Nelson Sirotsky: O gestor feliz

Executivo conta como se preparou para substituir o pai e assume ser supersticioso

Nelson Sirotsky - Reprodução

Na entrada da sala, um retrato do pai, Maurício Sirotsky Sobrinho, dá indícios de sua admiração. A semelhança com o progenitor não é só física, está nas atitudes e nos caminhos percorridos. Nelson Pacheco Sirotsky, 57 anos, presidente do Grupo RBS, se mostra uma pessoa carismática, bem-humorada e assumidamente supersticiosa. "Meu pai morreu cedo, mas se Deus quiser, eu vou passar dos 60", diz, enquanto bate na madeira para isolar, gesto que é repetido algumas vezes durante a entrevista. "Sou supersticioso uma barbaridade. Não me pergunta por quê. Não sei explicar, apenas cumpro alguns rituais."

Outra prática que ele cumpre até hoje é a disciplina, herança dos ensinamentos da mãe Ione. "Sempre fiz as coisas direito", destaca. Bom aluno, recorda-se de uma passagem da vida escolar em que faria um teste de proficiência. Por incentivo da mãe, fez aulas particulares para garantir uma boa nota. Um dia antes, porém, a professora comentou com o menino sobre a morte do então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. "A dona Irene (professora) ficou chocada com a notícia. Aquilo me assustou também e eu decidi não fazer o teste", recorda. Quando retornou para casa e comunicou a decisão, a mãe imediatamente o repreendeu. "Vais fazer a prova, sim. Pode até não passar, mas vais cumprir com o que tu te comprometeste", disse ao menino. O episódio serviu como lição.

Nascido e criado em Porto Alegre, Nelson tem na Rua Santa Terezinha, no bairro Bom Fim, as lembranças mais queridas de infância. Terceiro filho de quatro irmãos, gostava de jogar futebol na praça da esquina, andar de carrinho de lomba e ir para a escola de bonde com os amigos. "A minha infância é muito marcada pelas coisas que aconteceram naquela casa", destaca. O local, segundo ele uma residência bem modesta, era sede dos almoços de domingo que o pai oferecia aos convidados do Programa Maurício Sobrinho, do qual era apresentador na Rádio Gaúcha. "Ele era apaixonado por Comunicação. Aquilo me pegou", diz, para em seguida confessar que seu ideal de vida sempre foi seguir os passos do pai.

Cedo na Comunicação

Tal qual Maurício costumava fazer, Nelson mantém uma relação muito próxima com seus funcionários. "Não consigo chamar um a um pelo nome como meu pai fazia, mas procuro tratá-los com afeto e fico muito feliz de perceber que a recíproca é verdadeira", destaca. Quando a empresa fez 50 anos, em 2007, foi presenteado com um álbum com mensagens de carinho dos funcionários. Nos dias em que a autoestima está em baixa, costuma pegar o livro para ler. "Volto revigorado para a rotina", revela.

A convicção de quem sabia o que queria o levou a começar na Comunicação bem cedo. Aos 10 anos, tornou-se apresentador do programa "Parque Infantil", à época na TV Gaúcha, hoje RBS TV. Também teve passagem pela equipe de reportagem da Rádio Gaúcha. Pela emissora, cobriu alguns campeonatos de futebol e os Grandes Prêmios de Fórmula 1 da Holanda e da Inglaterra, nos anos 70. Sua atuação mais recente como repórter data de 2001. Estava em Nova York no dia 11 de setembro, quando as Torres Gêmeas do World Trade Center foram atingidas. Ao perceber o que estava acontecendo, não teve dúvidas. Pegou o telefone e começou a passar informações para os veículos da RBS, como se fosse um enviado especial. "Não há nada que me dê mais prazer do que atuar como repórter", diz com convicção.

Com a formação acadêmica voltada para a Administração, Nelson é graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e pós-graduado pela Universidade de Califórnia e pela Harvard Business School, faz questão de ressaltar que é um comunicador por essência. Não cursou Jornalismo porque, na época em que começou, o curso não era obrigatório para exercer a profissão. O pai e seu tio, Jayme Sirotsky, presidente emérito do Grupo RBS, eram jornalistas provisionados. Assim, pensou que seria mais importante para sua carreira aprender conceitos de gestão e continuar a aprender o jornalismo na prática.

Já no começo da faculdade, foi trabalhar no Departamento de Contabilidade da rádio e da TV. Tinha planos de fazer o provisionamento em Jornalismo, mas acabou deixando de lado. Anos mais tarde, já com a lei que exigia o diploma para o exercício da profissão de jornalista vigorando, prestou vestibular na Famecos. Um semestre depois, se deu conta que já sabia o que estavam ensinando e decidiu largar o curso. "Me considero um jornalista, mas não tenho o título. Se eu quisesse, até poderia fazer hoje o registro, mas não vou. Deixa assim", diz.

Em seus planos, segue o desejo de voltar a atuar como comunicador. Ainda pretende ter um programa de rádio ou TV. "Quem sabe o fim da minha carreira não será para me dedicar a isso?", questiona. Seria o inverso do que fez seu pai. "Ele sempre dizia que uma das suas frustrações era não ter conseguido conciliar as funções de comunicador e administrador. Tenho orgulho em dizer que sou um gestor da comunicação."

Combustível para seguir

O fundador do Grupo RBS nunca deixou claro para o filho que ele o substituiria. Mas, desde o primeiro dia em que passou a trabalhar no grupo, Nelson soube que quem estava sendo preparado para suceder o pai era ele. Em 1981, Maurício teve câncer, fato que o levou a reunir a família para falar da possibilidade de sua morte e sinalizar como seria sua sucessão. Seu falecimento viria a acontecer cinco anos depois. "Quando ele morreu, enxerguei com clareza que seria seu sucessor, independentemente do cargo que eu tivesse na organização", recorda.

A partir daí, Nelson e seu tio Jayme trabalharam para configurar os moldes da sociedade, de acordo com a nova composição da empresa. Cinco anos após, em 1991, foi empossado presidente do grupo, cargo que ocupa até hoje. "Quando assumi, aos 38 anos, nem me dava conta, mas já estava preparado", pondera.

Parte de seu aprendizado como gestor aconteceu bem antes, quando tinha apenas 24 anos. Recém-formado, foi mandado pelo pai para expandir os negócios em Santa Catarina. "Ele me disse: 'Vai lá e faz o que tem que ser feito'. 'Mas o que tem que ser feito?', perguntei. Ao que o pai respondeu: 'Tu sabes'. No fundo, eu sabia mesmo".

Começar de novo

Um hábito familiar seguido à risca por Nelson é a inserção em entidades representativas. Atual vice-presidente da Associação Nacional dos Jornais foi presidente da entidade por dois mandatos. Além disso, atua como diretor da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), como membro do Conselho Brasil do Instituto Europeu de Administração de Negócios e do Conselho da Fundação Dom Cabral. Também investe em ações de responsabilidade social e estimula seus funcionários a se engajarem nos projetos da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, da qual também é presidente. "É muito importante para a sociedade que façamos as coisas certas", destaca.

Mas nem tudo são flores na vida do empresário Nelson Sirotsky e, em alguns momentos, ele precisou recuar. Foi o caso de sua primeira experiência como empreendedor de negócios, aos 15 anos, e da negociação que o grupo iniciou com a empresa espanhola Telefônica, no final dos anos 90. O primeiro revés foi na adolescência, quando fotografava, com o amigo José Walfrid, festas de aniversário de criança. Para criar um diferencial em seus serviços, a dupla, ao invés de apresentar as provas das fotos, apresentava os álbuns prontos. As mães enchiam os olhos e acabavam comprando. "Nosso negócio era um sucesso", recorda.

Como a estratégia estava dando certo, decidiram partir para eventos maiores. Fotografaram uma competição de cavalos na Hípica e investiram todo o capital da empresa na produção de pôsteres com as fotos dos competidores. Tudo iria bem, não fosse por um atraso na impressão do material, situação que fez Nelson e os amigos perderem contato com as amazonas e os cavaleiros, a maioria de outros estados e países, que já haviam partido quando as fotos ficaram prontas. Dos 200 pôsteres que fizeram, só conseguiram vender três, o que inviabilizou a empresa. O aprendizado que ficou é que "no mundo dos negócios, é assim. Às vezes, precisamos recuar e começar de novo".

