Novo 'mensageiro' exige um novo Juramento

Por Andrei Kampff, para Coletiva.net

O mundo anda tão complicado que até a tecnologia vive um paradoxo. As redes sociais foram criadas para democratizar conteúdo, abastecer as pessoas de informações e do essencial contraditório. Isso provocaria a reflexão necessária na hora de formar nossos próprios conceitos. Mas não foi o que aconteceu. Com as redes sociais, deixamos de buscar informação, queremos apenas convencer. Nem que seja à força. Agora, ninguém mais reflete sobre fatos, apenas quer 'compartilhar' o que lhe for conveniente. Diálogos foram substituídos por monólogos.

Tudo bem? Claro que não. Agora, você também passa a ter uma responsabilidade muito maior com o mundo que vive.

O jornalista sempre foi o 'mensageiro'. Aquele que corria atrás da informação, apurava fatos, conversava com pessoas, fazia boas perguntas, conseguia boas respostas. Comprava briga com poderosos. Lembra como caiu o ex-presidente Fernando Collor? Também é fácil de achar vários filmes muito legais que contam a importância do papel da imprensa na defesa da democracia do mundo e outros que denunciam problemas sérios da sociedade. Para ficar em uma dica só, Spotlight Segredos Revelados (o drama mostra como um grupo de jornalistas em Boston, EUA, reuniu milhares de documentos e depoimentos para provar uma série de crimes contra menores causados por padres católicos).

O jornalista não se habilita apenas pelo fato de querer contar histórias para os outros. Ele estuda quatro, cinco anos (só contando tempo da Faculdade), aprendendo técnicas de redação, a importância da entrevista, semiótica, poder da linguagem, estuda ética, assume compromissos morais. Ao final do curso, faz um juramento.

Juro

exercer a função de jornalista 

assumindo o compromisso com a verdade e a informação.

Atuarei dentro dos princípios universais de Justiça e Democracia

garantindo principalmente o direito do cidadão à informação.

Buscarei o aprimoramento das relações humanas e sociais,

através da crítica e análise da sociedade,

visando um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros.

Assim eu Juro.

Vivemos dias difíceis. Na polarização apaixonada, a razão perde de goleada.

E injustiças brotam a cada manuseada no smartphone. Jornalistas sérios, comprometidos com fatos, são acusados de vendidos, de bandidos, de oportunistas. São ameaçados (crime previsto na lei 2848/1941 e prevê pena de até seis meses de prisão). Uma pontuação e imediatamente o jornalista passa de 'comunista' a 'fascista'. Muitos são agredidos por extremistas dos dois lados, o que também serve como indício de que ele esta apenas exercendo a função de informar, o que pode agradar ou desagradar alguém. Quem ataca o 'mensageiro' tem, na verdade, medo que a mensagem chegue ao destinatário.

A conclusão: optamos por agredir, ao invés de refletir. 

Fechamos os olhos para o óbvio. Intolerância provoca cegueira. Ninguém mais é capaz de enxergar que vivemos a era da indignação seletiva.

Se for contar meu tempo de estágio na Rádio Guaíba e TVE, no RS, trabalho com jornalismo há 27 anos. Tempo suficiente para garantir: para a imensa maioria dos meus colegas, o juramento segue como um mantra diário no ofício de informar, informar bem. Maus jornalistas, aqueles que colocam interesses pessoais à frente do compromisso com os fatos, existem. Como existem médicos, advogados, garçons, dentistas, operários, atletas que também não honram a profissão que têm.

A ferramenta dos jornalistas e dos veículos é a mesma: credibilidade. Os veículos de comunicação serão sempre aqueles em quem as pessoas precisarão buscar mais informações sobre algo que aconteceu. Confirmar dados, verificar números. Eles serão os filtros das sempre perigosas FAKE NEWS, o nome moderno para notícias mentirosas.

Ah, o seu celular deve estar pulando de raiva agora com esse absurdo! Sério, manda ele se acalmar.

Você vai explicar para ele por que. Quantas notícias você já recebeu pelo celular, que curtiu ou desprezou, que não eram verdadeiras? Muitas! Só do primeiro turno das eleições foram várias e elas não vieram de veículos que trabalham com informação e que tem o compromisso de informar corretamente. Nasceram plantadas por empresa ou pessoa que tinha interesse em impulsionar aquilo.

