Cinema feito por pessoas com deficiência: por que tão incomum?

Por Victor Di Marco, para Coletiva.net

Pare e pense por um instante. Qual foi a última vez que você viu uma pessoa com deficiência ocupando algum espaço? Você olhou para essa pessoa? Encarou-a? Sentiu pena? O que veio a sua cabeça? Era uma pessoa de cadeira de rodas? Alguém com dificuldades motoras? Você já interagiu com alguma pessoa com deficiência? Já ouviu o termo PCD? Em algum momento você já se perguntou por que há poucos PCDs em cargos de destaque? Bem, são diversas perguntas que podem gerar respostas variadas, mas se tem alguma resposta que eu não vou mais ouvir é não.

Estima-se que 22,5% da população brasileira possui algum tipo de deficiência, isto é quase um quarto no total, este dado, porém, não se reverbera nos locais públicos e tampouco em nossas vidas sociais e afetos. O termo PCD (pessoa com deficiência) começou a ser utilizado a fim de mudar o imaginário social e forçar a sociedade a enxergar pessoas antes de deficientes. A não humanização da pessoa com deficiência nos leva a cair na fábula do herói, daquele exemplo de superação, de alguém extraordinário, um não humano. Ou mesmo aquele a quem todos admiram, mas que poucos, ou ninguém, quer conversar, beijar, transar ou conviver.

Viver e depender de uma sociedade capacitista (se você nunca ouviu esse termo, isso comprova ainda mais tudo que estou falando) é tarefa difícil, ainda mais nos dias de hoje que há uma articulação escrachada de retrocessos da inclusão da pessoa com deficiência. Perco as contas todas as vezes que ouvi - e ainda ouço - frases e vivências que esmagam a minha potência. Desde a falácia da necessidade de aprovação de outrem, espaço no local de trabalho, sexualidade sendo PCD até a existência coerciva de pautas que me excluem.

No meio que eu escolhi não seria diferente: o audiovisual reflete os mesmos problemas de uma sociedade preconceituosa. Inicialmente pensei que por ser um meio artístico e, teoricamente, mais sensível, não encontraria tantas dificuldades, porém isso não se fez. O imaginário da pessoa com deficiência incapaz ainda é muito forte. As pessoas quando falam comigo se surpreendem com a minha suposta "inteligência" chegando a dizer que nem parece que eu possuo uma deficiência, acreditando que estão me elogiando ao soltar essa pérola. Tudo isso se fez em mim um misto de raiva com desesperança e hoje eu me nutro principalmente da raiva.

Há alguns anos, comecei a frequentar festivais com intuito de conhecer pessoas e, consequentemente, começar minha carreira como roteirista, diretor e ator. Minha surpresa foi não haver nenhum tipo de preocupação com a minha pauta. Não ver filmes protagonizados ou feitos por pessoas como eu, me levou a acreditar que eu não tinha que estar lá, que aquele lugar não me pertencia e que as pessoas faziam questão de me lembrar disso a todo momento. Além disso, não há o mínimo de preocupação das curadorias dos festivais em promover e procurar produções com PCDs na equipe, da mesma forma como tem se incentivado filmes feitos por mulheres, por negras/os e por QUEERs. É importante salientar que só estamos vendo um aumento de produções feitas por essas "minorias", porque está tendo, primeiramente, pressão legítima dessas categorias e também vontade das organizações de festivais em promover esse incentivo. Esse também é um dos motivos pelos quais faço esse texto: mostrar que nós PCDs estamos aqui, somos muitos e que vamos lutar pelo espaço que é nosso de direito.

Quando contestei a falta de representatividade de PCDs nos festivais para pessoas do meio (todas sem deficiência, diga-se de passagem), elas me respondem dizendo que não há filmes, que não chegam filmes com essa temática, que a produção e a demanda são pequenas. Mas como vão saber se a demanda é pequena se nos formulários de inscrição nem sequer há espaço para se colocar se possui algum PCD na equipe, se não há nem um cuidado para se dar espaço a vivências assim? A demanda é, de fato, pequena ou falta empatia e incentivo?

Victor Di Marco é cineasta é ator.

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