Diário Gaúcho: Advogado do leitor

Trabalhar com e pelo público. Eis a premissa básica e genuína do jornal popular do Grupo RBS

Redação Diário Gaúcho - Divulgação/Coletiva.net

Quando surgiu, há 18 anos, a frase que muito se ouvia era "torce este jornal e sai sangue". O que poucos entendiam na época - especialmente porque o diziam sem nenhum conhecimento de causa - é que o Diário Gaúcho chegou se propondo a praticar o Jornalismo Popular, conceito este que está bem distante do dito sensacionalismo. Quase duas décadas depois, e o impresso passou a ser considerado um case e até mesmo objeto de estudo de trabalhos científicos, pois conversa com seu público de forma constante, clara e assertiva.
 
Este público, segundo o editor-chefe, Diego Araújo, é bem definido "geográfica e economicamente falando", pois seus interesses estão bastante claros desde que o veículo foi lançado, ainda como um projeto dentro do Grupo RBS. E dessa época quem bem lembra é o editor-executivo do impresso, Felipe Bortolanza, que está na equipe há 18 anos. "Quando fui convidado, recém tinha entrado para Zero Hora e confesso que tive receio, pois ninguém sabia se daria certo", recorda ele, que não se arrepende em nada por ter aceitado o desafio.

Felipe também ressalta que o grande orgulho do time, no qual muitos estão desde o começo, é que o jornal não abriu mão do seu DNA, especialmente no que se refere a ouvir o leitor e responder sempre na expectativa de impactar a vida dele. A ideia é que, se uma pequena nota poupar milhares de pessoas de irem a um lugar que está fechado, o objetivo foi alcançado. Além disso, o esforço em tornar as pautas mais didáticas é comum entre os jornalistas de lá. "Essa base toda não foi alterada e acho que é por isso que ele se mantém firme e forte", avalia.

Atualmente, são 25 pessoas na equipe, sendo, pelo menos, 20 exclusivos do DG, isso porque existem editorias que são compartilhadas com outros veículos, como o caso de Segurança, Serviços e Esportes, além de diagramação e fotografia. O time específico, do qual os gestores têm pleno comando de pauta, rotina e organização, se divide em Geral, Variedades e Leitor.

Não sai sangue

Um dos defensores do Jornalismo Popular praticado no veículo é o repórter especial do Grupo RBS Renato Dornelles, que viveu na empresa uma transição na década de 1970 e assegura que muitos veículos, na ânsia de disputar leitores de polícia, chegaram a ser sensacionalistas, usando fotos de corpos e sangue, por exemplo. "Era uma época em que não se tinha tanto cuidado como se tem hoje", recorda. Alguns anos depois, com o fim do regime militar, não existia mais preso político e as editorias se voltavam ao preso comum. "Foi quando começamos dar um tratamento diferente à área, com temas mais voltados não só para o factual, mas também para os Direitos Humanos, para denúncias de arbitrariedades e ilegalidades", completa Renatinho, como é conhecido.

Outro aspecto importante citado pelo jornalista é sobre a postura do veículo a partir de 2011, quando começaram a fazer um levantamento próprio de homicídios. Segundo ele, a equipe de Polícia passou a registrar internamente estatísticas com análises do tipo de crime, horário, local, fazendo um verdadeiro estudo sobre o tema. Há alguns anos, chegaram a publicar uma espécie de dossiê dos primeiros 60 meses sobre o levantamento. "Conto tudo isso para mostrar que sempre houve muito mais cuidado e profissionalismo do que muitos sabem", ressalta.

Para ele, é um grande orgulho ter vivido essas experiências dentro do Diário Gaúcho, pois representa que, com o tempo, a equipe conseguiu fazer com que o trabalho não apenas fosse reconhecido, como entendido e admirado. E ainda servir de inspiração. Acontece que o trabalho do jornal foi base para a criação da editoria compartilhada de Segurança - hoje, trabalhando para os três veículos (DG, ZH e Gaúcha). Nesta contextualização, quem concorda com o colega é Diego Araújo, ao afirmar que o jornal é do tipo que "pode ficar em cima de uma mesa de jantar sem constranger ninguém da família".

