João Ferrer: Jornalismo com militância

Das Comunidades Eclesiais de Base à Secretaria de Comunicação do Estado se construiu a trajetória do jornalista João Ferrer

João Ferrer - Reprodução

Por Karine Viana - 13/09/2013

Em 10 de junho de 2013, o governador Tarso Genro entronizava  o jornalista João Carlos Camargo Ferrer como titular da Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital. Ali mesmo, em seu discurso de posse, revelou que sua formação política, iniciada ainda no final dos anos 70, o conduziu a um jornalismo militante, cuja sustentação teve como base uma experiência na Pastoral da Juventude, ainda em Bagé, a vivência com as mentes efervescentes da República do 46, como era conhecido seu grupo em Santa Maria, e o trabalho de cunho partidário realizado na Capital.

João Ferrer nasceu em São Gabriel, em 26 de junho de 1964, mas foi em Bagé que viveu a maior parte da sua infância e adolescência e onde ensaiou os primeiros contatos na área política. A perda precoce do pai, o comerciante Antônio Carlos de Castro Ferrer, quando tinha apenas um ano de idade, obrigou a mudança da família, agora chefiada por Dona Dolores, para a casa da avó paterna. "Nós morávamos na casa da minha avó, que morava, por sua vez, com algumas irmãs solteiras dela", relembra.

Com isso, em Bagé o futuro jornalista viveria uma infância superprotegida por um grupo de sete mulheres, formado por mãe, avó e tias. A perda da referência paterna marcou um período de transição difícil, e João tinha menos de seis anos quando a mãe decidiu recomeçar a vida. Sem uma formação específica até aquele momento, Dolores passou a costurar, atividade com a qual assegurou o estudo de João Carlos e do mano José Luiz.

O início de tudo

Assim, foi em Bagé que João começou a moldar suas ideias políticas. Após a conclusão do segundo grau, envolveu-se com o setor político da igreja, por volta de 1979. "Tava começando, já constituindo um grupo com uma visão de esquerda, que era relacionado às Comunidades Eclesiais de Base", conta. Começou então uma experiência na Pastoral da Juventude, cuja referência, no início vinculada à visão da igreja, considera "o básico do básico" de sua formação política.

Mais vinculado a uma visão de esquerda e sob a ditadura, à época, do então presidente João Figueiredo, Ferrer foi militante de uma organização clandestina. As discussões internas do grupo eram densas e envolviam debates técnicos. Também foi neste período que o jornalista mergulhou numa intensiva de estudos do Marxismo. Anos mais tarde, já na Capital, fez parte do Centro de Estudos de Filosofia e Política, com o professor Adelmo Genro, outro núcleo forte de formação técnico-política do qual participou.

Depois de prestar vestibular para o curso de Filosofia na antiga Fundação Átila Taborda, e passar por uma tentativa de remanejamento para Pedagogia por falta de inscritos na opção requerida, João rumou para Santa Maria. Era na Universidade Federal da cidade a alternativa mais próxima para cursar Jornalismo. No local, também contou com apoio familiar, já que duas tias residiam na cidade. No entanto, foi no quarto de número 46, ao lado de grandes nomes ligados à militância de esquerda da época, que girou sua vida acadêmica.

"Quando entrei na Universidade Federal de Santa Maria, rapidamente acabei me envolvendo com o grupo do movimento estudantil", revela. No local, os territórios eram divididos. Pessoal da direita para um lado e da esquerda para o outro. Como a maioria dos estudantes ali eram graduandos de Jornalismo, o 46 era tido como referência, com nomes que depois se destacariam na cena política, como Sérgio Metz, o Jacaré, Marcos Rolim, Adelmo Genro e Estilac Xavier.

Este envolvimento significava, segundo Ferrer, que seu foco e atenção não estavam vinculados unicamente ao estudo acadêmico. Então, foi na República do 46 "onde efetivamente comecei mais solidamente minha formação política, mais que profissional", afirma.

Rumo à Capital

No início de 1984, depois de cursar um ano de Jornalismo na UFSM, Ferrer se elegeu para a diretoria do DCE. Na sequência, veio a participação na União Nacional dos Estudantes, entidade ainda influente na época, o que fez com que o jornalista interrompesse o curso, focando-se mais na militância estudantil. Com a ida da namorada para Porto Alegre, a designer Rosana Pozzobon -  com quem casou e teve o primeiro filho, Francisco, hoje com 25 anos -, o jornalista compreendeu que também tinha que fazer esta transição.

Neste período, discutia-se a candidatura do então advogado Tarso Genro para o Congresso Constituinte, em 1986. "Eu já estava em Porto Alegre como militante estudantil e acabei iniciando um processo de ajuda ao atual governador, então candidato, trabalhando na sua campanha eleitoral", lembra. Ferrer coordenou as campanhas de Tarso para deputado federal, que acabou como primeiro suplente, e de José Fortunati, então candidato eleito a uma cadeira na Assembleia Legislativa.

Ainda com o curso interrompido, foi ser chefe de gabinete de Marcos Rolim, eleito deputado estadual em 1990. Depois de um ano ao lado ali, voltou à Santa Maria para coordenar a campanha de Rolim à prefeitura . "Quando voltei para Santa Maria, decidi que era hora de retomar o curso", revela.

