Ciça Kramer: Sem medo da roda girar

Atuações com produção, edição e direção em TV fizeram com que a jornalista Ciça Kramer se encontrasse no mundo por trás da tela

Ciça Kramer | Divulgação
Por Cinthia Dias
"Corta para o encerramento, Lize." Diante de duas telas grandes e outras seis menores, a jornalista Ciça Kramer orienta a colega Lizemara Prates, que está no estúdio, realizando a gravação do próximo Agroband, programa da Band RS. Satisfeita com o resultado, e com voz suave, avisa positivamente pelo rádio portátil que traz na mão direita, enquanto, com a outra, passa o teleprompter. Preocupada com cada detalhe, do cabelo ao modo como os apresentadores se posicionam no estúdio e as perguntas para tornar as entrevistas mais acessíveis ao público, a coordenadora de TV do Grupo Bandeirantes no Estado demonstra cuidado com os companheiros de emissora e muita paixão pelo que escolheu como profissão.
Aos 41 anos, ela recorda que os primeiros passos profissionais foram dados aos cinco, dentro da antiga Fundação Padre Landell de Moura (Feplam), cuja direção, na época, estava a cargo de sua mãe Erika Kramer. Pelo acaso, em uma das oportunidades em que esteve na Feplam, junto do pai, Heitor, para buscar a diretora, foi convidada para fazer uma participação especial em uma radionovela. "Foi uma frase, mas adorei. Eles [produtores da atração] também gostaram muito e, em seguida, me chamaram para fazer uma inteira." Morro dos Ventos Uivantes não foi um marco somente pela estreia no meio, mas pelo medo que tinha da narrativa e dos efeitos sonoros que a acompanhava. Além dessa, foram mais três no currículo da irmã mais velha de Bernardo Kramer.
Não demorou muito para que Ciça fosse chamada para o time do programa "O Espaço é da Criança", no qual eram lidas histórias para o público infantil, na Rádio Educadora, da fundação, onde ficou dos cinco aos 18 anos. Nesta idade, ingressou na PUC para cursar Comunicação Social, com ênfase no Jornalismo, e Direito, porque o patriarca da família a proibiu de ser musicista sem uma graduação. A intimidade com os instrumentos - violino, violão, flauta e piano - a levou a participar da Orquestra Zona Sul. "A gente tocava em asilos, festas beneficentes e em parques", recorda.
Envolvida com o ambiente acadêmico, logo no segundo ano da faculdade conseguiu um estágio na Assessoria de Imprensa do Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul. Com o trabalho supervisionado pela relações-públicas Neca Machado, também docente na universidade católica, a estudante produzia o jornal da entidade. "Todo mundo que passa por ela acaba a chamando de mamis, porque ela é realmente uma mãe com a gente", diz, com carinho. Relata ainda que, desde então, sempre recebeu incentivo da professora. Também dos tempos de Famecos, destaca o então diretor da faculdade, Antoninho Gonzalez, pela verdade que transmitia em seus discursos na Associação Riograndense de Imprensa (ARI). Ainda como inspirações profissionais, lembra do executivo Claiton Selistre, com quem está aprendendo sobre consultoria, e da jornalista Alice Urbim, que muito ouviu a respeito de seus sonhos.
Equilíbrio na dupla jornada
Quando o assunto é filhos, há quem diga que um é bom e dois são demais, mas a afirmação não é encarada pela jornalista como algo negativo. Ela garante que, desde a chegada dos gêmeos Lara e Matias, enquanto ainda estava ligada ao programa Anonymous Gourmet, de Pinheiro Machado, na RBS TV, não existe marasmo em sua casa, localizada na Zona Sul de Porto Alegre. A rotina agitada na emissora a fez rever escolhas e, em 2014, optou por se desligar do Grupo RBS e passar mais tempo com as crianças. Grata, recorda que seus colegas de redação prepararam uma surpresa para homenageá-la no último dia na empresa. "A minha saída foi muito tranquila, mas fui embora com o coração apertado. Foi intenso e lindo, mas a vida tem ciclos e a roda precisava girar."
O plano inicial era dedicar um ano aos pequenos, porém, com o Brasil sendo sede da Copa do Mundo, não conseguiu recusar o convite da amiga e editora-chefe do canal SporTV, Joice Bruhn, para participar da cobertura do evento esportivo diretamente do Rio de Janeiro. "A aventura mais louca da minha vida depois de ter tido gêmeos", diz, aos risos. Com uma pausa no período maternal, mobilizou a sogra e o esposo para passarem dois meses na cidade carioca, tendo que se afastar dos pequenos por 20 dias ininterruptos. Depois de ter produzido e dirigido programas de TV, afirma que a experiência lhe oportunizou retornar às origens de editora do Jornal do Almoço, quando "pegava as matérias e sentava na ilha de edição".