Tudo junto e misturado

Até 2016, todo o funcionamento do jornal era no andar de baixo de onde se encontra hoje. Um veículo independente dos demais, uma sala separada ou, como alguns dizem, "vivendo um mundo paralelo", ainda que a comunicação com Zero Hora sempre tenha sido bastante intensa. Há dois anos, foi iniciada a integração das redações e muitos processos, muitas culturas e operações mudaram. Agora, com todos compartilhando espaço físico, pautas e profissionais, há uma troca de informações muito maior, a movimentação entre as ilhas é constante, os debates sobre temas abordados são visíveis e, com barreiras eliminadas, a agilidade é outra característica bem marcante.

Diego faz uma analogia para explicar como funciona esta logística de integração e compartilhamento de determinadas pautas: é como se houvesse uma grande prateleira de conteúdo. Então, cada veículo pega nela o que lhe interessa, adaptando linguagem, estrutura, viés e etc. "Fazendo uma comparação tosca, é como se essas editorias compartilhadas trabalhassem como uma agência de notícias e distribuíssem-nas internamente", compara, na tentativa de deixar ainda mais claro. Ele ainda ressalta que, quando se integram as redações, o grande risco é a pasteurização. Ou seja, ter dois jornais e uma rádio entregando a mesma coisa. Porém, entende que o Grupo RBS soube conduzir da melhor forma para que isso não acontecesse.

Bandeiras genuínas

Nem só de pautas compartilhadas vive o Diário Gaúcho, cuja autonomia é plena para decidir o que entra ou não no jornal. Existem aqueles temas chamados de genuínos, como era o caso da capa do jornal no dia em que a equipe de Coletiva.net visitou a empresa. Tratava-se de uma que estava sem professores de Matemática e Português desde o início do ano letivo, e o jornal acompanhou a evolução do caso até o dia em que os docentes entraram em sala de aula pela primeira vez em 2018. "Existem bandeiras que são nossas", explica Diego.

Ele ainda cita o hospital da Restinga, acompanhado pelo DG desde a promessa de que existiria até os dias atuais, quando mudou a administração e há a promessa de implantação de traumatologia e UTI. "A prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, considera esse hospital um afilhado do jornal", orgulha-se o editor-chefe. Outra característica do impresso é que, geralmente, na página três, os editores optam por estampar uma notícia positiva, de modo a inspirar o leitor assim que ele começar a folhear as páginas. Para a capa, a preferência é sempre por alguma pauta exclusiva, sem correr o risco de que sejam "cegos" para o que acontece ao redor. "Buscamos atender o que o nosso público quer ler, pois não terá isso em outro jornal. A gente não se abastece do comum", diz Felipe.

Essas premissas significam, por exemplo, que o veículo nunca noticiará a alta do dólar, salvo se ela interferir no preço do tomate. Ainda assim, a didática para que "a dona Maria" entenda essa relação é enorme. E tem mais: é ela quem vai estar na foto, não o ministro que anunciou essa alta. A verdade é que a definição de pautas parte muito dos leitores, do compartilhamento com os demais veículos integrados, além da observação do cotidiano, bem comum nas redações jornalísticas.

Rotina necessária

Quem entra no grande salão integrado do quarto andar do prédio da avenida Ipiranga precisa caminhar até o fundo dele para encontrar a maior parte da equipe do DG, que se concentra em uma ilha - além dos repórteres e editores espalhados pelo ambiente. As lideranças da equipe de hoje são basicamente formadas por quem está na empresa desde que ele era apenas um projeto. E toda esta turma se encontra sempre nas segundas-feiras para planejar as apostas até a terça-feira da semana seguinte.

Após o encontro, os agentes do processo andam sozinhos e consultam os responsáveis na medida do necessário. Além disso, a equipe de Geral também costuma se reunir uma vez por semana para debater pautas e planejar os próximos dias. O contato entre as editorias, como não poderia ser diferente em uma companhia que defende a integração, também é muito frequente, pois não há nada engessado.

