Orestes de Andrade: Microfone improvisado

Aos 10 anos, Orestes de Andrade já brincava de repórter esportivo, utilizando microfone de caixa de fósforos

Orestes de Andrade - Mell Helade

Quando se faz o que ama, trabalhar se torna um prazer. E é assim que Orestes de Andrade leva a vida. Com um ar leve e muito bem-humorado, é em um dos estúdios da rádio Guaíba, em Porto Alegre, que ele fala sobre a vida. Sentado à mesa de gravação em meio a microfones que ainda utiliza para entrar no ar diariamente, apesar de já aposentado, o radialista conta como realizou o sonho de criança em atuar como narrador e repórter esportivo na emissora da Capital.

Com apenas 10 anos, Orestes já se posicionava como repórter esportivo ao lado dos gramados ao narrar as partidas de clube presidido pelo avô, na cidade de Santo Ângelo, região das Missões do Rio Grande do Sul. Utilizando um microfone improvisado, com uma vareta e uma caixinha de fósforos, o guri se aventurava descrevendo os lances do time da fazenda, citando o nome de cada jogador da casa, pois os visitantes ele inventava. O apreço pelo microfone é tão grande, que até mesmo quando foi recrutado no quartel, optou por atuar na Comunicação, e se tornou locutor das formaturas e eventos do batalhão.

"Sempre quis trabalhar em rádio, nunca pensei em outra coisa". E o sonho se tornou realidade quando passou em frente à rádio Santo Ângelo com o pai, Davi Zimmermann de Andrade, durante um passeio. O barbeiro, que era conhecido no município, conversou com o presidente da emissora, José Alcebíades de Oliveira, que conseguiu um emprego para o filho. Orestes, então, começou como office-boy. Quando sobrava tempo entre as tarefas de buscar e entregar jornais, infiltrava-se nos corredores de gravação e lia os textos dos noticiários que ficavam nas portas dos estúdios. Foi quando um dos narradores faltou e Orestes se ofereceu para substituí-lo. "No dia seguinte, o diretor me propôs fazer um teste", lembra.

Acreditar e trabalhar

Um dia, durante suas atividades como office-boy, foi até a banca pegar os jornais e, ao chegar lá, avistou Ely Coelho Marchette, agenciador de repórteres e narradores da região. Para a infelicidade do jovem, Marchette estava falando com um vendedor sobre o desempenho de Orestes, mas o que ele escutou não foi nada bom. "Bem na hora que cheguei, ouvi ele dizendo: 'bah rapaz, o Oliveira é um louco. Ele abraçou este guri, tal de Orestes de Andrade, filho do meu amigo barbeiro. O piá não vai a lugar nenhum. Ele é horrível'. Ou seja, me detonou." Na mesma hora, o hoje radialista deu meia-volta e, sem pegar os jornais, correu para a rádio e disse a Oliveira que não queria mais trabalhar. A resposta foi imediata: "Tu vais trabalhar, sim, pois eu prometi isto ao teu pai e vais ficar". E Orestes foi ficando.

Em 1971, tornou-se oficialmente locutor da rádio Santo Ângelo com apenas 22 anos e realizou diversas reportagens e entrevistas, mas o que queria mesmo era atuar no esporte, narrando futebol, como no sonho de infância. Na época, cursava Administração e um dos professores, Claudio Scherer - que também era narrador -, disse que iria se aposentar e gostaria de encontrar alguém para assumir seu lugar. Orestes não pensou duas vezes e se candidatou aos aprendizados. Passou a acompanhar o mestre em estádios para cobrir os jogos da cidade. "Ele narrava um pouco e me passava o microfone, dizendo aos ouvintes: agora, vou passar para o meu pupilo. E eu narrava dois minutos", recorda. Isso aconteceu ainda por dois anos, até surgir uma decisão importante de campeonato, chegar na cabine de imprensa e ler um bilhete: "Te vira".

A partir disso, vieram a confiança e a primeira indicação de Marchette. Não demorou para Orestes seguir como narrador na Rádio Progresso de Ijuí. Foi nessa época que recordou da situação ocorrida na banca de jornais, e agradeceu por ter acreditado no próprio sonho, sem desistir.

Raízes

Descendentes de alemães, os pais, Davi Zimmermann de Andrade e Evangelina Zimmermann de Andrade, cresceram em uma colônia no Interior de Catuípe, cidade situada ao lado de Santo Ângelo. Os dois, já falecidos, eram primos-irmãos e, desse amor, Orestes ganhou ainda cinco irmãos: Clara Alice, Olavo, Osmar, Orlando e Osório. O pai era barbeiro e a mãe, dona de casa. "Eram fantásticos. Nunca precisavam convidar os filhos para ir visitá-los no domingo, pois fazíamos questão de ir", conta.

Férias escolares são uma época recordada com muito carinho, pois eram todas aproveitadas na fazenda da família. Dentre as atividades que trazem nostalgia estão pescaria, banho de açude, brincadeiras na roça, experiências que considera espetaculares. Recentemente, visitou o local onde cresceu, mas os terrenos se transformaram em gigantescas lavouras de trigo e soja.

Casado há 44 anos com Helena Maria de Andrade, conta que conheceu a amada ainda no segundo grau da escola, pois estudavam na mesma classe. Eram de grupos distintos, mas Orestes garante que seu charme não passou despercebido pela moça, que, cheia de atitude, tomou a iniciativa de aproximação. Foi em uma reunião-dançante, com todos colegas bailando e Helena Maria sentada, conversando com as amigas, que o radialista decidiu tomar uma decisão. "A baixinha queria dançar também. Fiz o convite, a tirei para dançar e estamos juntos até hoje", conta, sorridente.

