Jayme Sirotsky: Protagonista da Comunicação

Apoiado em valores como honestidade, educação e trabalho, Jayme Sirotsky construiu o Grupo RBS, ao lado do irmão Maurício

Jayme Sirotsky | Crédito: Jefferson Botega
Da era de ouro do rádio ao desenvolvimento da TV, abertura da internet e o boom do digital, Jayme Sirotsky não só viu períodos distintos do mercado de Comunicação como também foi um de seus protagonistas. Um dos responsáveis por erguer o Grupo RBS, ao lado do irmão Maurício Sirotsky Sobrinho, tem na personalidade centrada uma de suas características mais marcantes. Os valores familiares, o equilíbrio e a racionalidade nortearam seus passos como empresário e também fizeram dele um ativista da Comunicação.
De locutor de dedicatórias a presidente emérito do Grupo RBS, enfrentou uma longa caminhada, que inclui a defesa da liberdade de imprensa e expressão. Por duas gestões (1988 e 1992-1994), presidiu a Associação Nacional de Jornais (ANJ), entidade que, segundo lembra, nasceu dentro da RBS, em discussões junto com Maurício e Fernando Ernesto Corrêa, acionista do grupo. No cenário internacional, presidiu (1996-1998) e ainda colabora com a Associação Mundial de Jornais (WAN), como membro do Comitê Executivo, e com a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), integrando o Conselho Consultivo.
Aos 79 anos, crê que o mundo vive uma revolução digital, em que a Comunicação, como é conhecida, passa por um processo de destruição e renovação. Qual é o caminho a seguir? Entende que ainda não está definido, mas assegura que a informação continuará indispensável. "Produzir e distribuir informação de qualidade, que seja realmente de interesse da comunidade, continuará sendo uma atividade importante, o que faz com que os profissionais dessa atividade sejam também essenciais", acredita.
Coragem para fazer
A relação com a Comunicação começou a ser aprimorada ainda nos tempos de menino, quando costumava participar de concursos de declamação e oratória na escola. Os bastidores da profissão, conheceu aos 11 anos ao "xeretar", como diz, os estúdios da ZYF-5, Rádio Passo Fundo, da qual o irmão Maurício era gerente. Logo, passou a fazer a chamada "caixinha" - onde se colocavam, em ordem, os textos que seriam lidos no ar -, a locução em radioteatro e dedicatórias.
Em Porto Alegre, Jayme associou-se pela primeira vez a Maurício na criação da Mercur Publicidade, em 1956. Na época, o trabalho com propaganda ainda evoluía da figura do corretor de anúncios para o da agência. Por isso, era preciso sensatez e inteligência para lidar com o comportamento de alguns clientes acerca do tema. Alguns anunciantes até traziam exposta em suas lojas a mensagem "A verba para propaganda e caridade está esgotada". "A vida me deu a oportunidade de conhecer as três pontas do triângulo, que são o veículo de comunicação, o cliente e a agência. Na publicidade, aprendi continuadas lições de humildade", assegura.
A agência sobreviveu por algumas décadas, mas os irmãos não permaneceram por muito tempo. Um ano depois, Maurício deixou o negócio para comprar a Rádio Gaúcha, juntamente com Arnaldo Ballvé e outros três sócios, e, em 1962, a dupla voltou a se unir na gestão da emissora. A experiência em rádio, aliada à popularidade de Maurício como comunicador e à formulação de um planejamento estratégico ajudaram a erguer a emissora, que se encontrava praticamente falida. "As dificuldades foram muito grandes, especialmente pela grande necessidade de capital, que nós não tínhamos. Começamos na base de muito empreendedorismo, coragem e risco."
Tropeços e acertos
Erros, ressalta Jayme, sempre foram necessários para estabelecer o crescimento dos veículos do grupo. Foi assim com a Rádio Gaúcha e também com a rede regional de televisão, que possibilitou a entrega de conteúdo produzido com foco no público de cada região. Lembra que o projeto, que teve início em Caxias do Sul, em 1967, enfrentou resistência das comunidades que não queriam receber a programação local, e sim a da Capital, pois entendiam ser mais qualificada. "Perdemos muito dinheiro nessas emissoras, até que encontrássemos o ponto de equilíbrio econômico adequado e fôssemos diluindo os custos", relata.
