos. A relação com a primogênita é limitada, caso de família sobre o qual não foram dados detalhes. "A gente teve uns quiproquós, assim, bem interessantes quando ela tinha 21 anos. Sei que ela está bem através do Diego", limita-se a mencionar sobre o fato. Os irmãos são filhos do primeiro casamento de Mário, com a advogada Sarandá Freitas Duarte, que faleceu neste ano. Diego lhe deu a neta Marina, de cinco anos, e para dezembro promete mais uma, já tratada por Serena.

Em casa, por não saber cozinhar, supre a necessidade com os dotes culinários de Marta, com destaque para a lasanha e filé ao molho de mostarda. Com a companheira também gosta de ir ao cinema, no entant,o já não frequenta mais as salas como gostaria. Nas preferências estão Cidadão Kane, todas as obras de Serguei Eisenstein e de Quentin Tarantino e as comédias-pastelão com Jerry Lewis e o Gordo e o Magro.

Na música, tem saudade do tempo da Bossa Nova e da Jovem Guarda. Também aprecia Lupicínio Rodrigues e Noel Rosa, especialmente um verso que não cansa de cantarolar: "Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa uma boa média que não seja requentada, um pão bem quente com manteiga à beça...".

Educado segundo os preceitos cristãos e católicos, respeita e defende que as religiões, todas elas, são indispensáveis. "Acho importante porque elas servem como exemplo, como oportunidade de congraçamento entre aqueles que comungam a mesma fé. Agora, uma expectativa de vida depois, de Inferno e Céu, vai mudar teu comportamento?", questiona.

Entusiasta da Comunicação, acredita que a área está em constante transformação. E hoje, sem ter a intenção de desmerecer a atividade jornalística, define-se como "um produtor de conteúdo para suportes mobile no formato storytelling, buscando targets segmentados cujos integrantes estejam em momento de microtédio".

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