Márcio Pinheiro: Arte de conversar

Entre livros, músicas e filmes, o jornalista Márcio Pinheiro se sente à vontade para brincar com o autotítulo "o homem Facebook"

Márcio Pinheiro | Crédito: Luis Ventura
Por Márcia Christofoli
A tarde é chuvosa, mas a conversa em tom informal, com muitos sorrisos e na companhia dos cachorros Bupi e Farofa, faz com que o clima pareça ensolarado. É em sua casa, na zona Sul de Porto Alegre, que o jornalista Márcio Pinheiro, formado pela Famecos em 1990, resgata sua trajetória e compartilha diversas preferências na vida pessoal. Aos 48 anos, sendo mais de 25 de profissão, ele se considera realizado, mas não a ponto de "ir pra casa, descansar e fumar charuto", apenas por se orgulhar do que traçou até aqui.
Márcio é filho do político, jornalista e advogado Ibsen Pinheiro e da jornalista Laila Pinheiro, falecida há dois anos, e, ao detalhar a atividade profissional dos pais, brinca ser a prova de que "jornalista se reproduz em cativeiro". O mundo dos veículos de comunicação, portanto, sempre foi o de Márcio, onde viveu desde a infância, quando saía do colégio e ia encontrar a mãe na Empresa Jornalística Caldas Júnior, que na década de 70 editava os jornais Correio do Povo, Folha da Tarde e Folha da Manhã, no qual Laila era editora. Não é à toa, assim, que muitos dos profissionais que se tornaram seus colegas de trabalho o conheceram quando ainda era criança. "O Jornalismo esteve na minha vida desde sempre, então, quando tive que escolher uma profissão, foi um caminho natural", analisa.
"Quero crer que não fui eu"
É entre sorrisos que Márcio conta brevemente sua trajetória profissional - aliás, é rindo que permanece em quase toda a conversa, pois parece que a vida assim se mostra a ele. Mesmo que o começo da carreira tenha sido na FM Cultura, quando essa fora criada, no final dos anos 1980, foi no papel que Márcio escreveu sua história. Traz na babagem passagens pelo Correio do Povo, Jornal do Brasil (no Rio de Janeiro), Gazeta Mercantil (sucursal de Porto Alegre) e Jornal da Tarde (em São Paulo), além de três períodos no Grupo RBS - dois em Zero Hora e um na TVCom.
Sobre as andanças pelo Jornalismo Cultural, área em que se especializou e se diz fascinado até hoje, costuma caracterizar com uma frase: "Já enterrei quatro veículos, mas quero crer que não fui eu". A brincadeira faz referência aos jornais impressos que não circulam mais e à emissora de TV que mudou de nome neste ano (TVCom passou a ser Octo). Gosta de lembrar a experiência na Gazeta, pois viu o jornal ascender de sucursal para edição regional. "Era uma equipe muito boa. Tínhamos duas ou três páginas de um formato standard, então, era bastante espaço e um trabalho muito bacana", recorda.
Em outro momento da carreira, sobre a passagem por São Paulo, lembra que o convite partiu de um dos grandes gênios que conheceu na imprensa: Murilo Felisberto. Aliás, não poupa elogios a quem considera seus principais mestres, e vai citando: Sérgio Augusto, "maior texto da imprensa brasileira"; Zé Onofre, "um texto brilhante e uma cultura fantástica"; e Luis Fernando Verissimo, "que tem uma qualidade de texto que acredito ser unanimidade".
Ser filho de quem é, ele tem certeza, pesou em convites que recebeu. Assim como parece óbvio que esta circunstância, em alguns momentos, atrapalhou. Ser comparado aos pais é algo inevitável, natural e tranquilo, na sua opinião, mas tem a cabeça feita de que o patrimônio profissional foi conquistado por mérito próprio. "Se eu tivesse escolhido ser médico ou engenheiro, seria diferente, mas não foi. Por outro lado, ter seguido áreas distintas dos meus pais dentro do Jornalismo também amenizou a comparação", pondera.
Muitas andanças
Nem só de impresso se fez a carreira de Márcio, que, desde 2009, decidiu deixar de ser funcionário em veículos de comunicação e iniciar carreira solo. A mudança, aliás, diz ter sido o grande acerto profissional, pois permitiu que realmente tivesse experiências diversas. Nestes últimos seis anos, escreveu para rádio, TV, site e jornal, fez roteiro de premiações, produziu três documentários - sobre Ernesto Fagundes, Renato Borghetti e Bebeto Alves -, além do livro "Esse tal de Borghettinho".
