Telmo Flor: "Chef" de jornal

O diretor de Redação do Correio fala do sonho de juventude em trabalhar no jornal, e, com quase 50 anos, avisa que ainda há muito a realizar

"Se importa se eu fumar durante a entrevista?", pergunta sem rodeios o diretor de Redação do Correio do Povo, Telmo Flor, ao entrar no Salão Nobre, um espaço bem conservado, com móveis antigos que denunciam a idade do jornal. Entre fundação, em 1895, fechamento, em 1984, e reabertura, em 1986, acumula 114 anos, 23 acompanhados por Telmo, que já fez de tudo um pouco, passando por quase todas as editorias. "Me tornei um especialista em cozinha de jornal", diz referindo-se às tarefas de editor.
Natural de Porto Alegre, o jovem Telmo Ricardo Borges Flor queria ser jornalista, mas tinha de ser do Correio do Povo. "Decidi seguir a profissão quando tinha uns 15 anos e trabalhava como office boy da Macosul (empresa de fechaduras na Avenida Farrapos). Todos os meses vinha até aqui para pagar as contas da empresa, que anunciava no jornal. Ser repórter do CP virou um objetivo de vida", explica.
O sonho da juventude tornou-se realidade em 1986 quando, com dois anos de formado, foi contratado para ser repórter de política. De lá não saiu mais, passando por diversas editorias até ser promovido a chefe de Redação em 1992, e, em 1997, diretor de Redação, cargo que ocupa até hoje. "Continuo achando que a essência do jornalismo é a reportagem, mas o meu talento sempre foi editar", confidencia.
Para conseguir se formar, porém, foi servente de obras e comerciário. O pai, Aldo Machado Flor, já falecido, costumava dizer: "Filho de pobre que estudar tem poucas chances na vida, os que não estudarem não têm chance nenhuma", lembra, ao comentar que os três irmãos também chegaram à universidade. "Hoje, quem acompanha o sucesso dos filhos já formados é a nossa mãe Osvaldina." Da infância, Telmo também recorda das manhãs em que o pai chegava em casa, voltando do trabalho como taxista, com um bolo de milho e o jornal nas mãos. "Meu pai sempre leu muito. Com certeza, meu gosto pela leitura é influência dele", diz.
Diploma para trabalhar
Quando se formou, em 1984, os jornais do Grupo Caldas Júnior, hoje da Rede Record, estavam fechados. O jeito foi procurar outra atividade. Seu primeiro trabalho como jornalista foi na assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, no Rio Grande do Sul. "Eu trabalhava em outro setor, mas, quando estava para me formar, pedi para trocar de área. Disseram que eu só iria para lá depois de concluir o curso. Naquela época, exigiam diploma para trabalhar", comenta.
Lá, Telmo conheceu Floriano Soares, na época editor da rádio Guaíba, que o convidou para ser redator. Passou a trabalhar nos dois lugares. "Apesar da dificuldade econômica, a Guaíba foi uma escola para mim", registra, acrescentando que ganhou muito ao conviver com grandes nomes do jornalismo gaúcho. Quando o Correio do Povo estava para reabrir, em 1986, pediu uma chance para trabalhar como repórter. Ganhou, e o resultado foi ter de acumular uma tripla jornada: trabalhava das 8 às 13 no Ministério da Agricultura, das 13 às 18h na rádio Guaíba, e das 18h até o começo da madrugada no jornal.
Como conciliar tudo isto era impossível, Telmo abriu mão do serviço federal, o que, segundo ele, causou comoção familiar. Depois de algum tempo também deixou a rádio para dedicar-se ao jornalismo impresso. "Para um jornalista gaúcho dirigir a redação do CP, um jornal tradicional no Estado, é muito gratificante", resume hoje a experiência que acumula como diretor, cargo em que acompanhou a venda do jornal, há dois anos e meio, para a Rede Record. "A vinda da Record possibilitou uma reforma gráfica, algo que eu buscava há tempos", diz satisfeito.
Dos planos para o trabalho, Telmo anuncia que pretende afinar o relacionamento entre a rádio, a TV e o jornal da rede. "Quero gerar uma maior interatividade entre as equipes. Isso vai nos trazer benefícios", acredita. Além disso, vai implantar, ainda este ano, um portal de notícias reformulado, com mais canais e maior interação.
