Futebol não é para mulher? Pergunta lá em casa

Por Anie Cristine, para Coletiva.net, em especial de Semana da Mulher

Não há menina que nunca tenha ouvido um: "senta direito", "fecha as pernas, tu estás de vestido", "tenha modos" e, embora tenha convivido com essas cobranças, que não são dirigidas a homens, fazer 'coisas de menino' nunca foi um problema lá em casa. Ah! Por falar em "lá em casa", cresci em um lar cheio de mulheres. Minha mãe e mais seis filhas. Sim, seis filhas. Todas mulheres. De fato, viver nesse ambiente diz muito do que sou hoje.

Antes que eu pudesse entender sobre "empoderamento feminino", minha mãe já me ensinava, na prática, como funcionava: não precisávamos de homens para carregar um guarda roupa, instalar um chuveiro, trocar uma lâmpada, quebrar parede e tudo aquilo que se entende como trabalho majoritariamente masculino. Era tudo feito por mãos de mulheres, nos virávamos bem. Com ela, também aprendi a ser independente - por vezes, mais do que eu queria - e a entender que podemos estar no lugar que quiser, vestir a roupa que quiser e gostar do que quiser.

O amor pelo futebol também veio de lá. Torcer, esbravejar e gritar são coisas que remetem, imediatamente, às lembranças de minha mãe, de joelhos no chão, sofrendo ao assistir a Batalha dos Aflitos e, em 2007, grávida da caçula, o Grêmio na disputa pela Libertadores, sendo vice-campeão. Diferentemente da minha família, me tornei Colorada. Ainda que minha mãe fosse gremista, ela estava lá, me fazendo companhia enquanto o Inter jogava o Mundial. Pude aprender, mais uma vez, que não é só futebol.

Ao crescer dessa maneira, entendi que futebol também é coisa de mulher. Na verdade, nunca pensei de maneira diferente, já que, desde pequena, meu brinquedo favorito era uma bola. Na escola em que estudava, o professor de Educação Física estimulava a prática dos esportes. Tinha aptidão para todos, mas o meu preferido era o futebol. Recordo de participar de campeonatos, ganhar muitas medalhas e incentivar para que mais meninas jogassem também. Enquanto crescia, a bola era minha companheira. Se não tivesse alguém que pudesse trocar passes comigo, a parede fazia esse papel.

Na adolescência, pude fazer parte da Escolinha do Grêmio (sim, minha mãe só me pagaria a mensalidade se fosse no Grêmio), não me importava muito, pois só queria jogar o meu futebol. Tive a sorte de ter uma irmã que compartilhava dessa mesma paixão. Estávamos, constantemente, esperando a oportunidade para "bater uma bolinha". Na maioria das vezes, o jogo acontecia com meninos e, modéstia a parte, éramos muito elogiadas pelo o que mostrávamos em quadra.

Adulta, mesmo que o desempenho não fosse como de quando comecei, nunca deixei de lado. Por um período, ocupou mais da minha vida do que qualquer outra função. Em outro momento, precisei colocar um freio para que pudesse me ocupar em outras atividades obrigatórias da vida adulta. Já tive um time de futebol, já joguei no time dos outros, já tive treinador, tirei muito dinheiro do bolso para poder jogar um campeonato e, principalmente, conheci outras tantas mulheres que dividem o mesmo amor. Ah, dizem que a sorte não bate duas vezes na porta, na minha bateu: a irmã caçula também veio com esse plus. É tão competitiva quanto, tão habilidosa quanto e é muito prazeroso quando nós três jogamos juntas.

O futebol não é só pegar a bola e sair correndo. Nele, é preciso organização, dinâmica, pensamento rápido e mais do que tudo, empatia com quem está do seu lado. Reflete muito sobre o que esse mundão nos apresenta. Nos mostra sobre a igualdade, sobre colaboração e confiança. Por vezes, é desanimador buscar, paulatinamente, um espacinho no meio de tantos homens. É cansativo estar no estádio e o teu comentário não ser ouvido, mas vai um homem falar a mesma coisa que tu, ganha logo um high five dos companheiros de torcida.

Conquistar nosso lugar na sociedade é igualzinho a estar dentro das quatro linhas. Começamos na defesa pelos nossos direitos, buscamos a igualdade no meio de campo, organizamos a jogada e, de passe em passe, damos a assistência para, enfim, marcar gol. Para nós, é indiferente o número da camisa de quem balançou a rede. Corremos para comemorar com a torcida, composta por todas as mulheres que construíram nossa história, dentro e fora de campo, para gritarmos em um só coro: somos campeãs.

Anie Cristine é social media de Coletiva.net e sócia e cofundadora da Sapien Digital

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