Períodos duros também foram enfrentados com a operação de Zero Hora, que neste ano completa meio século. Corria 1967 quando Jayme e Maurício fizeram uma proposta de compra de 50% do jornal, que estava com Ary de Carvalho, ou venda da parte que detinham. Sem a gestão editorial nem administrativa do diário em que eram sócios desde sua criação, temiam que os resultados negativos viessem a afetar os números da Rádio e da TV Gaúcha.
Jayme lembra que ele e Maurício haviam dado muitos avais para as operações financeiras, e o jornal não estava conseguindo honrar. Como Ary não conseguiu um comprador para a parte dos Sirotsky, vendeu a sua. "Ficamos com um senhor abacaxi na mão. Tivemos que aprender a fazer jornal, pois não tínhamos a menor ideia de como se operava." Surgiu assim o Grupo RBS, originalmente, Rede Brasil Sul de Comunicações - nome inspirado nas redes de comunicação estrangeiras. O equilíbrio financeiro do diário foi atingido em dois anos, após modificações estruturais e editorial.
A sinergia entre os dois irmãos sempre foi grande e prova disso está na relação próxima mantida mesmo com a diferença etária de 10 anos. "Quando eu tinha 11 anos, ele tinha 21, já era gerente da Rádio Passo Fundo, mas sempre me tratou como igual. Isso nos deu a condição de ser bons sócios", afirma. Ainda hoje lamenta a morte do irmão, falecido em 1986, aos 61 anos, vítima de um aneurisma. A perda chocou a família, mas, diante da necessidade de seguir em frente, Jayme assumiu a presidência da empresa, que, em 1991, foi transmitida a Nelson Sirotsky e, depois, a Eduardo Sirotsky Melzer.
Valiosa herança
Vêm dos familiares valores como honestidade, educação, trabalho e importância da família, que define como importantíssimos para o caminho trilhado. Os avós e os pais, Rita Birmann e José Sirotsky, chegaram ao País na década de 1910, vindos da província russa Bessarábia, hoje República da Moldávia. Fugiam do programa de perseguição a judeus, implantado pelo então imperador Nicolau II. Em território brasileiro, instalaram-se no interior gaúcho, no atual distrito de Erebango, onde recomeçaram a vida, antes de partirem para Passo Fundo, buscando uma educação de qualidade para os filhos. O pai trabalhou assentando dormentes e trilhos de trem e, depois, montou um pequeno armazém. "Eles nos ensinaram valores referenciais que estão na minha base de formação", frisa.
Os mesmos valores foram transferidos aos filhos Marcelo, membro do Conselho de Administração da RBS, Sergio, empresário, e Mileni, designer e empresária - fruto de um relacionamento de mais de 50 anos com Marlene, falecida em 2010 -, aos oito netos e aplicados no cotidiano de empreendedor. Um exemplo está no constante envolvimento das empresas do grupo em ações de educação. Aliados às lições de família, estão os ensinamentos dos tempos de escola. Jayme atribui à vivência em colégios como o Instituto Ginasial de Passo Fundo parte da personalidade desenvolvida. Lá, aprimorou o gosto pela leitura, teve contato com obras de autores estrangeiros como William Shakespeare, romances policiais e também de poetas brasileiros, como Castro Alves, Gonçalves Dias e Olavo Bilac, os quais costumava declamar em concursos. "Essa leituras foram muito importantes para abertura da mente", crê.
Há dois anos e meio, casou-se novamente, com Luiza Mariano da Rocha Silla, um relacionamento que teve os sobrinhos Suzana e Nelson como cupidos. Os dois insistiam que o tio deveria ter uma nova companheira. Em uma conversa, constataram que essa poderia ser Luiza, uma grande amiga de Suzana, e trataram de aproximar o casal. "Luiza é uma mulher muito interessante, divorciada, tem quatro filhos adultos, inteligente, de agradável convívio, que gosta de viajar - o que, para mim, é elemento importante e faz com que eu tenha que caprichar", brinca, acrescentando em seguida: "Não estamos projetando ter filhos".