'Exemplo de chamada idiota'
Situações inusitadas do tempo em que era repórter no CP não faltam. Logo em seus primeiros dias de trabalho, Telmo saiu para entrevistar um político famoso da época (diz ele que não conta o nome porque não se deve falar mal de morto). "Fiz uma pergunta e ele me correu da sala. Voltei para a redação com a certeza de que seria demitido antes mesmo de começar. Mas o José Barrionuevo, diretor de Redação na época, me disse que era assim mesmo, os políticos não gostavam de responder às perguntas. Escapei", comenta.
Em busca de boas pautas pendurou-se na janela do gabinete do PMDB para ouvir as conversas que aconteciam no andar abaixo sobre o interesse do partido em se coligar com PDS. "Foi um furo de reportagem na época", comenta orgulhoso. Também foi preso durante algumas horas na Alemanha em 1990. Relembra que, com a recente queda do muro de Berlin, ser jornalista e estar portando uma câmera fotográfica no lado oriental do país "não era muito recomendável". O jornalista foi barrado no Checkpoint Charlie, nome dado ao posto militar entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental durante a Guerra Fria. "Histórias para contar aos netos", brinca.
Mas o momento que, segundo ele, não tem como esquecer foi quando resolveu inovar e criou uma chamada de capa só com números. "Publiquei uma manchete que anunciava o tamanho da inflação brasileira em 10 anos. Achei de uma criatividade enorme, mas foi uma grande burrada, porque não trazia as informações básicas. Tempos depois, soube que meu título era usado nas universidades como exemplo de chamada idiota", comenta sorrindo.
No balé clássico
Embora pareça difícil imaginar o tão apaixonado jornalista Telmo Flor em outra profissão, ele diz que se não tivesse seguido o ofício seria bailarino. "Sei que o machismo gaúcho impede que eu diga isso impunemente, mas gostaria de ter aprendido balé clássico", conta. Aos que retrucam apontando a barriga de gordinho, ele responde na telha: "Não nasci assim". Telmo chegou a praticar a dança no ginásio, mas logo desistiu dedicando-se ao seu desejo maior: trabalhar no Correio do Povo, onde só não passou pela editoria de esportes. Nem fez questão: "Nunca entendi muito da coisa. Só vou ao estádio, assistir aos jogos do Grêmio, arrastado pela minha filha, que é torcedora fanática".
Daniela, a filha de 14 anos, já anunciou que pensa em fazer jornalismo. Quando questionado sobre a escolha da caçula - ele também é pai de Ricardo, 19 -, respira fundo e declara: "Jamais vou contestar a escolha de alguém de ser jornalista. É claro que tenho temores porque sei que é uma profissão difícil, mas também não me arrependo por ter escolhido esse caminho". E destaca que, se não fosse o jornalismo, não teria tido a possibilidade de conhecer pessoas e lugares tão interessantes.
Ricardo está estudando História, certamente influenciado pelo exemplo do pai, que tem esta ciência como hobby e, sempre que pode, compra livros e revistas sobre o tema. Os filhos são fruto de sua união com Moema, com quem está casado há 21 anos. E é exatamente o clã que ocupa seu tempo quando não está trabalhando. "Sempre que posso, vou ao cinema ou saio para viajar com a família. Quero aproveitar meus filhos ao máximo antes que eles cresçam e saiam de casa". Mas nem sempre foi assim. Telmo recorda que já trabalhou seis meses direto, sem ter um dia de folga. "Minha esposa foi viúva de marido vivo durante muito tempo. Hoje, consigo fugir para alguma festinha de aniversário", diz.
Se ele está realizado? A resposta é não. Segundo Telmo, a realização está sempre no ano que vem. "Posso dizer que sou um homem feliz com o que eu já fiz, mas ainda há muito por fazer". Prestes a completar 50 anos, em 4 de outubro, se diz um jornalista feliz: "Tenho obtido conquistas duradouras. Sou um dos raros casos da minha geração em que alguém me ofereceu emprego?".
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