Guacira Merlin: Profissionalismo e sensibilidade

Apreciadora dos hábitos simples da vida, a jornalista se mostra uma apaixonada pela natureza

Guacira Merlin | Divulgação RBS
Por Rafaeli Minuzzi
Natural de Canela, mas porto-alegrense de coração, a jornalista Guacira Merlin, repórter da RBS TV e Rede Globo, tem sua trajetória profissional marcada pela sensibilidade, simplicidade de linguagem e empatia. A filha caçula de um policial civil e de uma auditora afirma ter se tornado repórter de televisão por acaso. Apaixonada pela natureza, ela estudou biologia durante dois anos, mas a herança do pai - a paixão pelas palavras - acabou falando mais alto. "Sempre gostei muito de ler. Meu pai comprava muitas enciclopédias e eu lia umas dez vezes cada livro. Sempre achei que iria mais para o lado da escrita."
Estudante de Jornalismo pela PUC, começou a carreira com estágios em rádios, Palácio Piratini, passando pela assessoria de imprensa da empresa Gerdau, Rádio Cidade e pela Rádio e TV Bandeirantes. "Nos anos 1990, quando eu trabalhava como produtora da Rádio Bandeirantes, abriu uma vaga na TV. Alguém olhou pra mim e acreditou que eu fosse capaz de preencher a vaga. Então, fiz um programa experimental e nunca mais voltei para o rádio", relata.
A preciosa tranquilidade da sala reservada da redação da RBS TV é interrompida pela gargalhada de Guacira ao lembrar-se de seu primeiro trabalho como repórter de TV: um show aéreo de inauguração do aeroporto de Canela. Apesar da pouca familiaridade com a câmera e da insegurança que aflige qualquer "foca", ela apresentou um programa de uma hora sobre o assunto e brinca: "muito eloquente e "modesta", comecei com um programa de uma hora logo de cara, apesar de nunca ter feito TV. Talvez, eu fosse pouco consciente de mim mesma pra deixar de fazer aquilo".
Sempre mais preocupada com as histórias e personagens de suas reportagens do que com sua imagem, o caminho de Guacira foi traçado naturalmente, com "menos neura e mais trabalho", característica que acredita pertencer a toda sua geração - a falta de ambição e preocupação com o futuro. E apesar de satisfeita com tudo que conquistou, ainda acha que deveria ter investido mais na autopromoção - "coisa de gente exigente e cri-cri".
Reportagens especiais
Dentre os inúmeros trabalhos produzidos, Guacira destaca a cobertura das enchentes que atingiram a região do Vale do Itajaí, em 2008, e que resultaram na tragédia histórica de Blumenau. "A visão daquela cidade era impressionante e inacreditável. Parecia que a cidade havia derretido", recorda.
Seu largo sorriso se fecha ao falar sobre a cobertura do incêndio da Boate Kiss de 27 de janeiro de 2013 que deixou 242 jovens mortos, chocando o País, e com repercussão internacional. Guacira relembra a primeira visão ao chegar em Santa Maria:  centenas de sapatos e luvas de borracha jogados em frente à boate, bem como as dificuldades enfrentadas durante os quase 30 dias em que ficou na cidade para fazer com que as pessoas entendessem o que estava acontecendo.  E destaca que, a cada nova informação, era revelada a falta de responsabilidade, um descaso, uma história de algo mal feito. "Para mim, a tragédia é o emblema máximo de como as coisas acontecem no nosso País. Olha a história da tragédia e olha a história do Brasil. São corrupções, são "deixa pra lá", são tolerâncias que não deveriam existir. É como se um monte de gente fosse jogado em um caldeirão pra ferver", reflete.
Ainda acompanhando os desdobramentos do caso, Guacira foi à cidade outras vezes e enxergou a diferença do astral da cidade universitária. "O ar é pesado, todo mundo anda pelas ruas sabendo que algo horrível aconteceu lá. Tem gente que insinua que isso acontece porque os pais das vítimas não deixam a cidade esquecer o que ocorreu e eu, sinceramente, espero que eles nunca deixem a população esquecer essa tragédia. Esse caso deve servir como exemplo, para que isso nunca mais aconteça", argumenta.
O brilho nos olhos castanhos de Guacira retorna ao falar com carinho das reportagens que produziu para o Teledomingo, em sua maioria sobre natureza. Mas destaca uma série de reportagens que fez sobre a legalização da maconha no Uruguai, pelo fato de conseguir entrevistar usuários não traficantes e autoridades, visitar propriedades de cultivo para mostrar algo tão novo e tão próximo da realidade brasileira. E embora se considere curiosa e metida, não arrisca opinar sobre a eficácia da mesma medida no Brasil. "Acho que devemos nos informar. Eu sei o que é bom para a minha vida, mas quando olho para o outro lado da rua, prefiro não meter."
