Decida pela colaboração

Por Renato de Mesquita, para Coletiva.net

Depois de mais de 30 anos vivendo e convivendo com o mundo corporativo, uma questão permanece me intrigando e sobre a qual venho refletindo e elaborando hipóteses. Por que gestores costumam demorar a tomar uma decisão diferente da que normalmente tomam? E por vezes não tomam?

Mesmo que os resultados não sejam satisfatórios, muitos gestores permanecem alimentando as mesmas ideias e materializando as mesmas decisões de forma recorrente. Diga-se de passagem, não me excluo desse grupo. Enquanto executivo por vezes fui mais do mesmo, repetindo fórmulas e com dificuldade de romper a inércia decisória.

Sempre soube que é papel de um gestor, sempre que necessário, mudar o curso natural de um processo ou de uma estratégia. Simples né, só que não. Não é fácil sair da zona de conforto, do pleno controle, do terreno conhecido, para enfrentar e lidar com situações inexploradas até então.

Ao sair da zona de controle, o gestor expõe a sua competência ao julgamento do mundo corporativo. E ninguém gosta de ser julgado, ainda mais quando estamos entrando em terrenos obscuros e misteriosos.

É muita coisa em jogo. O status da posição, o reconhecimento adquirido e a remuneração são armadilhas da vida de um gestor que muitas vezes o leva a simplesmente repetir e repetir insistentemente suas decisões. Não contextualizo essa abordagem pelas decisões do dia a dia, me refiro às decisões cirúrgicas, estratégicas, decisões que impactam o rumo de uma organização, decisões que por vezes abalam as estruturas.

Diante de um ambiente cada vez mais hostil ao marasmo, os gestores precisam ser mais gestores do que nunca. Precisam mudar o curso natural da organização agora de forma muito mais rápida.

A transformação digital e a indústria 4.0 impõem aos gestores novos ingredientes. Afora os atributos necessários e úteis até agora como o espírito de liderança, visão estratégica e habilidade com pessoas, uma liderança precisa fortalecer duas competências: ousadia e velocidade na tomada de decisão.

Mas ok, entendido a lógica. Assim mesmo, por que os gestores têm tanta dificuldade de romper com o status quo?

Longe de querer impor conceitos, quero aqui expor uma ideia que venho observando e sensoriando a bastante tempo.

Vivemos num mundo corporativo que foi edificado em cima do pilar da competitividade, do vencer, da superação como meta por si só. Até aí tudo bem. Não há nada de errado nisso. A questão está que o espírito mais puro da competitividade é por si só solitário. Ele não é agregador.

E é neste ponto que eu foco a dificuldade dos gestores de uma maneira em geral. Uma visão de competição solitária, pouco agregadora na prática, não constrói o novo. E, infelizmente, fomos criados assim. Os nossos exemplos espelham isso. Os nossos heróis no mundo empresarial, esportivo, na ficção, materializam essa ideia de um ser vitorioso e insuperável.  

Fomos criados para sermos vencedores, imbatíveis e protagonistas das nossas conquistas. Capas de revista, prêmios, destaques, acabam sendo simbologias importantes de uma lógica permitida e fomentada por todos. E que, de certa forma, retroalimenta a competição solitária. Uma competição onde o conhecimento é poder e se eu tenho eu não compartilho ou compartilho parte, eu não desenvolvo, eu não crio massa crítica e assim eu preservo o poder, mas também não construo a ideia de uma organização fértil, dinâmica e propulsora naturalmente.

Então tá. Vamos agregar os times ao processo. Ledo engano. A saída não passa só por criar movimentos de empoderamento dos times e de adoção de discursos de inovação. Isso respinga, é verdade, mas não muda.

A saída é mais profunda e exige um repensar drástico. A saída passa pela colaboração. A colaboração construída na base constrói o empoderamento de forma natural. A colaboração com autonomia permite a tomada de decisão que precisa ser tomada e hoje não é. De forma rápida e certeira. E não pelos gestores, mas por quem de fato vive a organização, os times.

Esse é o espírito do Vale do Silício. Um lugar com uma cultura de decisões construídas por times capacitados, talentosos, autônomos e colaborativos. Um lugar onde o que menos importa é aquilo que passamos a valorizar, como as poltronas, as bicicletas e as mesas de ping pong. O que realmente importa no Vale é a preservação da cultura colaborativa e empoderada dos times.

Dentro desse contexto, os gestores têm um único papel: o de criar um ambiente favorável e protegido, para que a colaboração seja viva, a partir de profissionais competentes e que sabem o que estão fazendo.

Ou seja, a melhor decisão de um gestor dentro de uma organização para que essa organização esteja alinhada às transformações impostas pelos dias de hoje, é sair dos holofotes e do papel de ser o "homem que decide". É entender que o atual desafio competitivo é de outra natureza e, portanto, exige um processo decisório absolutamente distinto do que vem sendo praticado até então.

Com isso, não estou aqui defendendo a anarquia, longe disso, mas um ambiente colaborativo, talentoso e responsável, conectado com o propósito da organização, como forma de tornar a organização mais inquieta, criativa, flexível e rápida na sua tomada de decisão.

Renato de Mesquita é head de Inteligência da DA4D Data Analytics for Decision.

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