Eu sou fruto do poder

Por Márcia Christofoli, para Coletiva.net

Sou filha de uma mulher que tem magistério, faculdade e especialização. Minha mãe teve escola de educação infantil, foi professora de séries iniciais, trabalhou ao lado meu pai em uma agência de Turismo deles e, finalmente, formou-se psicóloga (neste caso, atuou em duas instituições de ensino, um sindicato, foi orientadora, teve uma consultoria e, finalmente, há anos, trabalha com o próprio consultório). Ela perdeu minha avó bem cedo (não tinha nem 30 anos!), cuidou do meu avô na doença terminal, teve dois filhos com menos de um ano e meio de diferença.

Dona Rosangela sempre foi a segunda mãe das minhas amigas, não sei dizer quantos afilhados tem, quantos adotou e o quanto a minha casa sempre esteve cheia. Ela é a responsável por manter a grande família reunida em diversas datas especiais - e outras sem nenhum motivo, apenas a vontade de ter os seus por perto. É extremamente vaidosa, ri e fala muito alto, lê uma quantidade absurda de livros por ano e gosta de estar bem informada sobre as notícias do dia a dia. Ah, não posso esquecer: é uma avó absolutamente incrível, entregue aos netos e às necessidades dos filhos.

Esse artigo é uma homenagem à minha mãe? Pode até ser, mas não é exatamente isso. Foi pensando em todos esses papéis que a minha mãe sempre executou com maestria, que percebi que meu primeiro exemplo de mulher forte não poderia ser outro. E por causa dela eu jamais deixei de lutar pelo que quis. Nunca, jamais ouvi da minha mãe frases como "te comporta, tu és uma menina", "tens que tratar melhor teu namorado, para ele não te largar", "tens que trabalhar menos para cuidar mais da tua casa", "futebol não é coisa de menina" (ok, ela até tentou me colocar no ballet, mas logo percebeu que eu não tinha lá muita aptidão para ser meiga e suave, como as bailarinas).

Hoje, especialmente hoje, neste dia que serve para reconhecermos nossas lutas, nossas conquistas e o interminável caminho que ainda temos pela frente por um pouco mais de igualdade, percebo que sou fruto de muito poder. Não, a minha mãe não pode ser enquadrada como uma feminista, existem muitos aspectos culturais, familiares e de sociedade envolvidos na história dela. Mas ela jamais deixou que isso pudesse ser um obstáculo na trajetória que eu sempre tive a liberdade de construir.

Se me perguntarem quem é a Márcia, não saberia dar apenas uma resposta. Sou plenamente realizada como jornalista. Sou filha, irmã, sobrinha, neta, prima, dinda de pessoas que fazem meus dias mais felizes. Sou esposa de um cara que eu escolhi para viver meus dias, e escolheria de novo, de novo e de novo. Sou alguém que ama jogar futebol e faz isso com empolgação e prazer. Sou empreendedora, que sabe de onde veio, onde quer chegar e morre de medo todos os dias. Sou uma amiga totalmente entregue aos meus, alguém que se enche de prazer em fazer parte da vida dessas pessoas. E, claro, sou mãe do Pedro, com todas as fragilidades que a maternidade proporciona, mas igualmente com o poder que ela traz junto.

Há anos me questiono sobre o Dia Internacional da Mulher, por saber que não temos muito a comemorar, pois poucas são as privilegiadas como eu, que nunca foram abusadas, violentadas, minimizadas - ao menos nunca dentro de casa. E, se em algum momento eu passei por isso na rua, voltei correndo para minha mãe e pude ser quem sempre quis, com a certeza de que ela não me julgaria pelas minhas escolhas. Definitivamente, sou feliz por poder ser muitas Márcia's. É clichê para hoje? Sim. Mas e daí? Lugar de mulher é onde ela quiser, sim!

Márcia Christofoli é jornalista, publisher de Coletiva.net, gerente de Conteúdo da Coletiva.rádio e coordenadora geral da Revista Tendências. Ah, e mãe do Pedro!

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