Marcelo Pires: Um escritor adaptado à Publicidade

Há 35 anos no mercado publicitário, as principais conquistas do criativo não são contas, mas os filhos João e Tobias

Marcelo Pires

Por Cinthia Dias

"Eu me manifesto escrevendo. É algo natural para mim." Assim, o publicitário Marcelo Pires descreve sua paixão, que nasceu ainda na infância quando redigia poemas horríveis, como ele mesmo os caracteriza. A única certeza que tinha na adolescência, quando estava prestes a encerrar o ciclo no ensino médio no Colégio Marista Rosário, era de que trabalharia com algo relacionado à escrita. Não estava errado, afinal, na Publicidade voltou seu talento para a função de redator, cargo exercido na área de Criação dentro das agências.

Junto às letras caminhava a ideia de cursar Filosofia. A decisão definitiva veio uma semana antes do prazo final para inscrição nos vestibulares da PUC e da Ufrgs, quando conversava com Ricardo Freire, profissional responsável pela campanha 'Não é assim uma Brastemp' e administrador do blog Viagem na Viagem. Na época, o amigo comentou sobre Publicidade e Propaganda, graduação na qual atiçou sua curiosidade. Devidamente informado a respeito da formação e da profissão, prestou a prova e, em 1982, ingressou na universidade federal, de onde saiu com o título de bacharel em Comunicação Social com ênfases em PP e em Relações Públicas.

Em paralelo ao caminho criativo, não esqueceu o lado escritor, publicando seis obras, como poesias, textos infantis e um romance. São elas: Anotações a partir do meu astrolábio (2004), Liga-Desliga (1995), O menino que queria ser celular (2007), O menino paciente (2007), O imperdível menino que perdia tudo (2011) e [email protected] (1999), que reúne e-mails trocados por ele e a ex-esposa, a também escritora, Letícia Wierzchowski. Os livros, conforme conta, nasceram naturalmente, não para passar o tempo. "Primeiro veio a escrita, depois a adaptei à Publicidade", reitera.

Fora do expediente

É morador do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, desde que retornou do Rio de Janeiro, onde residiu por três anos para trabalhar na WMcCann. Diz apreciar a localidade, porque tem a possibilidade de fazer tarefas a pé, o que reforça seu prazer em deixar o carro em casa para poder caminhar. Para a felicidade ser completa, daria tudo para acordar depois das 10h30, mas, como não pode, bate o ponto em horário comercial. "Prefiro ir madrugada adentro trabalhando, lendo ou assistindo a uma série", observa, compartilhando seu comportamento noturno.

Por ser escritor, não abre mão de livros e, por isso, não é de se estranhar o grande acervo que tem em casa. Entre os autores favoritos, ressalta Adélia Prado, Erico Verissimo, Fernando Pessoa, José Saramago, João Cabral de Melo Neto e Philip Roth. "Sem mentira, são tantos preferidos que não consigo escolher só um", justifica. Na ânsia por dividir seu hábito com as pessoas, criou a página Lê Esse Book, no Facebook, na qual que registra suas opiniões literárias.

Sempre acompanhado de uma publicação, atualmente carrega em sua pasta o segundo livro de Fernanda Torres, o 'A Glória e o seu cortejo de horrores'. Recomenda, inclusive, às pessoas que sofrem de solidão, que se tornem leitores. "Porque com as narrativas, ninguém está sozinho." Ainda, curte ir ao cinema com o filho caçula, Tobias, de nove anos, e assistir a séries de faroeste, na Netflix, com o mais velho, João, de 16. A dupla é fruto da união com Letícia, com quem dividiu a vida de casado por 17 anos e de quem, hoje, é separado. Entre os hobbies não estão idas à academia.

Junto aos livros e filmes, consome muitas canções, principalmente as do gênero Música Popular Brasileira (MPB). É plateia confirmada em shows e adianta que o próximo espetáculo no qual marcará presença será no de Caetano Veloso, no Araújo Viana, na Capital. Na lista dos cantores mais admirados, destaca Gilberto Gil e Paulinho da Viola, figura que, para ele, é a representação fiel do Brasil. Sem fones de ouvido no trabalho, deixa o expediente ao som de playlists do Spotify. "O aplicativo mudou minha vida, porque eu comprava muitos CDs. Tenho uma coleção enorme pegando pó, mas, hoje, ouço ainda mais e, o melhor, é tudo de graça."

