Acalme-se e respire, é tudo um déjà vu

Por Catia Bandeira, para Coletiva.net

Em alguns momentos, chega a ser asfixiante a sensação do quanto tudo tem mudado rápido e radicalmente. Mas o mundo sempre foi assim. Tome-se o exemplo de Leonardo da Vinci, prodígio da curiosidade e da inteligência, cuja existência coincidiu com um dos períodos de aguda transformação e efervescência da civilização. Leonardo nasceu nos arredores de Florença em 1452. A Florença do século XV florescia em estímulo a muitas áreas de atuação - artesãos, comerciantes, marceneiros, entalhadores, sericicultores (criadores de bicho-da-seda), mestres da pintura, ourives e joalheiros, tabeliães e mecenas. Era como hoje, quando se mesclam arte, ideias, tecnologia, comércio e investidores, e nascem startups e fintechs.  Os formadores de opinião e influencers da época de Leonardo desenvolveram o Humanismo Renascentista, movimento que direcionava a crença na dignidade do homem e no anseio de encontrar a felicidade por meio do conhecimento. 

Filho fora do casamento de um tabelião muito respeitado, Leonardo, aos 14 anos, foi levado pelo pai para aprender com o primeiro mentor. No ateliê, entre pinturas e esculturas, discutia-se matemática, geometria, anatomia, ciências, música e filosofia. Mestre e pupilos criavam juntos e trabalhavam nas mesmas obras. A simbiose era tanta que existem quadros que, só depois de muitas análises, é possível identificar a autoria. Essa natureza colaborativa remete ao que, atualmente, chamamos de coworking.

O ambiente - e claro as características individuais, o temperamento e a personalidade - favoreceram que a Renascença fosse uma fábrica de polímatas, pessoas cujo conhecimento não está restrito a uma única área. Leonardo exige mais de uma linha para enumerar suas habilidades: cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta, músico, produtor, roteirista e diretor - caso essas últimas profissões já fossem reconhecidas. Maquiavel, Michelangelo, Copérnico e Rafael são polímatas contemporâneos de Leonardo. Assim, como hoje temos os controvertidos Steve Jobs, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Elon Musk.

No século XV ou agora, os ciclos - sejam econômicos e políticos - se sucedem. As transformações tecnológicas geram angústia e ansiedade. Mas também facilitam a vida se o equilíbrio for exercitado para usufrui-las. Smartphones e aplicativos podem ser libertadores desde que, na hora de falar com alguém, a gente olhe nos olhos e lhe dê atenção verdadeira. Senão, eles viram os senhores, e os humanos, os vassalos. Não é isso que se quer. Afinal, ainda se persegue felicidade por meio do conhecimento.

Catia Bandeira é jornalista e sócia-diretora da CDN Sul.

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