IN FORMA

Por Marino Boeira

Nada a declarar

A tragédia das cheias que atingiram o Rio Grande do Sul na semana que passou não amenizou a grande disputa que se faz na política nacional entre Lula e seus apoiadores e os saudosos do governo Bolsonaro.

A partir desse maniqueísmo, quaisquer críticas às ações do governo Lula são vistas como uma defesa do antigo presidente. A viagem que Lula fez ao Estado, em companhia da mulher, a Janja, e mais um grupo de políticos, foi um prato cheio para os meios de comunicação, tanto na abordagem dos fatos objetivos, quanto naqueles que mereciam ficar mais nas páginas de crônica social.

Lula chegou, conversou, pediu rezas a Deus, disse que não vai esquecer o povo gaúcho, prometeu liberar verbas e foi embora sem qualquer ato concreto que possa dar alguma esperança aos gaúchos de que essa tragédia não vai se repetir logo ali adiante.

Na área social da visita presidencial, o destaque foi para Janja da Silva, a Primeira Dama, como se diz da mulher do Presidente. Ela levou no avião presidencial para Brasília a cadela que batizou com o nome de Esperança. Os jornais publicaram fotos do ar compungido da cadela no colo da sua nova dona, imagens de comover os corações mais empedernidos.

Enquanto isso, não faltaram nas redes sociais os "desmancha prazeres", como eu, lembrando que em vez da cadela abandonada a Janja poderia ter dado mais atenção para as centenas de crianças cujas famílias perderam tudo na enchente.

Mas é preciso que se reconheça que nenhuma criança abandonada poderia dar uma foto tão comovedora como o da Esperança. Na atual sociedade do espetáculo, como denominou Guy Debord, a civilização ocidental atual, o gesto da Janja, merecidamente, foi destaque no Brasil inteiro.

O governador Eduardo Leite aproveitou a enchente e a visita de Lula para se exibir aos jornalistas vestido com um impecável traje da Defesa Civil. Fosse um safari e ele estaria up to date.

Nota 10 em matéria de elegância esportiva, mas zero no quesito Medidas de Urgência para enfrentar a calamidade.

Enquanto isso, na nossa mui leal e valorosa Porto Alegre, seu prefeito Sebastião Melo dava mais um show de incompetência. Em meio a toda a tragédia em que vive a cidade, ele reúne jornalistas para falar em alto e bom som da sua total incapacidade de, ao menos, tentar mudar alguma coisa.

Em vez da sua pobre ladainha, ele bem que poderia começar e terminar suas falas com os jornalistas com aquele tradicional "Nada a declarar".

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários