Quando a coletiva de imprensa desanda

Por Marcelo Nepomuceno, para Coletiva.net

Você tinha feito conforme o planejado: espaço organizado; imprensa convocada (e presente); microfones e pontos de captação de áudio testados; cinegrafistas e fotógrafos posicionados.  As prováveis perguntas já foram previstas e ajustadas com o assessorado. Em resumo, tudo redondinho.  Eis que inicia a coletiva e o imprevisto acontece, e todo o planejamento vai por água abaixo.

Você assessora o presidente da república e ele, incomodado com uma pergunta, inicia uma discussão com um repórter.  Em vez da resposta, o presidente opta por criticar o jornalista e a emissora onde ele trabalha. O repórter retruca. A discussão segue. O presidente ordena que lhe retirem o microfone. Mas ele não entrega. Ninguém parece querer ceder. Tudo ao vivo e já repercutindo nas redes sociais. Quem acompanhou o noticiário nos últimos dias sabe que a situação que relatei foi real, ocorrida durante a última coletiva do presidente americano Donald Trump, contra o repórter, o conhecido setorista da Casa Branca Jim Acosta, da CNN. Quem não assistiu, dá pra conferir por aqui https://www.youtube.com/watch?v=m8rXqqLPbo4 e por aqui https://www.youtube.com/watch?v=zdFe-LmFRV8.

Superada a discussão com Acosta, o presidente, visivelmente irritado, passa a responder de forma agressiva a todas as perguntas. Sobrou para todo mundo.  E a coletiva, por óbvio, foi um desastre.  Até porque, pouco ou quase nada do que foi dito por Trump foi lembrado após o episódio. 

Pois então, o que faz a assessoria de imprensa numa hora dessas? 

Como se já não bastasse a mal conduzida coletiva, a Secretaria de Imprensa da Casa Branca conseguiu ser ainda mais truculenta que o seu chefe: revogou a credencial de Jim Acosta e ainda editou um vídeo sugerindo uma agressão do repórter à incauta estagiária que tentara lhe retirar o microfone das mãos. O resultado de mais essa pataquada foi uma reação global de jornalistas e entidades ligadas ao Jornalismo repudiando a desproporcional ação contra Jim Acosta.

Nesse caso, como dizem os próprios americanos, o primeiro passo é calm down. Calma. Afinal, o assessor de imprensa é não apenas um mediador, mas um avalista daquele encontro. Uma postura intempestiva como se viu na coletiva só tende a acirrar ainda mais os ânimos.

Faça-se justiça que nesse caso, inusitado (mas não inédito), é enorme a responsabilidade do assessorado (no caso, o Trump) que corrompe o ambiente da coletiva. O que não se releva, porém, são as medidas posteriores adotadas pela Secretaria de Imprensa de Trump ao impedir o jornalista da CNN de atuar na Casa Branca. Em uma organização - quer seja ela pública ou privada - a comunicação deve ser expressão de equilíbrio, não de instabilidade.

Coletivas mamão com açúcar são raridade. A tônica é a tensão, em especial no campo público. Todos ali deveriam estar acostumados e a última medida que poderia se esperar de um gestor na área de comunicação é a represália a um profissional de reportagem. Sem dúvida, é o pior gesto possível, com danos imediatos de imagem e na própria reputação da organização que avaliza atitudes dessa natureza.

Marcelo Nepomuceno é jornalista e pós-graduando em Comunicação Corporativa na ESPM-Sul.

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