Luiz Artur Ferraretto: O trabalho como valor maior

Para o jornalista e professor Luiz Artur Ferraretto, com força de vontade, trabalho e ensino, “a gente consegue tudo”

Luiz Artur Ferraretto | Crédito: Leonardo Kerkhoven
A ideia de compartilhar conhecimento sempre esteve presente na vida do jornalista, professor e pesquisador em rádio Luiz Artur Ferraretto. Parafraseando Edgar Roquette-Pinto, patrono da radiodifusão brasileira, diz que professor é "quem sabe ensinar o que sabe para quem não sabe". Para ele, com força de vontade, trabalho e ensino, se consegue tudo.
Nascido em 18 de dezembro de 1965, no município de Rio Grande, no sul do Estado, teve o "benefício raro" de ter os pais muito presentes. O pai, Zeferino Luiz Ferraretto, era mestre das oficinas no porto e se aposentou dias antes do nascimento de Ferraretto. A mãe, Maria Sparvoli Ferraretto, era dona de casa. "Se eu tenho alguma consciência social, é por causa da minha origem: sou filho de operário", enfatiza.
Aos seis anos já sabia ler e escrever, foi quando começou os estudos no Instituto Cristo Rei, onde ficou até concluir o Ensino Fundamental. Pegou o gosto pela leitura motivado pelos pais que, apesar de não serem grandes autores, liam muito. A família também ouvia as rádios Riograndina, Gaúcha e Minuano. No Ensino Médio, foi para o Colégio Técnico Industrial de Rio Grande (CTI), escola que era mantida pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg). "Eu não usei o que eu aprendi lá, mas uma coisa é certa: o jeito que eu dou aula e que escrevi meus livros tem influência do CTI. Foi onde eu aprendi que a maior ascensão social é o estudo que dá", diz.
Nos dois primeiros anos no colégio, estava convicto de que cursaria Engenharia Elétrica ou Eletrônica, Física ou Arquitetura. "Daí aconteceu uma coisa que eu não sei se é boa ou não", brinca. Por volta dos 13 anos, começou a ler jornais, pois o irmão, Luiz Ernesto, costumava comprar a Folha da Manhã e a Folha da Tarde. Estas duas publicações despertaram nele certo interesse pela Comunicação. "Eu gostava daquilo, mas não via possibilidade econômica nenhuma de vir fazer Jornalismo em Porto Alegre". Outro fator que influenciou neste gosto pela informação foi o processo de abertura política no Uruguai, pois lia reportagens sobre a ditadura e as torturas, aquilo o incomodava: "Tu era politicamente, sexualmente, em termos de comportamento, em tudo, tu era amordaçado".
Formação de engenheiro, cabeça de jornalista
Ainda no Ensino Médio, começou a comprar livros como "O que é isso, companheiro" e "O crepúsculo do macho", ambos do jornalista Fernando Gabeira e, ao mesmo tempo, fazia visitas a fábricas e instalações elétricas através do colégio. Em uma visita ao Porto, decidiu: "isso não era pra mim". Quando leu o livro "Um Repórter na China", do jornalista Flavio Alcaraz Gomes, teve certeza que queria ser jornalista. Sem condições de pagar a universidade, em 1982, começou a estudar para o vestibular da Ufrgs. Lembra que ia para a aula no CTI, sentava na última fila e estudava com o material do curso pré-vestibular que fazia à noite. "Eu tinha que fazer a frequência e não ia pedir arrego pra professor", explica.
Aprovado na Ufrgs, em 1983, aos 17 anos veio morar em Porto Alegre e, depois de um ano residindo na Capital, foi morar com seu irmão em Canoas. Corria 1984 quando teve a primeira oportunidade em veículo, como estagiário no jornal Correio Metropolitano, também em Canoas. O veículo, no entanto, quebrou após a segunda edição. Depois disso, conseguiu um estágio na rádio da Universidade: "Foi o primeiro lugar em que trabalhei na rádio". O primeiro emprego veio através da indicação de Ilgo Wink, que comentou sobre uma vaga de redator na TV Guaíba e o levou até à emissora para mostrar que era possível.