Quando se fala em lideranças que iniciaram como repórteres, é o caso de Lis Aline, editora de Dia a Dia do jornal, área que inclui Economia, Saúde, Educação, Geral, Política - ou seja, tudo que não é Polícia, Esportes, Variedades ou Leitor. Ela, que chega na primeira hora da tarde, tem a responsabilidade de verificar o que cada um da equipe está produzindo, além de fazer uma rodada em Gaúcha ZH, ZH e Interior, para conferir a sinergia de abordagens. É a partir das 16h que as definições começam para encaminhar o fechamento do impresso, e, em paralelo a isso, cada repórter é responsável por também postar suas produções no site.

Atendimento ao leitor

Outra liderança considerada fundamental na equipe é a da editora-assistente Caren Baldo, que gerencia o contato com o leitor por meio das redes sociais. Ao seu lado, a jornalista conta com mais três estudantes para monitorar as cerca de 200 mensagens que chegam por dia via Whatsapp, sem falar em Facebook, Instagram, e-mail e, acreditem, cartas físicas! Segundo Caren, filtro não é um conceito muito robusto, uma vez que a equipe responde a todo e qualquer contato. "Inclusive, os 'bom dia', 'boa tarde' e 'boa noite'. Nosso amor e carinho com o leitor é realmente total", brinca. Ela ainda detalha que são cadastrados todos os leitores que contatam o jornal, o que resulta em uma base de mais de 20 mil contatos.

A ferramenta de mensagens instantâneas funciona quase como um Centro de Distribuição, pois a orientação é que ninguém fique sem resposta - e a verdade é que todos sabem de algumas questões cíclicas, como quando chega o período de troca do Junte & Ganhe. Aí é um "Deus nos acuda", mas, ainda assim, ninguém parece perder a paciência e encaminha a demanda com muita tranquilidade. Apesar do cenário parecer caótico, as redes sociais também servem - e muito! - para que surjam pautas muito interessantes, que podem ser direcionadas para demais editorias ou, ainda, aproveitadas na seção 'Seu problema é nosso', e toda essa produção mais própria é de responsabilidade da equipe de Caren.

Para a jornalista, estar perto do leitor faz parte do dia a dia, pois fazem isso há quase 20 anos. O que mudou desde então? Agora, a equipe entende que sabe tudo sobre Diário Gaúcho. "Nos formamos profissionais com ele. Foi uma história bonita, pois ninguém sabia fazer esse tipo de Jornalismo, então, aprendemos juntos", recorda ela.

Diferencial: o leitor

Se tem um diferencial que é citado de forma unânime entre os entrevistados, este é a relação do jornal com seus leitores. Chega a ser surpreendente o quanto o discurso entre eles é homogêneo quando se trata do seu público. O fenômeno é explicado por Felipe, quando este conta que as pessoas recém-chegadas à equipe se espantam com a forma respeitosa e carinhosa com a qual os leitores tratam e se comunicam com os jornalistas. "Eles entendem que o DG faz parte da vida deles. Não apenas por conta do Junte & Ganhe, que mobiliou a sua casa, mas por ser um tradutor, um advogado", analisa o editor-executivo.

Para ele, a aproximação que existe com a audiência do jornal é algo para se orgulhar, até porque ela se comporta diferentemente do que em ZH, por exemplo, onde a interação acontece de maneira a informar o que está acontecendo. No caso do Diário Gaúcho, é para tentar resolver o problema do leitor. "E nós ainda colocamos essas questões no jornal!", enaltece o jornalista.

Uma das histórias mais marcantes para Felipe foi quando uma investigação da equipe foi capaz de soltar uma pessoa que estava presa injustamente. Acontece que eles foram procurados por uma mãe munida de muitos álibis sobre a situação. Compraram a pauta, foram atrás, conversaram com quem precisava, pressionaram as autoridades e o poder público e os fizeram ver que havia erro no julgamento. "Ou seja, ouvindo as pessoas com dedicação, conseguimos coisas incríveis!"

 

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