Frutos desta união, nasceram os filhos Orestes de Andrade Jr., atual presidente da Fundação Piratini e pai de Pietro de sete anos; Rodrigo de Andrade, que puxou o dom do avô e é cabeleireiro e barbeiro na cidade de Santo Ângelo, pai de Rômulo de nove anos e de Lavínia, de cinco; e Felipe, que é médico veterinário em Porto Alegre, e pai de Vitor, de quatro anos. Os netos são a alegria da vida, admite: "O neto em relação ao filho é muito diferente. Com eles, somos descompromissados, pegamos para brincar e passear, dormem conosco de vez em quando e fazem tudo o que querem. Para os netos, nós arranjamos todo o tempo do mundo".

Por trás dos microfones

Os dias de folga são aproveitados no aconchego do lar, já que durante muitos anos trabalhando aos sábados e domingos, então, agora se dá ao luxo de relaxar ao lado da família. Apreciar um chimarrão, bater um bom papo ou ler um bom livro estão entre as atividades prediletas para os momentos de lazer. O cuidado com a saúde também é uma atividade que Orestes sente muito prazer em realizar ao lado de Helena. De duas a três vezes por semana, o casal caminha pela orla do Gasômetro até as proximidades do estádio Beira-Rio.

Os mesmos cuidados com a saúde estão presentes quando o assunto é gastronomia. Apreciador do tradicional churrasco, diz que não pode faltar salada e, de preferência, contenha vegetais como rúcula, tomate e o queridinho rabanete. Curiosidades à parte, não gosta de pizza: "De maneira nenhuma eu como, seja de qualquer sabor. Não gosto", enfatiza. Frequentador do tradicional Chalé da Praça XV, no centro de Porto Alegre, conta que adora experimentar pratos diferentes e a cada dia que visita o local, prova uma iguaria nova do cardápio.

Outro gosto especial, e que poucos sabem, é com pulseiras. Ele confessa não conseguir sair de casa sem o adereço no pulso e afirma que tem uma coleção delas, mas só pode usar as de material de aço. "Uso desde que me conheço por gente. Não recordo qual o dia na minha vida que andei sem uma", revela.

Bolas fora

Sempre teve intimidade com música. Tanto que com 15 anos entrou para uma escola de sanfona e, após cursar seis meses, passou a integrar um grupo de música gauchesca. Tocou em muitos bailes por todo o interior do Estado. Além disso, arriscava algumas notas também no violão. Ainda falando sobre cultura, Orestes aprecia obras relacionadas ao futebol, e entre as preferidas estão biografias de atletas e histórias de grandes clubes.

Sobre cinema, afirma que adora filmes que mostrem desastres de avião. "É um assunto que me prende muito. Gosto dos desastres de avião, mas só na ficção mesmo", garante. O rádio tem que estar sempre ligado para informar sobre os últimos acontecimentos e, para garantir, possui seis aparelhos espalhados pela casa, o que deixa a esposa enfurecida. "Quando entramos no carro para passear, ela quer colocar uma música para descontrair, mas eu preciso ouvir as notícias. Ela fica louca", admite.

Quando começou a fazer reportagens de campo em Santo Ângelo, viveu uma das situações mais marcantes da carreira, que denomina como 'o batizado de conferir a informação'. Orestes foi entrevistar um jogador do time da cidade, chamado Edemar, e o atleta disse o seguinte: "Está começando na rádio agora, não é mesmo? Então, avisa lá que eu, Edemar, estou indo para o Corinthians". Feliz da vida, correu para o estúdio acreditando que tinha um grande furo jornalístico e soltou a informação no ar: Edemar vai para o Corinthians! A notícia repercutiu na mesma proporção do fiasco que foi. O fato é que a informação era falsa. Quando os dois se encontraram novamente, Edemar disse: "Calma guri, só fiz uma brincadeira contigo. Agora, estás batizado no rádio. E não esquece, tu ainda vais longe. Quero te ver na rádio Guaíba!"

A Rádio Guaíba

O desejo de atuar na Guaíba sempre existiu. Em 1995, Orestes trabalhava em Campo Bom com o também radialista Flavio Dalpizol, que compartilhava do mesmo objetivo. E foi quem o apresentou, por acaso, o narrador ao então diretor da emissora Paulo Sérgio Pinto. O desafio profissional que deu início à sua trajetória foi a primeira partida que narraria ao lado de ídolos como Haroldo de Souza, Edgar Paschoal Schmidt e Luiz Carlos Reche. O jogo era em Venâncio Aires, em campo Juventude e Guarani de Venâncio Aires. "Não consegui dormir aquela noite. Estava com os nervos à flor da pele", relembra.

Mesmo aposentado há 10 anos, grava alguns comerciais para agências de publicidade e vai diariamente à rádio Guaíba, onde participa do programa Debate Esportivo, das 11h às 13h, além das jornadas. A paixão pelo rádio não o deixa parar e a única razão que o tirará dos microfones será a aposentadoria da esposa, Helena Maria. "Temos planos de viajar. Mas brinco com ela para que espere só mais um pouquinho, pois não quero parar agora. Sinto um prazer muito grande em trabalhar, pois amo o que faço."

E quando ele resolver largar o ofício, garante que grande parte do seu tempo será dedicado aos netos, pois pretende viver intensamente junto aos pequenos. Orestes planeja fazer suas próprias escalas dos finais de semana, nas quais estarão, com certeza, muitas viagens com a companheira. De acordo com ele, isto ainda levará, no mínimo, um ano para acontecer. Enquanto isto, os guaibeiros seguirão acompanhando a voz de Orestes de Andrade nas jornadas esportivas da rádio.

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