Mesmo sem muito conhecimento sobre ser redator, Ferraretto acabou se tornando repórter. "Eu não queria rádio, nem TV? eu queria jornal. A vida prega peças na gente", admite. Saiu da TV e trabalhou alguns meses no Jornal da Semana, do Sergio Jockymann, sem que fosse contratado. Algum tempo depois, foi surpreendido pelo colega Roberto Kovalick, que trabalhava na Rádio Gaúcha, e lhe disse que tinha vaga por lá. "Na minha opinião, o Roberto é o repórter mais sério de televisão das empresas brasileiras", afirma. No teste de freelancer para a cobertura das eleições estaduais pela Gaúcha, foi selecionado.
A prática no rádio
No dia da reunião para a cobertura, foi o primeiro a chegar e logo dividiu a sala com Armindo Antônio Ranzolin. "Ele sentou na frente do computador e me mostrou como ia ser o sistema da apuração, me deu umas dicas e não mostrou pra mais ninguém", lembra. Durante a cobertura, percebeu que estava no meio de uma manifestação em frente à Casa dos Estudantes da Ufrgs e lembrou quando ouviu no rádio, por volta de 1979, um boletim sobre a entrada das mulheres na mesma Casa: "Aí eu me dei conta de que eu estava com o microfone da Gaúcha e comecei a perceber que estava chegando onde eu queria", declara.
Em dezembro de 1986, após a cobertura das eleições e com o diploma em mãos, fez um teste para saber se ia permanecer na rádio. Uma das pautas era sobre motoristas de táxi. "Pra minha sorte, ninguém tinha resolvido fazer isso. Eles pararam a cidade e só tinha um repórter: eu", relata. Ao fim do teste, ouviu do coordenador de Jornalismo da rádio, Claudio Moretto: "P?, eu acho que tu tá contratado". Ainda trabalhou como cargo de comissão na área de assessoria da Secretaria da Educação e, depois, na Secretaria da Justiça, em 1988, enquanto ainda estava na rádio. "Eu só pedi pro meu chefe de reportagem que eu não queria falar sobre essas áreas", esclarece. Ficou nos dois empregos durante alguns meses até que "cansou" da atividade.
Era setembro de 1989 quando conheceu sua esposa, Elisa Kopplin, que trabalhava em uma empresa de assessoria de imprensa. O primeiro encontro, um tanto fora do comum, aconteceu em um ônibus. Ambos pegaram a condução em dia e horário que não estavam acostumados. "Eu sentei no ônibus e me chamou atenção que só duas pessoas estavam com livros em mãos. Eu estava lendo um livro de contos do Charles Dickens e ela estava lendo Gabriel García Márquez", recorda. Os dois livros estão expostos no apartamento deles até hoje. "Muita gente acha que a gente se conheceu na faculdade, mas não. Foi em um ônibus da Vicasa, indo pro bairro Niterói, em Canoas. A gente morava a duas quadras um do outro", assume. Começaram a namorar no mesmo mês.
No mesmo ano, cobriu o segundo turno das eleições, encarregado de acompanhar o Comitê do Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre. "Eu passei a metade do dia sob censura. Quem estava cobrindo o Collor, chegava a dar o programa de campanha, o que não podia", desabafa. Em determinado momento, um repórter disse que militantes do PT haviam sido presos como baderneiros, porque teriam trocado tiros com a oposição. Logo, o Comitê da Frente Brasil Popular revoltou-se e um advogado pediu direito de resposta. Prestes a colocar o advogado no ar, recebeu uma ordem para que não o fizesse. "Eu discuti com o cara e a partir dessa discussão, eu não falei mais. Isso era duas da tarde", lembra. Chegou em casa e disse para a Elisa que não aguentava mais e sugeriu que eles abrissem o próprio negócio. "A gente começou a tentar fazer essa empresa (de assessoria de imprensa) e definimos que não íamos trabalhar com políticos", pontua.
Novos caminhos
Mesmo sem telefone ou celular, a Kopplin & Ferraretto Comunicações saiu do papel e funcionava em um canto do quarto da Elisa, em Canoas. Chegaram a assessorar o Congresso Odontológico Riograndense (Corig) e a vinda do Sidney Sheldon à Capital. Na mesma época, os dois participaram de uma seleção para dar aula na Unisinos, e Elisa foi chamada: "Quando ela vai começar a dar aula, os professores entram em greve. Passamos uns três meses comendo em casa, de noite, e almoçando meio sanduíche, porque era o que a gente tinha dinheiro pra pagar", lamenta.
