Paulo Gilvane: Paciência e otimismo

Esses são os ingredientes para a receita de sucesso de Paulo Gilvane do Amaral Borges e sua agência Radioweb. Aos 36 anos, ele tinha um emprego estável na Rádio Gaúcha, mas decidiu arriscar tudo no lançamento do novo

Paulo Gilvane - Reprodução/Arquivo pessoal

Esses são os ingredientes para a receita de sucesso de Paulo Gilvane do Amaral Borges e sua agência Radioweb. Aos 36 anos, ele tinha um emprego estável na Rádio Gaúcha, mas decidiu arriscar tudo no lançamento do novo projeto. Isso porque, Gilvane acredita que entrou tarde no jornalismo e tinha pressa por que as coisas começassem a dar certo para ele, profissional e financeiramente. Ele nasceu em 14 de julho de 1964, na pequena Lagoa Vermelha, uma cidadezinha na região nordeste do Estado, essencialmente agrícola. Seu pai criava vacas nos fundos de casa, era produtor de leite. Assim, seu primeiro emprego foi o de leiteiro. "Acordava bem cedinho e ia entregar leite, antes de ir para a aula", conta.

Passou toda a sua infância e adolescência na cidade natal, mas já acalentava o sonho de ser jornalista: "Sempre gostei muito de ler jornal, mais do que livros. E, em TV, gostava de assistir aos telejornais. Nunca gostei de novelas, só de filmes, que eu gosto bastante, aliás". Era o que sempre quis ser, então, quando terminou o segundo grau, foi morar em Viamão, onde já vivia sua irmã. Chegou à Grande Porto Alegre em 1983, aos 19 anos, "como dizia uma música de Raul Seixas: 'inocente, puro e besta'". Entrou na Unisinos, "que é uma universidade muito boa, mas que eu não tinha como pagar". O sonho durou dois semestres, tempo suficiente para acabar seu dinheiro. Seus pais não tinham condições de ajudar, ao contrário, era ele que mandava dinheiro para incrementar a aposentadoria.

Decidido a cursar Jornalismo e disposto a sair da casa da irmã, Gilvane traçou uma meta para cinco anos: conseguiria um bom emprego, compraria um apartamento e voltaria a estudar, desta vez, na Ufrgs. "De 1983 a 1988, eu fiz isso. Trabalhava em dois empregos, no Bamerindus, na área de crédito imobiliário, e no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), como digitador e depois como operador de computador", explica. Com a dupla jornada de trabalho, financiou seu apartamento e começou um cursinho pré-vestibular, de seis meses. No quarto mês, seu pai ficou doente e acabaria falecendo depois. Por isso, nos últimos dois meses antes do vestibular, ele estudou sozinho, em casa. Conseguiu se classificar no 28º lugar, das 30 vagas que a Ufrgs oferecia para o curso. "Entrei na faculdade com 25 anos, quando a maioria das pessoas já estava se formando com 23, 24", lamenta. Por outro lado, ele acredita que as experiências nos seus dois empregos, nos quais continuou durante a faculdade, o ajudaram na sua formação: "Por exemplo, eu participei de movimento sindical, tinha uma atividade política no SINDPPD (Sindicato dos Profissionais em Processamento de Dados)".

Mesmo quando achou que já estava na hora de estagiar na sua área, Gilvane não abandonou nenhum dos empregos. Começou fazendo alguns frilas em assessoria de imprensa, depois estagiou na Bandeirantes e na Gaúcha. "Teve um período em que eu trabalhava das 6h30min às 12h30min no Serpro, das 13h às 18h numa ong, onde fazia um trabalho de comunicação, e depois estagiava à noite na Gaúcha, até a 1h da madrugada", lembra. "Entendia aquilo como necessário, pois, naquele momento, principalmente para alguém que já estava entrando tarde no mercado, era importante ter alguma experiência", justifica.

Logo depois de formado, precisamente no dia 7 de abril de 1995 ("eu me lembro porque é o Dia do Repórter"), Gilvane foi contratado como repórter da Band. "Fiz muita cobertura das atividades do MST. Não sei se é um dado correto, mas devo ter sido o primeiro repórter de rádio a ter acompanhado uma invasão dos sem-terra. Isso foi em 1996, quando eles ocuparam três fazendas ao mesmo tempo", recorda. Em um ano e meio, já atuava como chefe de reportagem, cargo que ocupou por cerca de dois anos e meio, até achar que estava na hora de buscar novos desafios. "Foi uma época muito legal para a Bandeirantes, eles andavam com um jornalismo fraco e investiram muito nessa área, o que garantiu o bom trabalho que eles fazem hoje. Mas, depois de quase quatro anos, venceu meu período lá", diz.

Então foi para a Gaúcha, onde voltou a atuar apenas como repórter, na editoria de Política. Mais datas que o jornalista não esquece: "Comecei no dia 8 de fevereiro de 1999, dia do aniversário da Gaúcha, e fiquei até o lançamento da Radioweb, em 23 de agosto de 2001". Segundo Gilvane, ele estava satisfeito com seu emprego, mas observara que seria muito difícil e demorado ocupar um lugar de destaque na rádio, então pensou: "Alguma coisa tem que me acontecer até os 40 anos, não posso ficar aqui, trabalhando a vida inteira como repórter". Claro, ele não tinha a pretensão de enriquecer com o jornalismo, mas "viver bem e poder viajar com o dinheiro que eu ganho".

A idéia da Radioweb surgiu por acaso. Em 2001, suas férias coincidiram com a realização do primeiro Fórum Social Mundial e Gilvane apresentou a seguinte proposta à organização do evento: fazer uma cobertura do FSM e transmitir, gratuitamente, para as rádios do interior. A idéia foi aceita e, até o final do Fórum, 90 rádios utilizaram aquele conteúdo. "A gente identificou que havia como encontrar clientes que quisessem chegar no rádio com uma notícia e entregá-la para as emissoras. Esse foi o embrião da Radioweb", explica. O jornalista reduziu seu horário de trabalho na Gaúcha para começar a estudar o projeto. No dia do lançamento da Radioweb, que seria às 19h, na sede da ARI (Associação Riograndense de Imprensa), Gilvane conversou com Armindo Antônio Ranzolin, às 17h, e pediu sua demissão.

A sua família o esperava em seu apartamento para irem juntos à ARI e ele avisou: "'Pedi demissão da Gaúcha.' - Eles disseram que eu estava louco, mas foi o legítimo 'peitaço', um 'seja-o-que-Deus-quiser'". Gilvane diz que seus conhecidos admiravam sua coragem, mas também pensavam que ele ia se quebrar. "Eu também achava que eu ia me quebrar, mas tinha que tentar", justifica. Para ele, o mais importante foi que as pessoas que estavam junto no projeto acreditavam que ia dar certo. Eram Daniela Madeira, Caroline Mello e Juliana Turati. Eles estavam certos e a empresa conta hoje com 27 pessoas: 10 em Porto Alegre e 17 em Brasília.

Embora a confirmação do projeto tenha se dado relativamente rápido, ela não ocorreu do dia para noite. "Passamos por muitas dificuldades, até sem luz ficamos uma vez e, várias, sem telefone. Eu não tinha nenhuma cultura empresarial", fala. "Se por um lado, éramos muito ruins em gestão, nosso produto era bom, um trabalho de credibilidade, acho que essa é a nossa marca até hoje", comemora. Em 2003, foi realizada uma pesquisa que identificou que, das 180 rádios parceiras até aquele momento, 40% eram de fora do Rio Grande do Sul e tinham uma reclamação em comum: o conteúdo era muito regional. Assim, surgiu a idéia da Radioweb Brasília. Só faltava alguém para tocar o projeto na capital federal. Foi quando o correspondente Geanoni Mousquer deixou a Gaúcha e aceitou o desafio.

Em 1º de março de 2004, começou a operar a Radioweb Brasília. O conteúdo do site passou a ser, prioritariamente, nacional, com uma página específica para o Rio Grande do Sul. Os resultados esperados também não surgiram de uma hora para a outra: "Qualquer investimento na área de comunicação tem que ser feito com muita paciência e muito sangue frio. Tem que saber aguardar os resultados", ensina Gilvane. Depois de um ano, a agência pulou de 250 para 1.300 rádios, em diversos estados brasileiros e, inclusive, em outros países, de língua portuguesa ou que fazem transmissão em português. "A gente não produz ainda conteúdo em outras línguas, mas é uma perspectiva para daqui uns dois anos", antecipa.

Entre as perspectivas para breve, estão a de ter, até o final do ano, 1.500 rádios parceiras e abrir uma nova sucursal, em outro estado. Gilvane comemora o número de clientes conquistados e o fato de que, hoje, eles procuram a agência. A Radioweb atende, entre outros, aos ministérios da Educação, da Integração Nacional e do Desenvolvimento Agrário, CNI (Confederação Nacional da Indústria), Conselho Federal de Odontologia, Governo do Estado, Univias, Sebrae/RS. "Nossa principal publicidade é gratuita, como temos muitos repórteres em Brasília, o público sempre vê nosso gravador nas entrevistas do Jornal Nacional?", brinca. Com tanto trabalho, o jornalista viu a necessidade de modernizar o site da empresa. Um preview do novo layout pode ser conferido no endereço www.agenciaradioweb.com.br. O site é exclusivo para as emissoras cadastradas e a agência realiza auditagem de conteúdo, para saber quantas e quais rádios aproveitaram as matérias produzidas, "isso é importante para o cliente".

Com o sucesso da agência, a vida pessoal de Gilvane se tornou uma bagunça. Deixou de comprar coisas para o seu apartamento para investir na Radioweb e, hoje, passa mais tempo em Brasília, onde fica em hotel, do que em Porto Alegre. "Não tenho referência de lar, casa virou um conceito virtual, moro onde estou agora", conta. Mas ele pretende terminar de montar seu apartamento em Porto Alegre e também alugar outro em Brasília: "Preciso ter meu canto aqui e outro lá. Tem uma hora que eu canso, mas estou tão apaixonado pelo projeto, que acabo gostando dessa correria. Seja onde estiver, procura compensar a semana atribulada dormindo até tarde no sábado e no domingo". É em Brasília, onde permanece cerca de três semanas por mês, que ocorre sua vida social: costuma comer em restaurantes, ir ao cinema e jogar futebol. "Também leio os jornais e as revistas, pois durante a semana não tenho tempo", diz.

Apesar de estar supersatisfeito com seu trabalho, Gilvane não recomenda esse tipo de "aposta no escuro" para quem não tem muita paciência e sangue frio. "Eu sou muito paciente, ao extremo, por isso consegui superar os primeiros anos, que foram muito difíceis. Dizia "eu sei que vai dar certo, há perspectivas"". Sou essencialmente otimista e confiante nas pessoas. Na Radioweb Porto Alegre, me chamam até de Poliana!", diverte-se. "As coisas só podem não dar certo se não houver competência por trás", acredita.

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