Paralelamente a isso tudo, em 2010, quando Sérgius Gonzaga assumiu a Secretaria de Cultura de Porto Alegre, Márcio foi coordenar a área de Literatura, e continuou na gestão atual, do amigo Roque Jacoby, "um trabalho que dá prazer e muito orgulho". Ali editou mais de 20 livros, organizou seminários, faz parte da direcão da Biblioteca Municipal, coordenou concursos culturais, como Poemas no Ônibus e Prêmio Açorianos de Literatura, entre outros.
Grandes nomes
Entre tantas atividades no meio cultural, Márcio não esconde o fascínio pela música, em especial. Tanto que em sua casa há uma parede inteira e mais algumas colunas dedicadas para os cerca de quatro mil CDs e dois mil LPs, sem contar a seleção do iPod - de todos os CDs e vinis, garante, já ouviu pelo menos uma ou duas músicas. Com isso, é possível dizer que o jornalista acompanhou a evolução tecnológica da música. "Fui testemunha auricular", conta, dando mais uma gargalhada.
É entre risos ainda que conta que o primeiro contato com LPs foi algo mais lúdico, "quase como a coisa do brinquedo mesmo", e começou a colecioná-los aos 12 anos, quando os comprava com sua mesada. Aliás, esse é o presente que mais gosta de dar e receber. Mas como presentear alguém que já tem tudo? "Com cheque-presente, com novidades instantaneamente lançadas ou com relíquias, ora", simplifica. Foi desse mundo também que veio uma consagração recente, o Prêmio Açorianos de Música, na categoria Melhor DVD do ano. Foi para a obra "Mais uma canção", de Bebeto Alves, que Márcio produziu.
Mais de 25 anos de carreira oportunizaram que Márcio fizesse milhares de entrevistas e até convivesse na intimidade com grandes nomes, tanto da música quanto da literatura. Nesta galeria sentimental, lembra com carinho de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Eric Napomuceno, Martha Medeiros. E do Rio Grande do Sul acha que não há quem ele não tenha entrevistado - Nico Nicolaiewisky, Nico Fagundes, Borghettinho, Fabrício Carpinejar, David Coimbra, Luis Fernando Verissimo, Sérgio Faraco, Cláudia Tajes, Luiz Antônio de Assis Brasil, "e por aí vai", como ele resume.
Lembrando as andanças pelo universo cultural, o jornalista destaca uma entrevista com alguém que não é tão conhecido como deveria. "Hermínio Bello de Carvalho, poeta e compositor. Esse cara me emocionou pela grandeza dele e pela importância na música brasileira", revela. Já Verissimo e Faraco, por exemplo, eram pessoas que admirava e viraram amigos. E poder ter essas pessoas por perto é o que dá a Márcio a certeza de estar no caminho correto, é um dos maiores reconhecimentos profissionais que pode ter.
Pequeno núcleo
Lembra a brincadeira da reprodução em cativeiro? Márcio deu continuidade a ela quando se casou com Cássia Zanon, que é jornalista por formação, apesar de viver como tradutora de inglês. Se conheceram em 1995, na RBS TV, quando ela fazia parte do projeto Caras Novas. Juntos, têm uma filha de três anos e meio, a Lina, e dois cães: o Bupi e o Farofa, aqueles que acompanharam esta conversa. Ser filho único não foi um problema, tanto que não pretende aumentar a prole. "Somos um clã pequeno, minha mãe faleceu há dois anos e eu tenho apenas a Lina - e assim se manterá. Talvez por isso goste tanto de ser uma pessoa gregária. Adoro turma, confraria, clube e tudo que possa reunir pessoas", diz, como forma de compensar o pequeno núcleo familiar.
Sobre suas mulheres, aliás, ele se derrete. Diz que Cássia é importantíssima, pois o acompanhou em todas as mudanças de trabalho e até de cidade. Para falar da família, socorre-se do livro que escreveu sobre Borghetti e lê: "Esse livro é, mais do que qualquer outro, da Cássia e da Lina. A primeira porque divide comigo há duas décadas sonhos e realidades. Não apenas uma companheira de vida, mas também uma crítica implacável e detalhista, muitas vezes com uma crença maior na capacidade do que o próprio autor. Já a Lina muda minha perspectiva de vida desde abril de 2012, e me dá constantemente a impressão de sempre ter estado ao meu lado. E é a minha obra maior, meu início, meu meio e minha continuidade".
