Amor com gratidão se paga

Por Nathália Ely, para Coletiva.net, em especial de Semana da Mulher

Há pouco mais de dois anos eu sou repórter do Coletiva.net. No entanto, existe uma função que desempenho desde quando ainda era criança. É um trabalho que não tem salário definido. Faço com muita entrega, mas ainda não encontraram uma moeda melhor que a gratidão que o recompense. É o voluntariado. 

Movido pela caridade, perto do Natal, meu pai juntava as três filhas, comprava brinquedos e papéis para embalar. Depois de empacotá-los, distribuíamos para crianças carentes nas ruas. Assim, nasceu em mim a necessidade de ajudar alguém. Na adolescência, as ações do Grupo de Jovens da Paróquia São Manoel, em Porto Alegre, supriam esse anseio. Já adulta, uma jovem mulher morando sozinha e graduada, comecei na ONG Viva e Viver a contar histórias no Hospital da Criança Santo Antônio, no Complexo da Santa Casa. Nas poucas horas que eu ficava lá, não prestava atenção nas doenças. Apenas nas crianças, que, em meio a macas, soros e injeções, por alguns instantes, encontravam a paz e a alegria. Os sorrisos de retribuição me ensinaram que a imaginação é uma grande aliada na recuperação.

A mudança de endereço, um pouco mais afastada do Centro de Porto Alegre, dificultou, mas não impediu que eu continuasse. Eu só me afastei quando uma outra missão passou a exigir mais de mim: o cuidado com os animais. Depois que eu adotei o Kiko, um vira-lata preto, em 2013, minha vida e meu olhar para esses seres, bem como para o mundo como um todo, mudou. Em 2016, da união de um grupo de amigas, nasceu a Patrulha Animal Poa. De lá para cá, melhoramos a vida de mais de dezenas deles. Recolhemos das ruas, de maus tratos e cuidamos. Nosso objetivo é que eles conquistem uma nova família. Infelizmente nem todos conseguem. Muitos estão há mais de anos com a gente, em lares temporários, esperando uma casa definitiva. Alguns, apesar de todo nosso esforço, morrem sem conseguir.

Eu casei, e a atuação continuou. Mesmo durante a pandemia, as ações não pararam. O que diminuíram foram os recursos, visto que feiras de adoção e brechós, que fazíamos para arrecadar dinheiro, deixaram de acontecer. No entanto, uma missão ainda maior me obrigou a diminuir o ritmo: a maternidade. Grávida, fui obrigada a me resguardar. Deixar de fazer tanto o trabalho na rua e atuar mais em casa. Com o Lucas com pouco mais de um ano, sigo nas funções como: gerenciar as redes sociais, a parte financeira, as campanhas e as logísticas. 

Conforme estimativas da Organização Mundial da Saúde, só no Brasil, há mais de 30 milhões de animais abandonados, entre 10 milhões de gatos e 20 de cães. Em cidades de grande porte, há um cachorro para cada cinco habitantes. As leis e ações do poder público são insuficientes. Mesmo os milhares de protetores não  conseguem atender a todos. Não é um trabalho fácil, tão pouco é feito só de cenas bonitas. Pelo contrário. É uma função que até me machuca. Dói quando vejo um ser desses sofrendo física ou psicologicamente, nas ruas ou onde seriam os seus lares. Angustia demais ao ver a maldade do humano, que bate, abandona, castiga. 

Todos os meses, preciso arrecadar verba para sustentar os nossos resgatados. É post no Instagram, venda em brechós, campanhas, pedidos aos amigos, venda de rifas. É estressante! Ao ver minhas angústias, muitos já me perguntaram por que eu não largo tudo. Não existe essa possibilidade! Se eu assumi uma tarefa, vou finalizá-la. E, apesar de toda carga emocional negativa, há o lado positivo, que tudo supera. Saber que aquele ser não sofre mais, que aquela fêmea pode dormir tranquila sem ser atacada por vários machos, que aquele pet ganhou uma família e os humanos ganharam um ente que trará ainda mais felicidade para o núcleo: isso não tem explicação. 

Considero-me até um pouco egoísta. Porque eu sinto que fazendo o bem ao próximo, faço para mim. Não há recompensa maior que um agradecimento, um sorriso, mesmo que esse seja dado apenas com o olhar - na impossibilidade de falar no leito de um hospital -  um rabinho abanando e uma lambida. O obrigado de um vizinho de bairro, que adotou um dos resgatados e, toda vez que te vê, agradece por tu teres saído naquela sexta-feira à noite para salvar o cachorro atropelado na avenida. Afinal, hoje o pet é o "dono da casa" e seu melhor companheiro. É esse amor que me mantém forte para desempenhar as outras funções da minha vida. Não tem preço. Tem valor. E é tão grande que nada paga, só a gratidão. 

Nathália Ely é repórter de Coletiva.net e locutora freelancer

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