Apesar de organizada, a repórter sempre se esquece de inscrever suas reportagens em prêmios. "Eu não estou na TV para aparecer e sim para que a pessoa ou a situação que eu tô mostrando apareça e se torne de conhecimento público. Isso na minha cabeça sempre foi muito claro. Eu não trabalho por vaidade pessoal. Eu quero brilhar sempre menos. Isso pra mim é foco de trabalho", afirma. Mas lembra da mais recente "premiação", que recebeu quando uma telespectadora com pouco acesso a recursos e informação a abordou durante a cobertura da enchente de São Leopoldo, há cerca de um mês, com elogios por conseguir fazê-la compreender mesmo os assuntos mais complicados. "Existe prêmio maior que esse?"
Jornalismo como transformador social
Como jornalista inspirada na repórter Neide Duarte, Guacira tem a oportunidade de vivenciar importantes acontecimentos do Rio Grande do Sul e do Brasil, demonstrando a cada novo trabalho, seja em rede estadual ou nacional, sua sensibilidade e empatia com as histórias de centenas de pessoas. "O que me encanta diariamente no Jornalismo são as histórias das pessoas. A cada dia, eu conheço alguém diferente, aprendo com alguém diferente. E isso me fascina."
Da mesma forma, se encanta com o poder de transformação social de sua profissão. "O jornalista não deve ser superestimado. Ele não é médico, político ou policial, mas de alguma forma ajudamos as pessoas através do conhecimento que levamos às pessoas: em uma tomada de decisões, na mudança de uma realidade, com uma política que não está funcionando e que deveria funcionar ou que as pessoas desconheciam e que ficam sabendo como funciona".
Pós-graduada em Jornalismo Digital pela PUC há cinco anos, Guacira se considera versátil e aprecia tudo aquilo que é novidade, inclusive o momento que o jornalismo está vivendo com as novas mídias, pois elas oferecem  informações (muitas vezes exclusivas) com uma velocidade recorde, em tempo real e dão visibilidade a inúmeras histórias que não seriam noticiadas na televisão. Por outro lado, acredita que seja um momento de dificuldade, em que é preciso reafirmar o valor do trabalho do jornalista que apura as informações com seriedade e, senão com total isenção, pelo menos com a tentativa de ouvir as pessoas mais importantes envolvidas nos fatos. "O jornalismo marrom marca o início do jornalismo impresso no século XIX e sempre vai existir. Estamos na corda bamba e não sabemos o futuro da profissão, mas eu espero que isso sirva para que as pessoas se interessem pelo jornalismo no sentido positivo de buscar a notícia com credibilidade."
A simplicidade no dia a dia
Na zona leste da Capital, onde escolheu morar perto da natureza com o marido, o cinegrafista Alex Vieira, e a filha, Bárbara, ela tenta acordar diariamente às 7h, mas confessa que às 5h, o relógio biológico já desperta. Prepara o chimarrão, o mingau de aveia sagrado, liga o rádio na Rádio Gaúcha, acessa os principais sites de informação do País para alimentar seu vício pela informação e corre 30 minutos na bicicleta ergométrica. "Minha bicicleta não funciona como cabide, eu uso ela, pelo menos, cinco vezes na semana", ri. E somente à tarde, dirige ao som dos clássicos dos anos 1980 para a redação.
Nos dias de folga, seu dia perfeito é ficar em casa com Marie, a gatinha branca de olhos coloridos, e o Preto, o gato que dispensa descrições. Aproveita também para ler - ou reler clássicos de literatura como "Época da Inocência", de Edith Wharton, o qual confessa, suspirando: "Edith escreve muito bem. Queria escrever como ela". Diverte-se também ao preparar as refeições da família com três temperos fundamentais: manjerona, pimenta e louro. "Não sou da turma gourmet. Cozinhar é demonstração de carinho para a família. Prato chique não é comigo. Gosto de cozinhar o que as pessoas gostam de comer e que eles me ajudem. É uma coisa de carinho."
Tem um tempinho também para se dedicar ao cuidado com a casa. "Adoro sair para comprar cortinas, toalhas de mesa, ou arrumar qualquer coisinha que esteja bagunçada". Nas férias, a preguiça passa longe e ela curte viajar a lugares como Montevidéu, Buenos Aires, Maceió, Porto de Galinhas ou Florianópolis, para visitar os irmãos.
Para manter o bom relacionamento com amigos e familiares, Guacira procura sempre se reinventar. Se um dia está preguiçosa, no outro dia é criativa, se hoje está ranzinza, amanhã busca leveza e alegria. "Procuro sempre me observar para não cometer os mesmos erros", conta. Para o futuro, alimenta a mesma esperança de todo o brasileiro: um País com menos violência e mais amor ao próximo. E quem sabe a produção de um livro de ficção, que mesmo sem saber ainda como fazer ou por onde começar, tem tudo para ser um grande sucesso.

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