Na infância, as idas ao estádio Beira-Rio eram frequentes ao lado do pai, Salvador Pires, que o levava para a área dos associados. Já falecido, o fanático o influenciou na escolha pelo time do coração, mas, hoje em dia, as partidas do Colorado são acompanhadas pela TV, em casa.

Conexão Sul-Sudeste

Logo no primeiro semestre da faculdade, em 1982, correu em busca de um estágio e começou na MPM. E foi graças ao publicitário Beto Soares que, um mês depois, conseguiu uma vaga de efetivo na agência Um. Sempre como redator, também trabalhou pelas empresas Módulo, Nova Forma e Publivar antes de passar uma temporada na Europa. Quando retornou, em 1987, conquistou o título de Redator do Ano no Salão da Propaganda que, na época, era concedido ao profissional que publicava o maior número de peças no anuário.

A partir desse reconhecimento oferecido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP), choveu convites para que fosse diretor de Criação, no entanto, por se considerar inexperiente, recusou as propostas. Decidiu, então, mudar-se para São Paulo, onde, com a o portfólio embaixo do braço, visitou as empresas em que gostaria de trabalhar. O resultado foi a contratação pela agência suíça GGK, que virou W/Brasil. Lá, atuou por 12 anos como redator ao lado de Washington Olivetto. "Foi extremamente influenciado por ele. Divertido, que gosta de um bom viver e é muito culto", afirma, completando que teve a chance de reencontrar o mestre em 2013, quando morou na capital carioca.

Ao sair da GGK, retornou ao Rio Grande do Sul, ficando sete anos na Paim Comunicação. Após esse período, voltou para São Paulo e trabalhou como vice-presidente de Criação na Ogilvy Brasil. Entre idas e vindas, fez parte da equipe de profissionais da Competence, uma relação dividida em duas passagens que, juntas, somam seis anos de história.

Das campanhas, não evidencia as que lhe marcaram, mas sim, as que fizeram a cabeça do público, como os Gordinhos do DDD para Embratel, os Monstrinhos da RBS e Quero Panvel, Papai Noel. Ainda, lembra o conceito 'Precisar não precisa', do Unibanco; e da escrita, por 10 anos, dos textos de Carlinhos Moreno, do Bombril, pela WBrasil. Além destas ações, o currículo de Marcelo agora soma o título de Diretor de Criação do Ano, no Salão da Propaganda 2017. "Meu sonho é ser indicado a redator, porque prezo muito pelo fazer e escrever. Torço mesmo para que isso aconteça nos próximos anos."

Unidos pelo sangue e pelo estômago

A infância foi marcada pela avó materna, a polaca Nádia, que cantava, cozinhava, contava histórias, bordava e cultivava rosas, ações que seguem vivas em sua memória, assim com a humildade e a necessidade de transmitir amor. A relação próxima fez com que ela mostrasse a ele e aos irmãos Cátia e Miguel valores importantes da vida. "Todo o tempo ao lado dela era gratificante."

Dos pratos que fazia, recorda a sopa de beterraba e as sobras do almoço que viravam um belo prato no jantar. O requentado é, até hoje, seu favorito. Bom de garfo e péssimo no fogão, a frase 'Nunca fritou um ovo' não é força de expressão. "Não sei cozinhar e minha única tentativa foi uma massa com sardinha. Sobrevivo de telentregas, restaurantes e congelados", declara, às gargalhadas.

Sua personalidade é um misto de bom e mau humor; e deve o espírito leve a mãe, Adélia Pires. Criado na Igreja Católica, hoje não segue preceitos religiosos, mas carrega um mínimo de superstição, pois se diz escorpiano, por diversão. "Tenho mapa astral e acho fascinante tudo que possa vir para alimentar a linguagem."

Mesmo solteiro, garante que não mora sozinho: compartilha o apartamento com os pássaros Açúcar e o Asdrúbal. O nome do segundo é uma homenagem ao grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone que, entre outros nomes, revelou Regina Casé.

Marcelo, também chamado pelos amigos de Pirex, uma piada em relação ao sobrenome Pires, assegura que João e Tobias são as melhores conquistas de sua vida. "Sem dúvida, os amores da minha vida e a melhor parte de mim." Devido à situação conjugal, a dupla se divide entre a casa da mãe e do pai. O publicitário vê os herdeiros sem expectativas do que serão e tampouco ambiciona que sigam seus passos profissionais, apenas torce para que sejam felizes e pessoas do bem. "O resto vai se formando."

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