Para piorar, notícias falsas ajudam a definir uma eleição!

Nos EUA, nas eleições de 2016, Donal Trump alijou a imprensa tradicional e fez uma campanha usando Twitter e Facebook. Passou a se comunicar diretamente com o eleitor de maneira direta, eficiente e, o melhor para um candidato, convenientemente. Trump se mostrou um gênio na arte de manipular a circulação da notícia. Não era do interesse dele, postava um tuíte e mudava o assunto em debate. O atual presidente americano abusou de notícias falsas, se elegeu e fez o Marck Zuckerberg, dono e fundador do Facebook, pedir desculpas no Congresso Americano pela circulação de conteúdo indevido e anunciar mudanças na forma de compartilhamento na plataforma dele.

Trump entrou na campanha presidencial com 6,5 milhões de seguidores no Twitter. Hoje, tem mais de 55 milhões.

Por aqui, ainda não se tem um estudo mais detalhado sobre a força de conteúdo mentirosos no pleito deste ano. Mas ela também será significativa. E no Brasil, diferentemente dos EUA, o Whatsapp foi o principal veículo usado.

O candidato Jair Bolsonaro foi um dos que mais apostaram na força dessa nova maneira de se comunicar e de transmitir conteúdo, até porque não tinha tempo na TV, nem dinheiro para grandes produções. Segundo o Datafolha, 61% dos eleitores do candidato se informam via Whatsapp. A campanha dele isolou o "mensageiro" tradicional e com várias empresas e aliados virtuais fez circular o conteúdo que queria. A campanha de Fernando Haddad e de outros candidatos também investiram nessa forma de propagar conteúdo.

É do jogo político, mas nenhum partido pode substituir os meios de comunicação tradicional. Seria até incoerente. Todos têm um 'lado' e uma batalha a vencer. O compromisso com os fatos e com a verdade não é prioridade. De nenhuma campanha política. O único objetivo na campanha é vencer, muito antes de informar. 

Desmascarar essas mentiras é um trabalho complicado, catalisado pela vocação das pessoas em preferir compartilhar boatos passados por desconhecidos a matérias apuradas por profissionais que vivem disso.

Aqui ninguém quer ser o 'Puritano da Estrela'. Veículos têm tendências, podem escolher lados, é assim em qualquer país desenvolvido.

Mas veículos sérios, mesmo assumindo um lado, têm compromisso com fatos, apuração e vivem da credibilidade. Portanto, eles não irão querer reforçar crenças nas pessoas com aquilo que pode lhe valer a sobrevivência. Viés ideológico é uma coisa, ter a mentira como instrumento de informação é outra bem diferente.

Nessa revolução digital que atropelou até estudiosos do assunto, o poder de repassar conteúdo se multiplicou. Os veículos tradicionais não detêm mais o monopólio todo poderoso da informação. Isso é bom e ruim. Bom porque as notícias chegam mais rapidamente ao conhecimento das pessoas. Ruim porque a imensa maioria não sabe da responsabilidade que é preciso ter ao informar. E não é culpa delas, elas não se prepararam para isso.

O bom é quando a informação caminha assim: teve um incêndio na floresta perto de casa. Eu soube pelo meu grupo de Whatsapp. Legal, deixa eu ver agora na CNN (exemplo) o que eles estão falando sobre isso, como começou, se há vítimas, se há responsáveis. Divulgar o que se quer, sem uma checagem responsável é uma sacanagem inconsciente que se faz até com quem se gosta, o destinatário daquela mensagem.

Meu avô, Darci, não teve a oportunidade de fazer uma faculdade, mas foi quem me ensinou a principal lição de ética que carrego para a vida, e que os dois cursos superiores que fiz não conseguiram me dar de maneira tão clara. Ele me disse uma vez,

"Fritz, se tu não sabe o que é certo, te faz uma pergunta: tu gostarias que fizessem isso contigo? Se a resposta for não, não faz."

Simples, você gostaria que alguém lhe passasse uma informação falsa? Ou que acusassem você de ser algo que você não é? Então, não faça isso com os outros. A sua responsabilidade na construção de uma sociedade melhor, agora, é muito maior. Assuma esse juramento consigo mesmo.

Andrei Kampff é jornalista e advogado.

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