Na bagagem, as origens
As manhãs de Jayme são reservadas à leitura de jornais, livros, acesso à internet e atividades físicas. Exercícios de alongamento, caminhadas e sauna são indispensáveis no cotidiano do empresário. As tardes, costuma destinar ao grupo e a alguns compromissos adicionais, pois também se dedica a instituições como Fundação Iberê Camargo, Todos pela Educação, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e Instituto Jama - entidade que provê entre a família uma verba anual, que é aplicada em ações de educação. A noite é preenchida com programas como cinema, teatro e exposições.
De personalidade eclética, busca manter a mente aberta. Na música, por exemplo, procura sempre ouvir o desconhecido antes de opinar. "Se gostar, gostei", simplifica. No entanto, a preferência ainda está nos clássicos, na música popular brasileira, nos tangos argentinos e no jazz. O mesmo vale para a gastronomia. As viagens ao exterior lhe possibilitaram provar de tudo um pouco, incluindo as iguarias mais exóticas, mas o que mais o agrada são os pratos italianos e as diversas opções de carne. "Já fui mais chegado à cozinha sofisticada, hoje não tenho mais paciência. Não cozinho, mas asso direitinho e meus filhos são bons cozinheiros, então estou sempre próximo de alguma coisa boa para comer." Gremista, como grande parte dos Sirotsky, conta que abriu mão da ida aos estádios pelo conforto das transmissões de televisão.
Frequentes na agenda, as viagens constituem uma atividade que Jayme aprecia bastante e sobre a qual é capaz de falar por muitas horas. Unindo negócios, lazer e uma curiosidade característica, pôde conhecer diversos países e regiões - como China, Índia e Indonésia -, vivenciar outros pontos de vista e rever percepções. "Muito disso foi em função das atividades empresariais, e deixaram marcas maravilhosas", afirma. Durante muito tempo, manteve relatos diários das viagens e, no ano passado, foi surpreendido pelos filhos que reuniram as narrativas em uma coletânea. O livro ganhou o título de "Indiana Jayme".
Utopias e sonhos
As excursões pelo mundo ainda trouxeram mais: a oportunidade de redescobrir as origens. Em 2013, ano que marcou o centenário de imigração da família, viajou à Moldávia para conhecer a terra de seus ancestrais. A ideia de um país cinza, triste, o qual os pais ansiavam por deixar, logo se desfez quando se viu em um lugar de belas paisagens verdes, até semelhantes às do interior do Rio Grande do Sul. A partir dessa experiência, pôde mensurar melhor o quanto foi difícil para os familiares deixar a terra natal para se aventurar no Brasil. A memória resgatada na viagem também foi transformada em um livro, "A chama dos sonhos", que registra história, contos e fotografias.
Se no ano passado Jayme se dedicou à organização do livro, que foi entregue a toda a família, neste tem novos planos a concretizar, que incluem destinar mais tempo à leitura, em especial sobre Filosofia. Se diz frustrado por não conseguir ler 10% de tudo o que gostaria, o que faz crescer a pilha de publicações na mesa do escritório e em casa. Outro projeto é ter uma nova morada, pois considera que a casa em que vive há 30 anos, na Zona Sul, ficou grande demais. "Utopias e sonhos, não importa a idade, a gente precisa ter na vida e tentar transformá-los em projetos", defende.
Ao relembrar a trajetória, avalia o resultado alcançado como bom, mas não deixa de afirmar que apontaria reparos. Ainda assim, se diz uma pessoa realizada, especialmente por sentir que, ao longo da vida, desenvolveu atividades prazerosas, que foram positivas não apenas para si, mas para a sociedade como um todo. "Essa é uma satisfação que eu tenho e que acho que não é reservada a tantas pessoas", frisa. Jayme considera-se alguém em paz, que não quer deixar de realizar. "Nunca quero perder a angústia e a necessidade de fazer mais", pondera.

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