Carreira na política

No seu primeiro momento no Parlamento gaúcho, trabalhou por cerca de seis anos, considerando o rápido retorno a Santa Maria para a campanha de Rolim, em 1992, e volta para Porto Alegre. Em abril de 1993 foi convidado pelo então secretário municipal de Comunicação, Pedro Osório, a integrar a equipe de jornalistas da prefeitura de Porto Alegre. Foi ali, na gestão do então prefeito Tarso Genro, que assumiu uma função ligada ao jornalismo e retomou o curso na Ufrgs, se formando em 1994.

Ali pelo final de 1997, quando saiu para fazer mestrado em Política na Ufrgs, trabalhou durante cerca de um ano no Jornal do Comércio. Sua única experiência em redação foi como subeditor de Economia, deixada ao fim do primeiro ano do mestrado, quando precisava desenvolver a dissertação e optou por retornar à prefeitura.

A ideia de redigir a pesquisa de mestrado precisou ser interrompida. Tarso Genro surgia como pré-candidato a governador. "Eu tava trabalhando de novo com ele, na área de Cooperação Internacional, mas já vinculado ao gabinete do prefeito", lembra. Tarso ganhou a prévia interna, saiu e convidou Ferrer para seguir com ele. O jornalista foi então assessor direto do candidato ao governo. Com a eleição perdida, voltou à Assembleia, onde a bancada petista passava por algumas reformas e abria um processo para selecionar o coordenador da comunicação. "Lá assumi a coordenação de comunicação e depois a geral", relata Ferrer, que no total ficou cerca de 20 anos atuando dentro do Parlamento.

Outros rumos

Ao final de 2010, com Tarso eleito governador, Ferrer não esconde que alimentou a expectativa de receber um convite para compor o governo. O governador optou pela jornalista Vera Spolidoro e ele retornou à Assembleia. Estava na coordenação geral da bancada do PT quando recebeu um convite irrecusável, trabalhar na Escala, agência que prestara consultoria durante a campanha de Tarso. Um dos sócios, Alfredo Fedrizzi, que já havia especulado a possibilidade de Ferrer trabalhar com ele, fez o convite oficial. A proposta foi aceita depois de um ano, quando o jornalista afirma "ter jogado a toalha": "Achei que não tinha nenhum problema em topar, então resolvi aceitar".

Pois Ferrer estava na Escala, sua segunda experiência longe da área pública, quando foi surpreendido com o convite para assumir a Secretaria de Comunicação do Estado. "Embora eu estivesse muito bem na Escala, eu tinha uma sensação de trajetória interrompida", revela, acrescentando que seu gosto pela política e pela gestão pública falaram mais alto.

Na Secretaria

Coordenar a Secretaria de Comunicação não é, por óbvio, tarefa simples. "Não é fácil fazer esta gestão. E isto eu já sabia. Nos primeiros meses significou noites mal dormidas", revela. Tão logo assumiu, Ferrer fez uma espécie de reorganização no local, de um modo que achava que funcionaria melhor. "Hoje estamos com muitas mudanças no jornalismo, alguma mudança na área de Relações Públicas e Publicidade. Tem uma articulação forte de comunicação comunitária que a gente está fazendo e já está dando resultados, um conceito que o governo tem, que criamos neste processo de relacionamento com as agências", conta.

Enquanto não existe a possibilidade de levar uma vida serena como criador de ovelhas, sonho que era do avô, numa pequena fazenda em Lavras do Sul, e uma das grandes vontades de Ferrer, o jornalista leva uma rotina regrada que começa diariamente às 7 horas com a leitura dos jornais, seguida por despacho interno, definição da agenda do dia e despacho com o governador, este esporádico. O jornalista reside no Centro com a atual esposa, a jornalista Juliana Thomaz, e o filho Emiliano, de quatro anos, proximidade que facilita o trabalho.

Como leva a vida

João Ferrer reconhece uma fama "de brabo e exigente", e atribui tais características a uma espécie de auto-proteção, algo como distanciamento. "Sou efetivamente exigente, gosto de cumprir horários, gosto que as pessoas que trabalham comigo cumpram horário", defende-se. No entanto, afirma que no âmbito das relações pessoais mantém fortes manifestações de afetividade. Mas garante: "Não é um lado que eu mostre publicamente".

Para se desligar da loucura diária, a saída está no convívio familiar. "Fico sempre inventando coisas que deem para juntar todo mundo, como jantares e encontros", fala. Como práticas culturais, adota a leitura e as idas ao cinema e também mantém o hábito de viajar, atividade agora remodelada com a presença do pequeno Emiliano. Como meta, idealiza uma formação mais sólida, como a conclusão do mestrado, iniciado por duas vezes, sendo a última tentativa na PUC, quando foi chamado para a Secretaria.

Com uma clara carreira voltada a um jornalismo longe das redaçes, Ferrer vê a trajetória de assessoria de imprensa com encantamento e visivelmente sempre aproveitou das oportunidades. "A vida das pessoas é resultado das suas escolhas e estas escolhas são baseadas numa liberdade absoluta", afirma, numa referência a um de seus escritores preferidos, Jean-Paul Sartre.

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