Ser pai de menina, garante, é o maior barato, mesmo que isso tenha acontecido aos 45 anos, fato que permite um lado bom, e outro ruim. Muitas vezes, a pequena quer correr com o pai na rampa de casa e ele "quase morre", mas também considera ter serenidade, tranquilidade e uma experiência que o fazem levar tudo de forma mais leve. "Com a Lina há negociações: vamos a uma pracinha, mas depois passamos em uma livraria", revela, rindo novamente.
Ouvir, ler, torcer, comer?
Colorado por herança e conselheiro do Internacional, o time é quase uma religião na famíla, é parte da sua existência - o pai Ibsen, hoje deputado estadual, já foi dirigente do Inter. "Tem foto minha com dois anos na inauguração do Beira-Rio, então, lá sempre foi uma segunda casa", exalta, completando que seu envolvimento foi natural. Entre os hobbies, além do clube do coração, ele enumera o que até parece óbivo, no seu caso: ler, ouvir música, ver séries, ficar com Lina e Cássia.
Mas o que alguém aficionado por cultura gosta de ouvir? MPB e Jazz. E quem escreve livro, lê o quê? Histórias de não ficção, especialmente sobre política e biografias. Para ver na TV, os seriados são o que prendem a atenção do jornalista, que deixa o hard news para o longo do dia. Na hora de relaxar no sofá gosta mesmo é de ver Lei & Ordem SVU, a série preferida do momento. "O cinema já foi superado há horas. Nos seriados, encontramos os melhores roteiros, bem escritos, bem contados, com reviravoltas, etc", analisa. No mais, vê um pouco de tudo e revê muita coisa, confessa. Gosta de comprar seriados dos anos 1970, filmes antigos, como Poderoso Chefão e Planeta dos Macacos.
Na cozinha, só tem restrição a mocotó. E relembra o pensamento de um amigo, segundo o qual este prato está em extinção, pois pouquíssimas pessoas gostam. Enfim, aprecia churrasco, comida chinesa, italiana, alemã, de botequim, entre outras tantas. Porém, o fogão não é sua área, apesar de "se virar nele". Já a churrasqueira é toda dele, onde gosta de assados diferentes, como ovelha e cordeiro.
O Homem Facebook
Curiosidade é uma palavra que pode definir Márcio, que diz gostar de coisas e de gente. "Por exemplo, estou louco para te perguntar um monte de coisas", brinca com a repórter, e completa: "Nessa conversa, eu já estou editando um perfil na minha cabeça". Ele é assim, um cara que se sente até "meio Google", por ser um eterno buscador, sempre procurando estabelecer conexões.
É nesse momento que manuseia novamente o livro sobre Borghettinho para se deliciar com a leitura do que escreveu o amigo Juarez Fonseca: "Conhecedor da história da música brasileira, leitor de biografias, Márcio tem o saudável vício de conectar coisas que parecem separadas". E logo explica por que esta referência: gosta de coincidências e de coisas que se entrelaçam e fazem sentido juntas.
O lema do Facebook é algo que diz fazer desde sempre de forma natural: curtir e compartilhar. Gosta de descobrir algo novo, se sente curioso e isso o faz querer aguçar a curiosidade alheia. É assim que se sente completo. Esse, aliás, é o mundo que gostaria que Lina conhecesse, o de se interessar pelo outro, pelas histórias, pelo passado, para poder pensar no futuro. "Quero que ela seja uma pessoa interessante e interessada", almeja.
Não surpreende que diga amar Porto Alegre e todas suas peculiaridades - o pôr do sol, o Guaíba, o Beira-Rio? A surpresa, na verdade, fica por conta de uma revelação: não gosta de viajar, embora tenha conhecido muitos lugares do Brasil e fora dele, mais por deixar acontecer do que por sonhar e planejar. Quando viaja, curte muito, claro, mas ficar pensando nisso antes é uma tortura. "Fazer mala, passaporte, pensar na alfândega, traçar roteiro, pesquisar hotel. Não, nada disso me agrada, definitivamente. Se eu estalasse os dedos e estivesse em Nova Iorque, por exemplo, ia achar ótimo", brinca.
Ao pensar em como se definir, Márcio enumera características como bom sujeito, gaúcho, colorado, curioso, interessado, que gosta de conversar, amadora e profissionalmente. "Jogar conversa fora é errado para mim, pois nunca uma conversa é jogada fora. Assim como não existe cultura inútil. O legal na vida é isso: curtir e compartilhar."

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