Ainda bem que eu não sou jornalista

Por Letícia Heinzelmann, para Coletiva.net

29/07/2019 15:23 / Atualizado em 29/07/2019 13:20

Faz exatamente 14 anos que tenho um diploma de jornalista. Quase cinco desde que trabalhei pela última vez com hard news. Cerca de um ano que o Jornalismo deixou de engrossar minha renda de alguma forma. E acompanhando as notícias hoje em dia, me atenho aos períodos em que atuei em veículos de notícias factuais: há apenas cinco anos estava editora do "maior portal da América Latina", e jamais me ocorreria permitir que uma notícia fosse publicada sem contraponto, contexto ou análise. Tudo bem que até então ? e a gente não sabia ? vivêssemos um período extremamente maçante em nosso noticiário: CPI do Cachoeira? Tédio... Julgamento do mensalão? Ai, que sono.

Enquanto mais as notícias vão ficando cabeludas, maior deveria ser o cuidado de reportagem e edição em não deixar absurdos ecoarem como verdades absolutas. Não importa se foi uma nota oficial ou a fala de uma autoridade ? e especialmente se for ?, há de haver contestação e/ou contextualização prontamente. Na hora! Ou então não precisamos de imprensa livre. Parem as máquinas! Para sempre. Deixem a imprensa oficial cumprir seu papel de desinformar a sociedade.

O presidente bradou contra os direitos humanos? Não pode ser publicado sem a devida análise. Não se pode esperar até o dia seguinte, após 24 horas de impropérios ressoando sozinhos, para fazer uma retranca e posar de jornalismo isento. A imprensa brasileira compactua com a maior estratégia da política atual ? em nível mundial ?, que é a desinformação. E é neste momento que penso: "Ainda bem que sou ex-jornalista!"

Porém, não existe esse status de "ex-jornalista" ou "jornalista não-praticante", como bem lembrou minha colega famequiana Manuela D'Ávila, que, mesmo não tendo atuado como profissional de imprensa, lembrou-se "jornalista e apta a produzir matérias com sigilo de fonte". Será que requer um distanciamento das redações para perceber como o jornalismo vem sendo mal desempenhado? Pode ser uma hipótese, já que os poucos jornalistas empregados que ainda restam precisam correr atrás das pautas e das metas, que, diferentemente do número de colegas, não diminuem. Mas é claro que não é culpa dos jornalistas a precarização de seu trabalho. Tudo serve ao interesse de alguém.

E não bastasse os jornalistas que trabalham não conseguirem fazer jornalismo ? porque esse oficialismo que está aí em todos jornais e veículos, já diria George Orwell, não é jornalismo, é publicidade ? e os desempregados estarem morrendo de frio, desabrigados ou quase, os que ainda conseguem manter um trabalho ativo de reportagem estão ameaçados por um governo autoritário. Eu, como a vítima de uma maldição, não consigo me manter jornalista nem ser ex-jornalista, só assisto ao noticiário indignada.

Letícia Heinzelmann ERA jornalista e hoje estuda Museologia.