De volta à Capital, deu seguimento ao plano de se dedicar aos filhos em tempo integral. Apesar de ter retomado a carreira ao assinar um contrato com a Band em novembro de 2014, aproveita as manhãs livres com a dupla e, ainda que durante seu horário de trabalho, busca responder às ligações. A atenção com eles é dividida com o defensor público Marcelo, que conheceu por intermédio da jornalista Luciana Mismas. A intensidade da relação entre a colorada e o gremista e, principalmente, a doença do sogro fizeram com que o casal trocasse alianças com somente um ano e meio de namoro e noivado. O pedido foi feito durante um voo para o Rio de Janeiro, quando recebeu do amado um bilhete que dizia "Um pedido nas alturas". "A gente voltou e ele pediu a minha mão ao meu pai, que fez uma exigência: participar da cerimônia", conta, e explica que o patriarca, falecido em 2005, tinha esclerose lateral amiotrófica - lesão no sistema nervoso que enfraquece os músculos e afeta as funções físicas.
Por dentro da culinária
Em 1997, o Grupo RBS lançou uma edição do projeto Caras Novas e a formanda daquele ano resolveu se inscrever. Selecionada para vivenciar o programa de captação de recursos humanos, a jovem teve oficinas diárias de edição e apresentação, além da oportunidade de conviver com Rosane Marchetti, que é "uma jornalista referência na arte de contar histórias". Ao final, foi convidada para um freela na extinta TVCom como produtora do programa "Estúdio TvCom", de Lauro Quadros, e, posteriormente, do "Falando Abertamente", de Tânia Carvalho. Na sequência, foi contratada para produzir o Jornal do Almoço e, tempos mais tarde, assumiu um quadro semanal do Anonymous Gourmet, no JA. "Não sei nem onde fica a cozinha na minha casa", repete o pensamento que teve quando o desafio lhe foi proposto.
Na primeira gravação da atração, ainda inexperiente no assunto, parou a equipe no estúdio com a pergunta: O que é banho-maria? "No fim, meus questionamentos deram um ingrediente a mais nas receitas, que era explicar melhor, fazer a cozinha para quem não sabe e ensinar receitas simples, fáceis e saborosas." Com o projeto consolidado, a marca deixou o JA para se incorporar à grade de programação aos sábados, bem como a ter um espaço na rádio Gaúcha, em Zero Hora e no Canal Rural. Entretanto, em 2013, com o coração dividido, aceitou o convite da jornalista Fernanda Zaffari para ser diretora do TVCom Tudo Mais. "Era hora de ter outra experiência, e isso sempre me encantou: tirar projetos do chão, fazer desde o começo, fazer nascer."
De uma estranha diante da gastronomia, passou a ser uma admiradora deste universo. Com o mestre, como chama até hoje o apresentador de Anonymous Gourmet, Pinheiro Machado, aprendeu o gosto por cozinhar e por apreciar o momento das refeições. Segundo ela, não importa se é em casa ou no bar da empresa, se é pizza ou churrasco, busca tornar os horários de almoço, janta e lanches em espaços para conversar, relaxar e se reunir com os amigos para celebrar a vida. "Hoje é uma terapia. Devo isso eternamente ao Pinheiro." Não é para menos que trocou sua residência por outra com ambiente destinado às confraternizações.
"Mundo infinito para nós"
A convite do então diretor de Jornalismo da Band, Renato Martins, fechou com a empresa de Comunicação para coordenar a TV. Desde 2014, a fã do especialista em Semiótica Umberto Eco relata que aplica os conhecimentos que adquiriu em quase 18 anos de RBS, sempre que pode. Como aconteceu na organização do Carnaval de Porto Alegre, que em 2017 teve o direito de transmissão conquistado pelo Grupo Bandeirantes. "Foi intenso", desabafa, e confessa que, ao final da cobertura, chorou de felicidade ao ver o empenho de tantas pessoas. "Nós conquistamos a liderança em audiência. Daqui para frente, o mundo é infinito para nós. Vamos investir mais, pois estamos em um momento incrível de produção de conteúdo local."
Uma gestora tranquila, que procura resolver as demandas que lhe apresentam sem enlouquecer, assume que seu ponto fraco é não perder a paciência, o que deve ao nascimento dos gêmeos. "Não há caos que não possa ser solucionado", brinca, e completa que, "às vezes, a gente precisa disso para encerrar algum assunto, mas não consigo". Ainda assim, acredita que isso é fundamental para gerir pessoas e processos.
O respeito com que trata os colegas e conduz o trabalho é reflexo dos ensinamentos do pai publicitário Heitor Kramer, autor de "Vença com a Mídia". As falas motivacionais dele - entre elas "Vamos acordar felizes para vida, pois quem tem trabalho, tem tudo" - são lembranças frequentes que, segundo Ciça, transfere para o âmbito profissional. Já a praticidade e o lado racional da mãe, que justifica por ser descendente direta de alemães, a fazem enxergar que não há problema sem solução. "Procuro estar feliz, não esmorecer na dificuldade, e usar o erro para acertar."

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