Ao vivo e em cores, somos insubstituíveis!

Por Christian Jung, para Coletiva.net

Christian Jung - Crédito: Arquivo pessoal

Pode parecer estranho que um profissional, Mestre de Cerimônias, eventualmente faça menção a erros na execução do trabalho. A despeito da estranheza, minhas referências a falhas ocorridas, descritas em alguns dos textos que escrevo, têm a intenção de fazer com que aqueles que trabalham nessa área e buscam informações sobre o assunto entendam que nem tudo é um mar de perfeição. 

Vejo um distanciamento grande e preocupante entre a vida real e o que se vê e lê nas redes sociais e sites de contatos profissionais. É preciso que se coloque os pés no chão. Sem a ilusão que currículos e cargos pomposos em perfis do LinkedIn possam gerar.

Aliás, tenho descoberto especificidades incríveis de alguns conhecidos que aguçam minha curiosidade: onde tiram tamanha criatividade nas especializações para a função que exercemos?

Cerimonial é uma das muitas profissões que dependem não só de apostilas, cursos e títulos. A vivência pessoal, a experiência do dia a dia, o errar e o acertar têm valor acadêmico. 

Sem jamais desmerecer a importância do estudo aprofundado, como Mestre de Cerimônias aprendi muito de forma empírica. Também fui em busca do conhecimento disponível nos livros e de especialização, no entanto, foi a proximidade com o microfone quem forjou minha personalidade na profissão. É insubstituível!

A propósito, voltemos ao título deste artigo. Se em outro momento escrevi sobre o tema "E quando o Mestre falha!", hoje trago a versão de "E quando o Mestre salva!".  E para ilustrar o assunto, relembro fato curioso ocorrido aqui nessas terras do Sul do Brasil.

No dia 20 de março de 2012, a Secretaria de Estado da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, do governo do Rio Grande do Sul, completava 25 anos - aliás, mesmo tempo que tenho de Palácio Piratini. Para comemorar a data, a secretaria fez um super evento na sede do Governo do Estado, em Porto Alegre, com pompa e tecnologia. 

Um dos recursos tecnológicos foi criar um Mestre de Cerimônias digital. Minha imagem presencial foi substituída por um totem virtual com uma tecnologia fantástica: minha imagem era projetada em uma placa transparente de acrílico recortada com o meu perfil. Algo inovador para 2012.

Minha imagem e minha voz foram gravadas dias antes em um estúdio especializado. A partir da imagem projetada, o acrílico foi recortado. Para o recorte perfeito era preciso que, no momento da apresentação, eu ficasse praticamente sempre na mesma posição, assim minha imagem não escaparia da projeção no acrílico.

A ansiedade era grande pelo resultado final, porque, pela primeira vez, eu estaria me assistindo na condução de uma solenidade de forma virtual. Ansiedade minha e, claro, de todos os organizadores do evento.

No dia da cerimônia, lá estava o totem em destaque no Salão Negrinho do Pastoreio, do Palácio Piratini. Foram vários testes feitos durante toda a manhã que se estenderam pela tarde. Posicionamento da imagem projetada, equalização do som, ajustes técnicos, tudo para garantir o sucesso do evento inovador.

A tensão que antecedia a cerimônia era quebrada pelas brincadeiras de colegas e funcionário do Palácio: queriam saber que poder era aquele que eu tinha de estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. 

Às 18h30min, a solenidade começaria com uma encenação teatral no palco e a representação da primeira transmissão sem fio feita pelo Padre Landell de Moura, o homem que, realmente, criou o rádio (e sobre isso podemos falar em outra oportunidade). Ao fim da apresentação com luzes e som, o ator que fazia o papel do padre apontava para o totem e de lá o Mestre de Cerimônia Virtual faria sua parte. 

A todas essas, eu estava escondido próximo da porta de entrada com o analógico roteiro de papel na mão no qual constava o texto que foi gravado e o restante da solenidade. Minha expectativa era total porque queria ver a reação das pessoas diante da novidade. 

Assim que o padre apontou o dedo para o totem, a projeção se iniciou e um silêncio se fez. Sim, aquele som que a tarde inteira rodou no salão, sumiu. Ninguém sabia o que estava ocorrendo e a produtora artística, com seu cinto de utilidades, cheio de penduricalhos, de um lado para o outro, corria apavorada. 

Ao perceber o imbróglio digital, me misturei ao público, pedi à produção para abrir o som do microfone, subi ao palco e soltei a voz: "Senhoras e Senhores, boa noite!". A atenção das pessoas que estava direcionada ao totem virtual voltou-se para a minha imagem real:

"Vejam só, logo hoje que contratei um sósia para que eu pudesse descansar um pouco, ele me faz esse papelão e não quer trabalhar. Quer saber, não vou repassar o cachê"!

Nesse tom bem humorado e com um sorriso no rosto de boas vindas, engatei o texto que teria de ter sido apresentado pelo Mestre Virtual. A audácia de "quebrar o protocolo digital" foi percebida pelas autoridades e organizadores da cerimônia, e o primeiro a expressar a satisfação pela solução encontrada foi o secretário da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, Cleber Prodanov. Aliviado com a minha atitude, iniciou a fala dizendo que por mais tecnologia que existisse no mundo nada poderia substituir o ser humano.

O então governador Tarso Genro também fez referências ao fato: 

"Com tudo que o mundo tecnológico possa nos proporcionar, prefiro meu Mestre de Cerimônia ao vivo e em cores".

Naquele momento, entendi que a atitude que tive, baseada na segurança que a experiência nos oferece, havia salvado a solenidade. Para alguns, a falha do Mestre Virtual foi vista como proposital e com a intenção de mostrar a todos que a presença do ser humano ainda era imprescindível a despeito da tecnologia. Como ainda é!

O secretário Prodanov e outras pessoas que estiveram naquela cerimônia até hoje citam o ocorrido e me agradecem. O totem ficou um bom tempo esquecido na entrada da secretaria. O operador do PC, que havia trabalhado dias a fio no projeto, nunca soube explicar porque a placa de som do computador queimou exatamente no instante em que o áudio deveria rodar. 

Relembro essa história para reforçar o que disse logo no início: não bastam apostilas e tecnologias. A experiência humana ainda é essencial e nos torna melhores no dia a dia.

Ainda bem!

Christian Jung é publicitário, locutor e mestre de cerimônias ([email protected])

 

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