Em seguida, em 1990, Ferraretto também foi convidado a lecionar na Unisinos, e decidiu pedir demissão da Gaúcha para tornar-se professor. No ano seguinte, o casal lançou o livro "Técnicas de redação radiofônica". "Fizemos o livro em uma semana, em máquina de escrever", relata. Também escreveram um livro de assessoria, em 1992, "Assessoria de imprensa, teoria e prática". No início de 1994, os dois saíram da Unisinos. Elisa passou a trabalhar como jornalista concursada no Hospital de Clínicas e Ferraretto assumiu a coordenação de produção da Rádio Bandeirantes.
Lá, ele e a jornalista Márcia Charão produziram uma série de programas chamada "Memória Bandeirantes", que tratava sobre o golpe de 1964. A série recebeu primeiro lugar no Prêmio ARI de Jornalismo e também no Prêmio de Jornalismo da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Apesar de ter sido promovido a gerente de Jornalismo da rádio, diz que percebia que a situação financeira da empresa não ia bem. Com isso, acabou sendo dispensado.
Em 1995, tornou-se professor na Ulbra e, no ano seguinte, também passou a lecionar na Universidade de Santa Cruz (Unisc). Deu aula nas duas universidades durante um semestre e depois ficou apenas na Ulbra, onde virou gerente do Centro de Produção Audiovisual da universidade, que era responsável por todos os materiais institucionais em vídeo da instituição. Ainda trabalhou na coordenação dos cursos de Comunicação da Ulbra e saiu da universidade em 2008. Entre 2007 e 2010, coordenou o Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora, na Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).
Retomada acadêmica
Já havia decidido que a sua carreira seria acadêmica, então foi fazer mestrado na Ufrgs em 1997, mesmo ano em que lançou o livro "Rádio - O veículo, a história e a técnica", feito como projeto de pesquisa na Ulbra. O mestrado concluiu em 2000 e a dissertação do curso foi transformada no livro "Rádio no Rio Grande do Sul (anos 20, 30 e 40): dos pioneiros às emissoras comerciais". Em 2001, começou o doutorado, que resultou na tese "Rádio e capitalismo no Rio Grande do Sul: as emissoras comerciais e suas estratégias de programação na segunda metade do século 20". Durante estes trabalhos, teve a oportunidade de "reviver a vida" dos principais nomes do rádio do Rio Grande do Sul: "Vi muita gente chorar na minha frente contando a sua vida? isso é o que dá valor pro meu trabalho", avalia.
A partir dessa experiência, começou a fazer contato com universidades do interior e, em 2008, passou a lecionar na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Em 2010, surgiu a oportunidade de fazer concurso para dar aula na Ufrgs, a faculdade onde se formou e que, desde 2011, também é professor. No ano passado, publicou o livro "Rádio - Teoria e prática" e ainda mantém dois projetos de pesquisa: um sobre rádio e convergência e outro sobre a história do rádio, pelo qual pretende levantar, até 2021, os principais fatos da história do rádio brasileiro.
Sem filhos, acredita que, socialmente, seria mais interessante adotar uma criança, mas isso ainda não aconteceu. Os dias de folga são raros e quando acontecem, gosta de aproveitar com uma boa leitura ou ouvindo música. O lazer que realmente aprecia é viajar com Elisa. Em casa, tem livros suficientes para poder ler "nas próximas duas encarnações" e coleciona quadrinhos desde 1972. Foi torcedor fanático do Grêmio nos anos 1980, mas à medida que eu se envolveu com o jornalismo, foi deixando de lado. "Eu fico analisando a cobertura dos jogos de futebol, mais do que qualquer outra coisa", relata.
Hoje, não se imagina em nenhuma outra profissão, apesar de já ter pensado em deixar o Jornalismo em vários momentos. "Minha profissão é jornalista, minha função é professor", faz questão de deixar claro. Ferraretto tem mania de organização e seu maior hobby é ficar em casa aos finais de semana. Também gosta de ir a diversos cafés do Bom Fim, bairro onde reside, ou em livrarias. "A minha maior qualidade talvez seja a questão do trabalho, são os 99% de transpiração. E o meu maior defeito é só ter 1% de inspiração", calcula. Atualmente, está trabalhando em um artigo que irá apresentar no 10º Encontro Nacional de História da Mídia, a ser realizado na Ufrgs. Nos planos, estão escrever mais dois livros, produzir um título sobre economia política do rádio e outro sobre a história do meio no Brasil. "E, pra mim, tá bom, dei a minha contribuição pra minha área, tô satisfeito", finaliza.

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