Foi exatamente o que fez em 1998, quando interrompeu a parceria que vinha articulando com a Telefonica para tornar o Grupo RBS sócio da empresa e assumir o setor de telecomunicações no Estado. Segundo ele, o que inviabilizou a efetivação do negócio foi uma quebra de valores entre as duas organizações. A empresa espanhola só teria deixado clara sua intenção de atuar em São Paulo no dia em que a Telebrás estava leiloando suas ações. "Naquele dia 29 de julho de 1998 - hoje estou bom de datas -, tinha a possibilidade de enfrentar a Telefonica e toda a privatização do Sistema Telebrás, mas cheguei à conclusão de que não adiantaria. Daí, matei no peito e recuei. Não guardo mágoa, foi mais um aprendizado." Na avaliação do gestor, só cresce quem corre riscos - e é exatamente isso que ele faz.

Ensinamentos do avô

Nelson não começou cedo só na vida profissional, não. Seu relacionamento com a esposa Nara, 55, psicóloga e artista plástica, com quem está casado há 34 anos, teve início lá na adolescência. Os dois se conheceram em um dos veraneios na praia de Atlântida, quando ele tinha 18 anos. Cinco anos depois, decidiram se casar. O segredo da união bem-sucedida, revela ele, são os inúmeros 'recasamentos'. "Conseguimos reinventar nossa relação em vários momentos", diz, citando a ocasião em que combinaram de casar de novo - de brincadeirinha - durante o matrimônio de um dos sobrinhos. Uma foto estampada no quarto do casal guarda o momento.

O bom relacionamento se estende aos três filhos. "Sou um pai dedicado. Tenho muito orgulho da minha pequena família", comenta. O crescimento de Marina, 27, Maurício, 25, e Roberto, 23, foi acompanhado sempre de perto pelo pai. Valores como amor, união e humildade, além de muito estudo, trabalho e disciplina, foram suas diretrizes na criação da prole.

Muitos dos ensinamentos vêm do avô de Nelson, José Sirotsky. "O meu avô era muito carinhoso e presente na nossa criação." Conforme conta, foi José que investiu no negócio de Maurício e Jayme, quando os dois começaram em 1957. Os tempos eram de vacas magras, e seus pais sustentavam a família com sacrifício. "A situação hoje é outra, graças a Deus." Neste momento, Nelson bate novamente na madeira para isolar.

Voltando a falar de seus filhos, assegura que os três estão "bem encaminhados". Marina é psicóloga e, atualmente, cursa MBA na IE Business School, em Madrid, na Espanha. Maurício é o proprietário da empresa Totosinho, e Roberto montou, há dois anos, em parceria com mais três amigos, a empresa de comunicação digital 3YZ.

Intuições

É com a família que Nelson gosta de sair para viajar nos momentos em que não está trabalhando. A próxima saída será para visitar a filha em Madri. As atividades de lazer incluem caminhadas e partidas de tênis. Outros passatempos são a leitura e a apreciação de vinhos, em especial os latino-americanos e os espanhóis. Ocupam lugar em sua cabeceira atualmente as obras Googled, de Ken Aletta, e Camilo Mortágua, de Josué Guimarães.

Nelson e a família também gostam de se dedicar aos animais de estimação. Atualmente, mantêm quatro cães: a Frida, um São Bernardo; o Gucci, um Labrador; a Maggy, um Buldog inglês; e o Shalom, um Buldog americano. Além disso, cultivam carpas e periquitos.

Outro momento em que gosta de estar entre os seus é no Dia do Perdão. De religião judaica, todos os anos o clã recebe a visita do rabino Mendel, de Porto Alegre, na passagem da data, que em geral ocorre em setembro, para orar e agradecer. "É um momento de reflexão e união", explica.

Suas crenças se estendem à intuição. O gestor nunca deixa de seguir pressentimentos e diz que a prática nunca deu errado. "Aprendi a ouvir minha intuição e ela diz que não faz mal adotar umas regrinhas de superstição." Além de isolar na madeira, as 'regras' incluem não pegar sal passando direto de uma pessoa para outra, não entrar em avião com o pé esquerdo e não sentar numa mesa com 13 pessoas.

Uma de suas fortes intuições é a aposta em jovens talentos. "É só dar oportunidade que a gurizada vai para frente", acredita. Para Nelson Sirotsky, os estudantes que se dedicarem a realizar uma boa formação serão o diferencial de amanhã. "Eu nunca vi um profissional qualificado não ter um emprego maravilhoso. Pode até demorar um pouco, mas o cara fica de pé", aposta.

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