Apenas "ser/estar" é resistir

Por Alexandre Rodrigues, para Coletiva.net

Alexandre Rodrigues - Arquivo Pessoal

Quando falamos em diversidade, a definição gramatical da palavra leva ao ponto de partida: reunião do que contém distintos aspectos, características e tipos. Ou melhor, deveria ser esse o ponto de partida. O distanciamento entre a prática e a teoria torna-se, aqui, a principal questão, que revisita reflexões importantes.

Vou me colocar como sujeito deste texto para melhor expressar. Sou homem cis, gay e negro. Discussões sobre gênero e etnia começaram a ficar latentes a partir da minha adolescência, apesar de ter vivido experiências marcantes desde criança (hoje consigo perceber nitidamente). Era um dos poucos negros na sala de aula do colégio, visto que fiz Ensino Fundamental e Ensino Médio em escola particular. Essa realidade de estar em ambientes nos quais eu era a minoria me acompanhou por diversas etapas da vida.

Quando entrei na faculdade, surgiu também a necessidade de adotar um pensamento crítico, além de criar um olhar apurado. Tais características são fundamentais no dia a dia jornalístico (na vida pessoal também). Um professor meu afirmava categoricamente:

- Estudantes entram para a comunicação social por três motivos: ou porque alguém diz que escreve bem; ou porque quer aparecer; ou porque deseja mudar o mundo.

"Mudar o mundo. Ousado. Mas como?", pensava eu. O jornalismo é, sim, ferramenta de transformação social. Caso contrário, não passa de intervalo comercial (como bem traduz o célebre ditado). No meu caso, percebi que apenas "ser/estar" significava um forte ato de resistência. Ver pessoas iguais a mim, pareceu utópico em muitos momentos. No entanto, aquelas que se destacavam estavam ali para provar o quão importante é criarmos espelhos através dos quais, refletidos, conseguimos ver potenciais inimagináveis. Os obstáculos são muitos. Nada fácil ficar provando capacidade o tempo todo, desviando de olhares ferozes. Afinal, dói dar a cara a tapa.

As mudanças estão sendo regadas gota a gota. Fui observando isso ao longo da minha caminhada como estagiário, repórter, assistente de conteúdo e, atualmente, editor na área de cultura e lazer. Ainda existe muito discurso sem fundamento, claro. Muita atenção!

Lembro que há mais de dez anos, quando comecei, a faculdade tornou-se um lugar onde eu conseguia me expressar de forma natural, já que não havia assumido minha sexualidade para a família. Era vasta a comunidade LGBTQIA+ por lá. Negros, no entanto, seguiam escassos. Tive a primeira referência próxima de pessoa negra em um alto cargo de jornalismo meses após entrar para o meu primeiro estágio. Fiquei fascinado. Era aquela a posição que eu almejava. Tempos depois, fui contratado pelo jornal de maior circulação do Rio Grande do Sul. Momento extremamente significativo para a minha carreira. Só não tinha noção do quanto poderia ser representativo para outros iguais a mim. Entendi isso no dia em que, ao escrever uma reportagem, a entrevistada, também negra, disse:

- Fico feliz em ver profissionais negros, pois só a gente entende dos percalços pelos quais passamos e pode revertê-los positivamente.

O desabafo dela me pegou de jeito. Confesso que escolhi o jornalismo por motivos alheios, mas descobri que a profissão leva a extrapolar vontades supérfluas. Fazer parte da engrenagem que aciona essa arma tão poderosa é, sim, participar de uma revolução. Precisamos ser voz ativa para aparecerem outras Majus, outros Heraldos, outras Glorias, outros Manoéis. Ousado? Muito. Mas extremamente necessário.

Alexandre Rodrigues é jornalista e atua como editor auxiliar de Cultura e Lazer em GZH

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